sábado, 28 de janeiro de 2023

Adriana Fernandes - Reforma neutra e as contas públicas

O Estado de S. Paulo.

Quando fala em reforma neutra, Haddad precisa definir qual será sua referência

Afala recente do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que vai buscar uma reforma tributária neutra – sem aumento da carga tributária – já suscita a pergunta que deve alimentar o embate entre os setores que não querem saber de pagar mais imposto: a reforma será neutra em relação a qual patamar, de que ano?

O governo Bolsonaro fechou o seu governo com um nível de receita líquida de 18,9% do PIB em 2022. Os números foram puxados por receitas atípicas como alta dos preços de commodities, entre elas, o petróleo.

Em 2019, antes da pandemia, as receitas estavam em 18,2% do Produto Interno Bruto (PIB).

Haddad já disse que considera os níveis de receita e despesas de 2022 como referência para o seu ajuste fiscal. Só que o nível de receita líquida, sem as receitas extraordinárias, tem sido mais baixo do que isso.

E o patamar de receita recorrente, que deveria servir de base para despesas, é menor ainda.

Logo, fazer uma reforma neutra em relação ao patamar de 19% de 2022 pode significar, na prática, aumento da carga tributária.

Essa é uma escolha de política econômica. É uma escolha legítima, mas esse movimento precisa ficar claro nas negociações da reforma tributária.

Não pode chamar aumento de carga de reforma neutra. A pergunta que fica é: como o ministro vai fazer a receita líquida recorrente (sem a arrecadação atípica) sair de menos de 18% do PIB para 19%, que ele já disse que considera o ideal, com reformas tributárias neutras, sem aumentar a carga?

Ou mais ainda: como Haddad vai entregar a dívida pública estável em 75% do PIB, como sinalizou o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, se o governo não alcançar aquele patamar de receita? O governo Lula vai cortar mais despesa?

São essas dúvidas que rondam as discussões da reforma tributária e da sustentabilidade das contas públicas com o aumento de gastos contratado para 2023.

Ceron disse nesta sextafeira que a proposta de reforma tributária do governo será neutra, mas pode usar como referência o patamar de anos anteriores, como 2019. Ele disse ainda que a reforma neutra deve considerar o patamar de receitas das desonerações feitas nos últimos meses do governo Bolsonaro. Muito debate pela frente em meio à pressa do governo Lula para aprovar a reforma dos tributos sobre consumo e o novo arcabouço fiscal no primeiro semestre.

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