sábado, 7 de janeiro de 2023

Alvaro Costa e Silva - A tática do revogaço

Folha de S. Paulo

Novo governo fez gol, mas será necessário criar e não só desarmar

Nenhum juiz marca pênalti ou expulsa no primeiro minuto, mesmo que o zagueiro entre de carrinho com as duas pernas na canela do atacante. Luis Fernando Verissimo lembrou essa circunstância do futebol para explicar o que, em política, é conhecido como "os primeiros 100 dias" —período que o governo recém-eleito usa para impor medidas impopulares ou projetos polêmicos. Uma espécie de privilégio e blindagem de críticas mais duras reservado a quem chega. Com Lula não está sendo assim.

Presidente pela terceira vez, Lula é um centroavante mais do que manjado pela torcida, não importando em que lado (esquerdo ou direito) da arquibancada se agite a bandeira. Tem sempre alguém —impaciente, desconfiado, furioso, prevendo o lance errado— que grita antes que ele pegue na bola: "É esse! É esse!".

A vantagem é que, nestes momentos iniciais, o jogo ainda está fácil e bom de jogar. A tática, simples e objetiva, é desfazer tudo o que o antigo governo fez de errado. Em seguida à posse do presidente e do primeiro escalão de ministros começou o revogaço de decretos, portarias e resoluções e a leva de exonerações da administração federal bolsonarista. A caneta está funcionando como nunca.

A previsão é que sejam revistos ou anulados mais de 400 atos de Bolsonaro, da liberação de armas e munições sem controle ao desmonte ambiental, passando pelos sigilos de 100 anos. A mamata (aquela que iria acabar) entrou no pacote: o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, revogou a nomeação de dirigentes da Receita Federal no exterior —um pessoal que, no apagar das luzes, havia conseguido uma boquinha de adido em Paris, Buenos Aires ou Abu Dhabi.

Com uma escalação de time bem melhor, pelo menos no papel, o esquema por enquanto está dando resultado —1 a 0 no placar. Mas é bom lembrar que a fase favorável um dia acaba. Vai chegar a hora em que será necessário criar, e não só desarmar.

 

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