Valor Econômico
Pimenta propõe diálogo a opositores não
radicais
O escritor e pacifista israelense Amós Oz
não viveu para testemunhar a horda de bárbaros que invadiu e depredou as sedes
dos três Poderes no dia 8 de janeiro, no simulacro do atentado ao Capitólio
americano, em um dos capítulos mais terríveis da nossa história. Igualmente,
não testemunhou o ataque ao Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021 pelos apoiadores
do ex-presidente Donald Trump.
Morto em dezembro de 2018, aos 79 anos, ele
foi o principal porta-voz do movimento Paz Agora, fundado em 1977, para lutar
pela conciliação entre judeus e palestinos. Nos artigos e ensaios sobre o
longevo conflito entre Israel e o Estado palestino, afirmava que a infância em
Jerusalém lhe concedera “expertise em fanatismo”.
Com esse atributo, invariavelmente manifestava-se ou proferia palestras sobre atentados terroristas praticados por grupos extremistas nos diferentes palcos mundiais. Em 2002, em uma Alemanha que até hoje cumpre um doloroso processo de “desnazificação” social, propôs alternativas sobre “como curar um fanático”.
Em 2001, logo após a explosão das torres
gêmeas no 11 de Setembro, registrou: “A única força no mundo capaz de conter, e
mesmo se sobrepor aos islamistas fanáticos são os muçulmanos moderados;
esperamos que ergam suas vozes.”
Em novembro de 2015, discursou em Paris na
manhã seguinte aos ataques terroristas na forma de explosões próximo ao estádio
onde jogavam França e Alemanha, e de tiroteios simultâneos, inclusive na casa
de shows Bataclan, onde mais de cem pessoas morreram.
Nesse discurso em Paris, três anos antes de
morrer, afirmou que a síndrome do século XXI é o fanatismo: a luta universal
entre fanáticos e o resto de nós. A luta entre os que creem que qualquer fim
justifica os meios, e os que acreditam a vida é um fim em si mesma, e como tal,
tem prioridade sobre valores morais, convicções políticas ou crenças
religiosas.
O escritor atribuiu a expansão do
fanatismo, entre outros fatores, à renúncia ao ato de pensar e refletir.
Segundo Oz, quanto mais complexas as questões, mais as pessoas anseiam por
respostas simples. “Fanatismo e fundamentalismo muitas vezes têm uma resposta
com uma só sentença para todo o sofrimento humano”, argumentou. “O fanático
acredita que se alguma coisa for ruim, ela deve ser extinta, às vezes junto com
seus próprios vizinhos”, reforçou.
Neste contexto, o desafio do governo Lula
3, instalado há 17 dias, será conter a expansão do extremismo bolsonarista nas
diversas frentes em que o movimento se prolifera: nos segmentos policial e
militar, no fundamentalismo evangélico, que rejeita a ciência e a educação
formal, nas redes sociais.
Rodrigo Nunes, autor de “Do transe à
vertigem” - uma das obras de referência sobre o bolsonarismo - observa que
“falar em bolsonarismo não é a mesma coisa que falar de eleitores de [Jair]
Bolsonaro”. O professor do departamento de Filosofia da PUC-Rio acrescenta que
o movimento é “menor que o eleitorado efetivo [do ex-presidente], e maior do
que o próprio Bolsonaro, nem criado por ele, nem exclusivamente dependente
dele”. O pesquisador calcula que os bolsonaristas-raiz equivalem a 15% da
população.
Considerando o bolsonarismo como um
movimento integrado à extrema direita internacional, Nunes complementa que a
hegemonia na área de comunicação, sem compromisso com a verdade dos fatos, é um
dos fatores que o distingue do conservadorismo clássico.
A extrema direita mantém um ecossistema
informacional onde se publica “qualquer coisa a quase nenhum custo, em que
fontes suspeitas são difíceis de distinguir das confiáveis, em que a caça por
cliques privilegia manchetes sensacionalistas e frequentemente falsas, em que a
busca dos algoritmos por engajamento favorece conteúdos extremos”.
No domingo, o ministro da Secretaria de
Comunicação Social, Paulo Pimenta - um dos raros petistas que passou a dominar
o universo das redes - mostrou que está atento ao desafio. Em post nas redes
sociais, afirmou que “o bolsonarismo continua ativo e mobilizado nas ruas e nas
redes”. Citou o “gabinete do ódio” - investigado pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) como gerador de “fake news” - como uma estrutura que não se desfez. Nesse
cenário, assegurou que o governo vai “reativar a rede de defesa da verdade”,
que funcionará com a participação de influenciadores digitais, da sociedade
civil, partidos políticos, movimentos sociais, e de todos aqueles comprometidos
com a democracia.
Uma tarefa sensível será estabelecer um
diálogo com eleitores de Bolsonaro não adeptos do bolsonarismo radical, e que
rechaçaram os ataques de 8 de janeiro. Pimenta mostrou que a Comunicação do
governo tentará atuar nessa direção. “Não nos interessa em quem cada um votou,
o que nos interessa é de que lado as pessoas estão no compromisso com a
Constituição, com a democracia e com o governo”, discursou nesta segunda-feira,
na posse da nova direção da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). “O marco que
nos divide não é a eleição, é o lado em que as pessoas ficaram no dia dos atos
criminosos”, definiu.
Imaginei o que diria Amós Oz sobre os
extremistas bolsonaristas que vandalizaram os prédios, os móveis e as obras de
arte das três sedes dos Poderes.
“Então, como se cura um fanático?”,
questionou o israelense, contemplado com o prêmio Príncipe das Astúrias. “Caçar
um bando de fanáticos pelas montanhas do Afeganistão é uma coisa; lutar contra
o fanatismo é outra”, alertou na obra em questão.
Uma fórmula de combate ao fanatismo
sugerida pelo autor combina humor, ceticismo e argumentatividade.
Oz afirma que Fanáticos não têm senso de
humor porque o humor corrói as bases do fanatismo, e a curiosidade o agride ao
trazer à baila o risco dos questionamentos, e da eventual descoberta de que as
respostas estão erradas. O pacifista ainda sugere injetar alguma dose de
imaginação, que pode deixar o fanático incomodado. “Não é um remédio de ação
rápida, mas pode ajudar”, encorajou.
Texto ESPETACULAR! Parabéns à colunista e ao blog por publicar matéria com tanta qualidade!
ResponderExcluirO bolsonarismo não é um movimento de aloprados comandado por um burro ou incapaz... Como mostra a colunista, "A extrema direita mantém um ecossistema informacional onde se publica qualquer coisa a quase nenhum custo, em que fontes suspeitas são difíceis de distinguir das confiáveis, em que a caça por cliques privilegia manchetes sensacionalistas e frequentemente falsas, em que a busca dos algoritmos por engajamento favorece conteúdos extremos."
Sim, imperdível.
ResponderExcluirSim, isso é válido. Tem razão a autora e os citados.
ResponderExcluirSó não esqueçam o porrete!
O fanatismo é um perigo,cega as pessoas.
ResponderExcluirTexto genial...
ResponderExcluirVale para qualquer fanatismo e uso do bom humor como antídoto é bela arma.