Folha de S. Paulo
Ainda que descarte revanche, presidente usa
rejeição a Bolsonaro em primeiro plano para preservar apoio
Nas palavras escolhidas por Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), o governo que ele pretende fazer nos próximos anos teve quase
tanto peso quanto os tempos que ficam para trás. Os primeiros discursos do novo
presidente mostram que o antibolsonarismo será uma arma política relevante para
o petista durante o mandato.
Ao inaugurar seu terceiro governo, Lula exibiu algumas de suas principais ferramentas para governar. A rejeição a Jair Bolsonaro (PL) terá papel central na preservação de apoio político, enquanto um discurso centrado em apelos sociais será um ponto-chave para implementação de sua plataforma.
Durante a campanha, o antibolsonarismo
ajudou Lula a expandir seu eleitorado para além da esquerda e agregar forças
políticas distantes do campo de influência do PT, principalmente
no segundo turno.
O próprio presidente reconheceu a utilidade da ferramenta. Em seu pronunciamento no Congresso, o presidente disse ter compreendido desde o início que deveria ser candidato "por uma frente mais ampla" do que seu campo político e declarou que "essa frente se consolidou para impedir o retorno do autoritarismo ao país".
Esse mesmo sentimento deve ser explorado
por Lula para manter uma frente ampla relativamente coesa e dar ao presidente
um período de graça para nas primeiras etapas do novo governo.
O objetivo de Lula é convencer o eleitor
antibolsonarista de que os desafios daqui por diante são proporcionais aos
prejuízos deixados pelo governo passado. O petista falou em barbárie,
"terríveis ruínas", "desastre orçamentário" e "projeto
de destruição nacional". Também descreveu os últimos tempos como um
pesadelo.
A retórica pode ser eficaz para manter o
apoio de sua base fiel e, principalmente, conseguir alguma boa vontade no
eleitorado que tem baixa afinidade com seu programa, mas estabeleceu
como prioridade a remoção de Bolsonaro.
Não à toa, Lula deu destaque aos tempos da
pandemia em sua crítica ao último governo, explorando um elemento determinante
na derrota de Bolsonaro. Descreveu as consequências das escolhas do
ex-presidente como um genocídio e disse que os responsáveis por esse período
devem ser punidos.
O sentimento de oposição ao bolsonarismo
deve ser usado por Lula em decisões consideradas cruciais pelo novo governo.
Será o combustível de medidas como a revogação de decretos que flexibilizaram o
uso de armas e na recomposição do orçamento de áreas deixadas de lado pelo
ex-presidente, como a cultura.
Nesse sentido, estabelecer um contraponto
com o bolsonarismo em suas áreas de maior fragilidade e reprovação podem ajudar
a reduzir resistências aos planos de Lula.
A exploração do antibolsonarismo, no
entanto, lança o petista numa contradição. Ao mesmo tempo em que alimenta a
rejeição ao ex-presidente e promete
punições ("quem errou responderá por seus erros"), Lula
afirma não carregar "nenhum ânimo de revanche".
No parlatório do Palácio do Planalto, ele
se esforçou para enviar uma mensagem de pacificação, prometendo governar para
eleitores de outros candidatos. A rejeição a Bolsonaro, porém, é obviamente
inútil para desarmar os ânimos dos milhões de brasileiros que apoiaram a
reeleição do ex-presidente.
Lula ensaiou um segundo caminho para
amaciar a oposição que pode sofrer no governo, pintando um quadro de crise
social provocada pela deterioração da economia –sem pontuar, é claro, que esse
processo começou
ainda no governo Dilma Rousseff.
O apelo à pauta social assume, nessa
situação, o papel de um instrumento de composição política. Esse ponto se fez
presente com mais intensidade no
segundo discurso, quando Lula chorou ao falar da fome no país e disse ser
"urgente e necessária a formação de uma frente ampla contra a
desigualdade".
Na visão de Lula, essa aliança seria uma
maneira de justificar decisões econômicas que devem enfrentar resistência em
alguns setores. Algumas delas foram reforçadas pelo petista nos
pronunciamentos, como os compromissos de mexer nas regras trabalhistas e
derrubar "uma estupidez chamada teto de gastos".
Os petistas consideram as diretrizes
sociais um ponto sensível porque foram a base da plataforma de campanha de Lula
e o motor de uma adesão em massa de setores de baixa renda à sua candidatura
–apesar dos gastos pesados de Bolsonaro para tentar reverter sua desvantagem.
Manter esse apelo social em primeiro plano
seria crucial, portanto, para evitar a frustração de um contingente que foi
determinante para a eleição do novo presidente.
Concordo.
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