terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Carlos Andreazza - Lira lá

O Globo

Tudo o mais constante, a Câmara reelegerá Arthur Lira presidente. Será devastador para a democracia representativa. Que, numa quadra em que o Parlamento vai desafiado por grupos influentes eleitos sob a agenda antissistema, reeleja-se um agente autoritário cujo exercício truculento do poder conjugue modos variados de dilapidação da atividade legislativa e favoreça, pois, o progresso da prática antipolítica que corrói a República.

Lira presta serviço à mentalidade autocrática. Destrói por dentro, em resumo. Deriva desse modus operandi a afinidade que, mais até que a relação utilitária em função do orçamento secreto, deu fluência à sociedade que manteve com Jair Bolsonaro.

Lira mina o Parlamento. Não faz política. Decide. Atropela. Cada vez com menos resistência. Porque distribui. O que sobrar, esmaga. É um presidente da Câmara, a arena em essência para discussão e dissenso, cuja força provém de controle orçamentário sem igual, materializado no aterramento sem precedentes de mecanismos regimentais de resistência — existência — de oposições e, portanto, na imposição sumária de agendas.

Um presidente da Câmara cujo rolo compressor provém de poder orçamentário sem igual, com cuja distribuição acelera para imperar, rebaixados os pares, a cada dia menos e menores os quebra-molas. Um presidente poderoso de uma Câmara esvaziada de caráter, percebida pela sociedade como alcova para benefícios próprios e de pouquíssimos. O paraíso para a prosperidade de elmares e populistas.

Lira tratora ritos. Tritura comissões. Aprova no dia seguinte. E depois cobra. Forma maiorias distribuindo milhões de orçamentos secretos. É como convence. É como se reelegerá.

E depois cobra — veremos a partir de 2 de fevereiro. Haddad quer reforma tributária? (Se Renan Calheiros tem um ministério, e para o filho, e logo um de alcance como o dos Transportes, quererá dois. Parece clichê. Óbvio demais. Não é. E, mesmo que leve, negociará superfícies do Estado a cada votação.)

Fala-se em reeleição avassaladora, com 400 ou mais votos entre 513 deputados. Será coerente: reeleito sobre rolo compressor com que amassa a Câmara. Reeleição gloriosa, que legitimará a desqualificação acelerada do Parlamento, um chão de josimares-maranhãozinhos. Reeleição gloriosa, numa Câmara de gestores paroquiais de codevasfs, obra da máquina cuja operação empurra para a alarmante ausência de adversários.

É preciso mesmo atentar para uma Casa legislativa cuja eleição tenha por único desafiante, na figura de Chico Alencar, um anticandidato. Alguém mais? O que isso quererá dizer?

O que significará — para a democracia representativa no Brasil — uma eleição à presidência da Câmara, a Casa da política, cujo candidato à reeleição, sem muito esforço, navegue uma “frente ampla” capaz de reunir, em 2023, menos de mês depois do 8 de janeiro, bolsonaristas e petistas?

Menos de mês depois do 8 de janeiro.

Menos de mês depois do 8 de janeiro, e avançamos para a calma reeleição de Arthur Lira, apoiador de Bolsonaro, à presidência da Câmara.

O que lhe parece?

Penso no caso do deputado federal reeleito Juscelino Filho, do União Brasil, feito ministro das Comunicações por Lula. O Estado de S.Paulo informou, ontem, que ele apadrinhou — coisa dos tempos de Bolsonaro no Planalto — R$ 5 milhões em orçamento secreto para o asfaltamento de estrada que alimenta a própria fazenda, em Vitorino Freire, no Maranhão. Município, feudo da família, a que, em orçamentos secretos, já destinou cerca de R$ 16 milhões, do total de R$ 50 milhões identificados como sob seu patronato. Município que ora tem por prefeita a irmã do ministro, que contratou construtora de um amigo do ministro para fazer a pavimentação, obra cujo parecer autorizando o valor orçado foi assinado por engenheiro indicado pelo grupo político do ministro...

Parte do dinheiro já foi liberada, sob Bolsonaro. Liberará, o governo Lula, o restante? Porque, como já expliquei em detalhes, a estrutura operacional do orçamento secreto foi, sob nova fachada, mantida na aprovação da LOA de 2023. Liberará, presidente Lula?

Lula também firmará sociedade com Lira?

Já firmou?

Donde a outra questão: por que um parlamentar inexpressivo como Juscelino Filho se tornaria ministro de pasta com orçamento robusto? Por que, senão graças ao poder que conquistou como grande beneficiário do orçamento secreto? Juscelino Filho ministro é elogio ao sistema do orçamento secreto. Será também símbolo da adesão? A execução orçamentária nos dirá.

O que nos dirá, paixões à parte, juscelinos em mente, a reeleição pacificada de Arthur Lira à presidência da Câmara, menos de mês depois do 8 de janeiro?

 

2 comentários:

  1. Anônimo1/2/23 10:11

    Tudo muito bem no texto, mas falta chamar a atenção para a origem de todo o relatado!

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