Valor Econômico
Desestabilização do bolsonarismo radical
estava mais forte do que se supunha
Os acontecimentos deste fim de semana em
Brasília mudaram a história do governo Lula 3. Nunca houve nada nem remotamente
parecido na história do Brasil a um levante de extremistas que depredam a sede
dos três Poderes. Está agora evidenciado que o potencial desestabilizador do
bolsonarismo radical era maior do que o imaginado em alguns gabinetes da
capital federal.
É possível divisar algumas consequências
imediatas do desastre: os apóstolos do apaziguamento, os defensores da
pacificação nacional, devem perder terreno. “Sofreram um tiro no peito”,
comentou um ex-ministro com trânsito nos três Poderes.
Os episódios do fim de semana indicam, além de um colapso de inteligência de quem deveria ter reportado uma movimentação de grande porte, a muito provável contaminação do comando dos órgãos de segurança e das Forças Armadas pelo golpismo. É acefalia ou cumplicidade, ou uma mistura das duas coisas.
No âmbito local, a responsabilidade do
governador Ibaneis Rocha (MDB) é clara, tanto que ele pediu desculpas em
mensagem de vídeo. Exames mais aprofundados das razões e do desenvolvimento do
levante bolsonarista em Brasília ainda serão feitos, mas é evidente que Ibaneis
é parte do problema, e não da solução.
Há muitos dias, antes mesmo da posse do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, bolsonaristas radicais anunciavam nas
redes sociais que iriam invadir a praça dos Três Poderes e quebrar tudo. Essas
convocatórias, que aumentaram na quinta-feira e sexta-feira, circulam nas redes
sociais para quem quiser lê-las, em canais como Tik Tok, Twitter, Telegram.
O secretário de Segurança do Distrito
Federal, Anderson Torres, exonerado nesse domingo, era o ministro da Justiça
até dez dias atrás, com amplo acesso a informações sigilosas da Polícia Federal
e da Polícia Rodoviária Federal. Quais foram as providências preventivas
tomadas por quem tem a incumbência de zelar pela segurança no Distrito Federal,
e que tem o comando da Polícia Militar local? Onde estava Ibaneis Rocha
enquanto o caos se armava? Nas redes sociais dessa sexta, o governador
descreveu uma amena visita a eleitores em Samambaia. “Fui recebido com muito
carinho pela Regininha, moradora da QR 501, e pelo Luciano, dono de um lava a
jato, que representaram a comunidade desta cidade tão importante para o nosso
Distrito Federal”, escreveu o emedebista no Twitter. Anderson Torres estava na
Flórida.
Ao assinar o decreto de intervenção federal
para retirar a segurança pública de Brasília das mãos de Ibaneis durante este
janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lembrou da reação apática do
governo local em relação aos incidentes registrados em Brasília no dia 12 de
dezembro, por ocasião de sua diplomação como presidente eleito. Já era coisa
muito grave, ainda que nem de longe equivalente ao que se testemunhou nesse
domingo.
No âmbito federal, falhou miseravelmente o
Gabinete de Segurança Institucional (GSI), comandado pelo general da reserva
Edson Gonçalves Dias e sob cujo comando está a Abin. Ou em obter a informação
do que se armava, ou em agir preventivamente.
Entre a linha dura preconizada pelo
ministro da Justiça, Flávio Dino, e a linha contemporizadora do ministro da
Defesa, José Múcio Monteiro, predominará em um primeiro momento a linha dura. O
decreto de intervenção federal assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva vai nessa direção, ao transferir por este mês de janeiro para o
Ministério da Justiça o comando da segurança no Distrito Federal.
Este enfrentamento, que abre um processo
punitivo talvez mais longo do que o que imagina o governo federal, não se deve
fazer contudo sem ajustes no tom da própria linha mais combatente do governo
federal.
Com a crise na dimensão que ela ganhou, não
faz sentido falar agora, por exemplo, em federalização das investigações sobre
a morte da vereadora Marielle Franco, na visão desse ex-ministro. O foco deve
ser outro. Antes de se avançar em uma agenda de resgate dos direitos humanos, é
preciso debelar uma insurreição. O Brasil está muitas etapas atrás no processo
de consolidação democrática do que inicialmente se imaginava.
O que é uma pena!
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