quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Cláudio Gonçalves Couto - Genocídio Yanomami

Valor Econômico

Tragédia humanitária dos Yanomami não ocorreu por acaso; resultou de ações deliberadas do governo de Jair Bolsonaro

Diante dos números catastróficos do Brasil durante a pandemia da covid-19, tornou-se comum acusar de genocida o governo de Jair Bolsonaro, bem como o próprio presidente. A acusação não se devia unicamente aos números portentosos de mortos e contaminados, mas à postura adotada pelo governo em relação ao problema, principalmente durante a gestão (sic) do general Eduardo Pazuello e seus obedientes coronéis no Ministério da Saúde.

Juridicamente é impreciso afirmar que se tratou de genocídio, pois a política adotada por aquele governo em relação à pandemia não visava exterminar um grupo étnico ou religioso específico, mas contaminar toda a população, visando produzir uma “imunidade de rebanho”, acreditando que assim faria a doença cessar por si só. A CPI da Pandemia demonstrou isso à exaustão.

Ademais, como era inimigo da estratégia do “fica em casa e a economia a gente vê depois” (sic), interessava ao presidente sabotar as medidas sanitárias restritivas em prol, supostamente, da manutenção da atividade econômica. Ele inclusive tentou fazer isso de forma ainda mais profunda do que fez, editando uma medida provisória que impediria Estados e municípios de seguirem o que a ciência preconizava. Bolsonaro apenas não teve mais sucesso em sua empreitada mortífera porque o Supremo Tribunal Federal derrubou essa MP, resguardando as competências federativas dos governos subnacionais.

Mais exato do que falar em genocídio é apontar crimes contra a humanidade. Crimes porque o custo em vidas humanas foi altíssimo e evitável: alguns estudiosos, como o epidemiologista Pedro Hallal, estimam que 80% das quase 700 mil mortes poderiam ter sido evitadas. Ou seja, se Bolsonaro, Pazuello & Cia houvessem adotado as políticas sanitárias recomendadas pelos especialistas e pela Organização Mundial de Saúde, cerca de 560 mil mortes poderiam não ter ocorrido. Se isso não for crime contra a humanidade, nada mais seria.

A questão é que, ainda assim, a ideia de genocídio seguiu sendo utilizada retoricamente contra Bolsonaro e seu governo, tendo em vista seu impacto no debate público e sua utilidade eleitoral. “Genocídio”, ou “genocida” é mais curto e politicamente impactante do que “crime contra a humanidade” ou “criminoso contra a humanidade”.

O termo “genocídio” volta à baila do debate público agora, com a tragédia humanitária que se abate sobre o povo Yanomami. Novamente há o risco de que não seja levado a sério, justamente em decorrência da imprecisão do uso anterior. Contudo, agora há motivos para falar propriamente em genocídio. Primeiro porque há intencionalidade (também havia na pandemia), mas também porque ela é direcionada a um grupo populacional específico. Há diversos indicadores disso, uns recentes, outro remotos.

Em abril de 1998, disse o então deputado Jair Bolsonaro num pronunciamento na Câmara: “Realmente a cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a Cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema no país”. Sobre Roraima, disse em 2015: “Se eu fosse rei de Roraima, com tecnologia, em 20 anos teria uma economia próxima do Japão. Lá tem tudo. Mas 60% está (sic) inviabilizado por reservas indígenas e outras questões ambientais”. Sobre a terra Yanomami, afirmou em 2017: “Eu já briguei com o Jarbas Passarinho aqui dentro. Briguei em um crime de lesa-Pátria que ele cometeu ao demarcar a reserva Yanomami. Criminoso”.

Tais ideias tiveram consequências na presidência Bolsonaro. Nisso, aliás, ele não inovou, pois seguiu doutrina gestada dentro do Exército, segundo a qual indígenas, seus territórios e a atuação de ONGs junto a eles são ameaças à soberania nacional. Trata-se de delírio similar àqueles do risco do comunismo e do Foro de São Paulo, mas são alucinações com efeitos práticos danosos. Tendo sido Bolsonaro ungido pelas Forças Armadas como seu representante legítimo, tendo seu governo sido coalhado de militares em todos os setores (os últimos números estimam em 20 mil esses militares, tantos quantos os garimpeiros em território Yanomami), tratou-se de um governo militar, que levou adiante de forma radical a tal doutrina militar sobre o assunto. Deu nessa catástrofe humanitária que vemos agora.

Durante seu mandato, a Agência Nacional de Mineração autorizou as únicas duas lavras de exploração de garimpo em Roraima; nos dois casos a pessoas envolvidas com exploração ilegal de minério. Em setembro de 2021, o ex-presidente foi a Roraima e ali se encontrou com garimpeiros ilegais que invadiram terra indígena, conferindo assim chancela presidencial a um crime. Nos últimos quatro anos foram encaminhadas a seu governo 21 denúncias de atividade garimpeira ilegal em território Yanomami, envolvendo inclusive grave violência contra a população originária; todas foram ignoradas.

Um das mais emblemáticas ações de seu governo em detrimento da vida indígena ocorreu em julho de 2020. Por solicitação da então ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, Bolsonaro vetou trechos de uma lei aprovada pelo Congresso. Ela recomendou ao presidente que não permitisse o encaminhamento de água potável, medicamentos, alimentos, ventiladores pulmonares, produtos de higiene e materiais informativos sobre a covid a indígenas. Sua alegação para isso: essas populações não haviam sido consultadas quanto à lei.

Ora, desde quando é preciso perguntar a populações vulneráveis se desejam que lhes sejam enviados bens fundamentais para sua sobrevivência? É um misto de perversidade com insulto à inteligência alheia. Foram necessárias, primeiro, uma decisão do STF para obrigar o governo a assistir tais populações e, depois disso, a derrubada do veto pelo Congresso.

Tais palavras e ações mostram que a atual tragédia Yanomami em Roraima nem é acidental, nem ocorre a despeito de esforços que o governo Bolsonaro tenha empreendido. Na realidade, trata-se exatamente do contrário. Esse resultado foi diligentemente buscado e os frutos plantados foram colhidos. Que ninguém se espante.

*Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP 

 

12 comentários:

  1. Texto BRILHANTE! Foram muitas ações DELIBERADAS bolsonaristas para prejudicar, adoecer e MATAR cidadãos brasileiros, inclusive MILHARES DE INDÍGENAS! Bolsonaro é GENOCIDA, sim!

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  2. Militares que avalizaram o Genocida são Genocidas?

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  3. O GENOCIDA foi avalizado por mais de 49% dos eleitores. Os mais de 58 milhões de brasileiros (incluindo centenas de milhares de militares) que votaram nele são genocidas?

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    1. Sua maioria não, mas muitos partilham de tal pensamento.

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  4. Genocidio pior do que acontece na Ucrânia não existe, mas reclamar do Putin FDP ninguém reclama, era fingimento.

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  5. Os caras pálidas só reclamam de governos liberais, as ditaduras da esquerda são santos ( ) para o distinto pessoal.

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  6. Grande pátria desimportante,em nenhum instante eu vou te trair...

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  7. Um texto bem escrito,o cara só fez confusão entre o artigo ''a'' com o verbo ''há''.

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  8. Não percebi tal confusão, Ademar.

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  9. Claaudio. Que tal intentona genocida?!

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  10. Ademar Amâncio, querido. As vezes estou escrevendo certo aqui nestes comentários ou no Quora, que frequento e tanto este quanto o blog do Gilvan modificam uma palavra certa por uma errada pela troca de uma letra. Pode ser isto que esteja ocorrendo. Escrevi uma vez no Quora "medicamento de alto custo" e saiu "algo custo". E fiquei chocado com as pessoas perguntando "O que é isso"?

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  11. Pena que Cláudio Couto não mencionou qual mineral estava sendo contrabandeado em Roraima. Não seria o nióbio? Escrevi neste blog maravilhoso o artigo "O Contrabando do Nióbio Brasileiro". Leiam que modéstia à parte é muito bom! Quanto ao mais discordo que o boçal tenha sido "ungido" pelos milicos. O boçal se esforçou: deu emprego a 20 mil deles; deu pensão de marechal ao coronel torturador Lambuzado (de fezes e sangue) Ustra; foi a todas as cerimônias de formatura de milicos; deu aumento de salários, enfim fez de tudo para vender a ideia de que os milicos com ele "Voltaram ao poder". E pelo voto!. Mas a verdade é que o boçal nunca deixou de ser o "Bunda suja" do general Ernesto Geisel. Para concluir dizem as más línguas que no dia 28 de dezembro do seu ultimo mês de mandato. Ele teria reunido o Comando das Forças Armadas e fez a sua proposta indecente de um golpe militar "Dentro das quatro linhas da Constituição". Só na cabeça de um idiota é possível um golpe de estado "Dentro da lei". E ouviu do Comandante do Exército a frase: "Não vou trocar 20 dias de glória por vinte anos de atribulações" (não lembro se a palavra foi essa).

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