quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Cora Rónai - Saiu barato

O Globo

Escapamos de coisas terríveis: um país ingovernável, uma guerra civil, uma ditadura. Rimos dos ‘patriotas’ e nos distraímos na internet, mas deveríamos estar apavorados

Ainda não conseguimos avaliar tudo o que aconteceu no domingo. Ainda estamos sob o impacto emocional dos acontecimentos, ainda faltam explicações. O bolsonarismo, à imagem do ídolo, não é regido apenas pela estupidez, mas também por uma densa e opaca burrice. Não há como compreender, de forma racional, o que pretendiam os idiotas sinistros que marcharam sobre a Praça dos Três Poderes. Achavam que seriam acudidos pelas Forças Armadas no quebra-quebra? Acharam que nada lhes aconteceria?

Não fosse pela desgraça em que quase nos meteram, seria quase divertido ler os seus posts agressivos uivando “Selva! Aço!” — e confrontá-los, agora, com os vídeos em que reclamam, chorosos, da qualidade da comida servida no ginásio onde estão detidos.

“Quase”, a palavra que nos define no momento.

Escapamos por pouco de coisas terríveis: um país ingovernável, uma guerra civil, uma ditadura. Rimos das carantonhas dos “patriotas” reunidas na internet e nos distraímos com a zoeira dos comentários, mas deveríamos estar apavorados, isso sim. Quase nos perdemos de novo por causa de um bando de fanáticos anencefálicos que não foram levados a sério por excesso de ridículo.

Espero que mofem na prisão, mas ou se chega às suas fontes de financiamento e organização, ou o domingo não acabará nunca. É bastante didático prender a arraia miúda, mas muito mais importante é ir atrás dos peixes graúdos, tenham eles quantas estrelas tiverem.

Não é aceitável que desocupados montem acampamento em áreas de segurança e fique por isso mesmo. Ou alguém consegue imaginar professores protestando em frente aos quartéis em tamanho aconchego? Houve leniência, omissão, conluio.

Houve também uma imensa falha de segurança nas engrenagens do novo governo federal. Os acampamentos deveriam ter sido desmontados no dia da posse, os ônibus de subversivos não deveriam nunca ter chegado a Brasília. É compreensível que as autoridades quisessem evitar confronto, mas, de novo, não é aceitável.

— Ah, mas havia um acordo com Ibaneis.

Jura? Pois faz parte do ato de governar saber com quem se pode e com quem não se pode contar. Acreditar na competência ou nas boas intenções de Ibaneis Rocha e de seu secretário Anderson Torres (!) foi um erro primário.

— Ah, mas o governo não tem nem uma semana.

Pois o período de transição existe para isso, para que o novo governo tome pé da situação — e tome as devidas providências ao assumir.

Politicamente, é sempre menos dramático desarmar bombas do que deixá-las explodir. Explicar o não acontecido é difícil, é trabalhar com dados abstratos, que não têm o mesmo impacto das evidências do acontecido. Ainda assim, é isso o que se espera dos bons governos: desarmar bombas.

O grande aspecto positivo do domingo é que as cenas de brutalidade dos golpistas causaram ojeriza por toda parte, e acabaram sendo um tiro certeiro no pé; à burrice dos bolsonaristas radicais contrapôs-se a inteligência política de Lula, que soube ler o momento e convocou a já histórica reunião dos governadores.

Nunca tantas de nossas autoridades declararam apoio ao estado democrático de direito de forma tão veemente e explícita.

Ufa.

Quase.

Quase.

Por enquanto, olhando daqui, da madrugada de quarta-feira, saímos no lucro: três palácios quebrados por um extraordinário reforço na democracia saiu até barato.

 

2 comentários:

  1. Excelentes: exposição, escrita.
    Quase ...
    Me recupero da desesperança

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