O Globo
Ao contrário de seus auxiliares, o
presidente Lula parece refratário ao progressismo linguístico
A linguagem inclusiva tem tudo para vir a
ser exclusividade de um grupo restrito. É preciso muita determinação para
incorporar ao idioma o gênero neutro — que existia no latim, com outra finalidade,
e de que o português guarda resquícios — e levá-lo às últimas consequências.
Não basta — como fizeram em seus discursos
de posse os ministros Alexandre Padilha, Cida Gonçalves, Fernando Haddad,
Márcio Macêdo, Margareth Menezes e Silvio Almeida — se dirigir a “todos, todas
e todes”.
No nosso ainda inculto e já não tão belo idioma, artigos, pronomes, substantivos, adjetivos e verbos no particípio sofrem flexão de gênero. O neutro implicará concordância em efeito cascata.
“Brasileiras e brasileiros”, inaugurado por
José Sarney (logo ele, imortal da Academia Brasileira de Letras), foi o
primeiro golpe no pretenso machismo gramatical, que fazia do masculino um
gênero não marcado. Saía de cena o “todos”, que incluía todo mundo, e começava
a era da redundância, com “todos e todas”. Pois agora é preciso acrescentar as
pessoas que não se identificam com o gênero masculino nem com o feminino. E
entra o “todes”.
Como diria a cantora Kátia, não está sendo
fácil.
Ao contrário de seus auxiliares, o
presidente Lula parece refratário ao progressismo linguístico. Em seu discurso
de posse, afirmou:
— Quero começar fazendo uma saudação
especial a cada um e a cada uma de vocês — e não saudou “cada ume”.
— Vou governar para 215 milhões de
brasileiros e brasileiras — prosseguiu, sem se comprometer a governar para es
brasileires. — Cada brasileiro e cada brasileira tenha o direito de voltar a
sonhar.
Es brasileires continuarão insones.
— É hora de reatarmos os laços com amigos e
familiares — o que faz crer que a reaproximação venha a se dar apenas entre os
homens, pois amigas e amigues não foram mencionadas e mencionades (“familiares”
é comum de dois, mas não de três, e é um caso ainda a ser estudado).
Lula se dirigiu a “Minhas queridas
companheiras e meus queridos companheiros” — e ignorou ses querides
companheires. Lembrou “trabalhadores e trabalhadoras desempregados” — com o
famigerado plural no masculino, sem acenar com carteira assinada a desempregades.
— Juntos somos fortes; divididos seremos
sempre o país do futuro que nunca chega — um futuro que só há de chegar para
valer quando a frase começar por “Juntos, juntas e juntes somos fortes;
divididos, divididas e dividides seremos sempre etc.”. Da mesma forma que
“Ninguém será obrigado a enfrentar mais ou menos obstáculos apenas pela cor da
sua pele” não garante o fim do racismo, a menos que o discurso mude para
“Ninguém será obrigado, obrigada ou obrigade”.
Nos tempos do plural não marcado, o “agradecimento
especial aos profissionais do SUS” teria sido amplo, geral e irrestrito. Com a
linguagem inclusiva, valeu apenas para portadores de cromossomos XY e homens
trans.
— Ninguém será cidadão ou cidadã de segunda
classe.
Cidadãe continuará sendo?
— Na luta pelo bem do Brasil, usaremos as
armas que os nossos adversários mais temem.
Não haveria adversárias e adversáries nas
hostes inimigas?
Se for pra usar “todes” e acabar com o
masculino como gênero não marcado, que seja pra valer. Ou não adianta nos empurrar
uma língua capenga — e excludente — goela abaixo.
Papo de Viades
ResponderExcluirA coisa não é tão simples, companheiro! As lutas sociais plenamente justificáveis, quando conduzidas a defender interesses tão particularizados - estão tendo o condão de desfocalizar o tema central da luta de classes e a diminuir a força do proletariado. Cada subdivisão tem causado miríades de outras subdivisões e cada uma delas tem-se mostrado incapaz de enfrentar os sucessivos golpes que nos ameaçam a todos. De nada adianta, poré, acusar de "viadagem" essa explosão de forças sociais que vinha permanecendo latente em nossas sociedades. É preciso conjuminar esses movimentos todos a favor do tema central de nossa luta! e o que podemos ver, tristemente, é que a anterior centralização promovida pelos movimentos internacionalistas foi minada pelo excessivo culto à personalidade de S., por nós todos promovida. E os católicos e socialistas não foram capazes de manter nossas bases sociais ancoradas no proletariado e nas demais camadas e justos movimentos da sociedade, fossem eles quais fossem.
ResponderExcluirAfastar esses novos companheiros só nos leva a novas e trágicas derrotas. Cadê os antigos PCs? Onde foram parar todos eles?
Eu sou viado,de esquerda,claro,e não curto esse tal de pronome neutro,rs.
ResponderExcluirTodas,todos,todes,todxs,tods,to@s...
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