O Globo
Se o primeiro atentado da 'Direita
explosiva' tivesse sido investigado e seus autores punidos na letra da lei e
dos regulamentos, o Brasil, a Justiça e as Forças Armadas teriam lucrado
As delinquências confessadas por George
Washington de Oliveira Sousa, gerente de um posto de gasolina no Pará,
militante acampado diante do Quartel General do Exército, em Brasília, mostram
que ele pretendia praticar um ato terrorista na capital. Pelo plano,
explodiriam um caminhão de combustível nas proximidades do aeroporto. Outra
bomba interromperia o fornecimento de energia de Taguatinga. Assim, dariam
“início ao caos que levaria à decretação do estado de sítio”.
Bomba num pátio, corte de energia, caos...
Mark Twain já ensinou: A História não se repete, mas rima.
Oliveira Sousa está preso e revelou ter
articulado o crime com pelo menos três pessoas. Esse atentado, impedido pela
ação da polícia civil de Brasília, bem como inúmeras ameaças, injetaram tensão
na festa da posse do presidente Lula.
Nos anos 60 e 70 do século passado, o país
teve um terrorismo de esquerda, com o sequestro de quatro diplomatas
estrangeiros e a morte de dezenas de pessoas. Foram executados um empresário,
um delegado, um capitão do exército americano e um major alemão, confundido com
um capitão boliviano. A ditadura enfrentou esse surto com desproporcional
violência. A tortura tomou-se política de Estado e foi seguida por uma diretriz
de extermínio.
Em 1981, extinto o surto terrorista e dois anos depois da anistia, explodiu uma bomba no colo de um sargento do DOI do I Exército (atual Comando Militar do Leste). Ele acompanhava um capitão, seu superior. Era o atentado do Riocentro. Se as coisas corressem como se supõe que havia sido planejado, aquela bomba explodiria no estacionamento enquanto outra, jogada na estação de energia, cortaria a luz do show que se realizava no pavilhão. O episódio do Riocentro provocaria um caos e, quem sabe, levaria à decretação de medidas de emergência.
(A bomba que explodiu no colo do sargento
matou-o, ferindo o capitão. A da estação de energia falhou.)
Passaram-se 41 anos, o capitão foi para a
reserva como coronel. Na cena da bomba atirada contra a casa de força estava o coronel
da reserva Freddie Perdigão Pereira, lotado no Serviço Nacional de Informações.
Na tarde de 31 de março de 1964, o então tenente Perdigão foi mandado ao
Palácio das Laranjeiras com um tanque, para proteger o presidente João Goulart.
Ele morreu em 1996 durante uma cirurgia. Até hoje prevalece a versão de que
nenhum militar tinha a ver com as explosões.
A “Explosiva” detonou a direita
A prisão de Oliveira e Sousa e sua
confissão recomendam que se revisite o terrorismo de direita. Ele foi
beneficiado pela impunidade, mas foi revelado, à fartura, por alguns de seus
personagens. Nada melhor que a leitura de “A Direita Explosiva no Brasil”, de
José Argolo, Kátia Ribeiro e Luiz Alberto Fortunato. Publicado em 1996, contém
uma coleção de depoimentos, com o coronel Alberto Fortunato como um de seus
principais personagens.
Fortunato esteve em inúmeros episódios da
anarquia militar da segunda metade do século XX. Na década de 1960 ele
participou de cerca de 30 atentados. Articulava-se com colegas, empresários e políticos.
Em 1962, Fortunato preparou uma bomba com
dez bananas de dinamite, deixadas no pavilhão de São Cristóvão, onde havia uma
exposição de produtos da União Soviética. Militares que souberam do plano
temeram que morresse gente e avisaram ao governo do Rio. Seis anos depois, o
coronel atirou uma bomba na porta do Teatro Glaucio Gil, em Copacabana. Nele
realizavam-se assembleias de artistas.
A essa altura Fortunato ligara-se a
oficiais que serviam no Centro de Informações do Exército, o CIE, e a Hilário
Corrales, um comerciante de madeira do Estácio, que se tornaria um bom amigo do
major Freddie Perdigão, então lotado no CIE.
Durante o ano de 1968, antes da decretação
do Ato Institucional nº 5, o grupo em que estavam oficiais do CIE explodiu 20
bombas no Rio.
O coronel Luiz Helvécio da Silveira Leite,
do CIE, recordou o atentado contra o teatro Opinião:
“Foi tentado deixar uma bomba de retardo
dentro do teatro, para explodir após a sessão. Eles estavam com uma vigilância
muito aguçada sobre nossos agentes, que nem podiam se mexer. Optou-se então
pela destruição total. Numa madrugada de chuva, com algumas cargas ocas e
coquetéis molotovs, destruímos o teatro.”
Em 1970, o núcleo terrorista onde estava
Fortunato pôs duas bombas na casa onde funcionava a redação do semanário O
Pasquim e depois disso adormeceu.
Acordaram em 1976. Sequestraram um bispo,
explodiram bancas de jornais, puseram uma bomba na porta da CNBB e outra na
casa do jornalista Roberto Marinho, dono das Organizações Globo.
Em 1980, uma carta-bomba matou a secretária
do presidente da OAB e, no DOI, alguém teve a ideia de explodir a casa de força
do Riocentro. O oficial que chefiava a seção de operações do destacamento vetou
o projeto.
Em abril de 1981, a ideia renasceu e,
segundo o coronel Fortunato, Hilário Corrales fez a bomba que explodiria no
colo do sargento.
Corrales fugiu para São Paulo, voltou ao
Rio e morreu em julho do ano seguinte. Seu caixão foi levado por dois generais
reformados e um oficial fez um inflamado discurso à beira do túmulo. No fim da
vida, Corrales foi assistido pelo coronel Freddie Perdigão
O livro “A Direita Explosiva no Brasil”
lista 32 atentados praticados entre 1968 e 1980 pelos grupos do coronel
Fortunato e dos oficiais do CIE. Com o do Riocentro, são 33.
Nenhum desses atentados teve a autoria
desvendada, mas tratava-se de um segredo de Polichinelo. Em três meses, o
detetive particular Bechara Jalkh identificou a origem do explosivo e os
autores do atentado à casa de Roberto Marinho. Comandantes militares da época e
generais do Palácio do Planalto sabiam quem fazia o que. Uns achavam que lhes
convinha, outros acreditavam que aquilo passaria, pois era coisa de “radicais
sinceros”. (Uma carta identificando o automóvel do qual saiu o cidadão que
explodiu uma banca de jornais foi engavetada.)
As bombas do Riocentro abalaram o regime e
a disciplina das Forças Armadas. Foram necessárias décadas para recolocar a
imagem dos militares no devido lugar.
Se o primeiro atentado da “Direita
Explosiva” tivesse sido investigado e seus autores punidos na letra da lei e
dos regulamentos, o Brasil, a Justiça e as Forças Armadas teriam lucrado.
2023
Depois de quatro anos de tensões inúteis e
administração errática, o Brasil vive hoje a festa da democracia com a posse do
presidente eleito.
A qualidade de um governo só se avalia
quando ele começa a funcionar. Como ensina o professor Delfim Netto:
“Hoje começa a lua de mel do novo
presidente com o poder. Amanhã, segunda-feira, ele terá que abrir a quitanda às
nove da manhã com berinjelas para vender a preço razoável e troco na caixa para
atender a freguesia.
Pelos próximos quatro anos a rotina
essencial será a mesma: abrir a quitanda, com berinjelas e troco.
Todos os desastres da economia brasileira deram-se quando deixou-se de prestar atenção na economia da loja.”
Novamente, vemos o descaso das Forças Armadas com o terrorismo de direita! Quando não participam ou atuam diretamente nele, se omitem covardemente! Quando um idiota fala em "ameaça comunista", metade dos milicos já está de prontidão...
ResponderExcluir"A prisão de Oliveira e Sousa e sua confissão recomendam que se revisite o terrorismo de direita."
ResponderExcluirRevisite?
É o máximo que pode sugerir?