domingo, 29 de janeiro de 2023

Elio Gaspari - Lula ofendeu Temer, para quê?

O Globo

Ganha um fim de semana numa terra grilada da Amazônia quem souber o que levou Lula a chamar Michel Temer de “golpista”. Na volta, Temer, pessoa que mede as palavras, chamou-o de “bandido”.

Desde o seu primeiro dia de governo, o Lula diplomata compôs-se com Arthur Lira e seu Centrão. Já o Lula palanqueiro atirou no Banco Central e retomou a retórica do “nós contra eles”. Vale lembrar que, durante a campanha eleitoral, o “eles” chamava-se Bolsonaro, e só.

Com o início do ano legislativo, começará a aguar a lua de mel que beneficia os governos nos seus primeiros meses, e Lula sabe que terá uma oposição fisiologicamente habituada ao conforto e ideologicamente encantada pela ferocidade.

Ataques varejistas erodem uma maioria parlamentar que será necessária para um governo que enfrentará dificuldades na economia e que promete aprovar uma reforma tributária.

Pelo andar da carruagem, Lula deixará uma parte da militância petista em estado de graça, mas terá dificuldade para aprovar até nomeação de diretor de hospital.

Um prodígio do Trio

Carlos Alberto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles, nesta ordem, os três poderosos acionistas das Americanas, conseguiram um prodígio: numa encrenca bilionária, colocaram os bancos na posição de credores simpáticos.

Fizeram isso subestimando o risco do silêncio de uma semana e superestimando o poder de suas palavras na nota que assinaram no domingo passado.

Fome e veto

De um aliado do arco democrático que se afastou de Bolsonaro e aproximou-se de Lula muito antes da campanha do ano passado, avaliando o comportamento do comissariado petista na formação do governo:

“É assustador. Tanto na apresentação de vetos, como na voracidade em busca de cargos.”

Proteção paterna

No auge da crise da tentativa de golpe contra sua presidência na Federação das Indústrias de São Paulo, houve dias em que Josué Gomes da Silva vestia um paletó folgado para suas medidas.

Terminada a fase crítica do golpe, vê-se que o paletó teve seus poderes.

A peça pertenceu ao seu pai, José Alencar, vice-presidente da República durante os dois primeiros mandatos de Lula. Em épocas difíceis, Josué veste-o.

Alencar morreu em 2011, aos 79 anos, tendo deixado um memorável patrimônio empresarial e político.

Vietnã na Amazônia

Está na rede o excepcional documentário de 18 horas dos cineastas americanos Ken Burns e Lynn Novick sobre a guerra do Vietnã. Ele conta e prova uma história bastante diferente daquela que prevaleceu pela versão convencional.

Por exemplo: em 1968, durante a Ofensiva do Tet, quando os Estados Unidos prevaleceram, mas foram confrontados com um poderio despercebido, o governante Ho Chi Minh e o legendário general Giap, estavam praticamente exilados. Giap estava na Hungria, e Ho passava períodos na China. Quem mandava era o secretário-geral do Partido Comunista, o inflexível Le Duan, um homem sem rosto.

Para quem está chocado com o que acontecia aos Ianomâmis na Amazônia, vale lembrar que um dos momentos mais emocionantes do documentário de Burns e Novick está no depoimento de Bill Eherhart. Ele era um jovem fuzileiro naval e contou que matou gente, tanto combatentes como civis. Um único episódio atormentava-o.

Era a lembrança da jovem com quem tivera uma relação sexual em troca de comida. Recordando a cena, era levado a pensar na sua mãe, na mulher e nas filhas.

Sexo é a moeda dos garimpeiros com jovens ianomâmis.

Nunes Marques no TSE

O Tribunal Superior Eleitoral deverá julgar o processo que poderá tornar Jair Bolsonaro inelegível antes de maio, quando se aposentará o ministro Ricardo Lewandowski.

É muito provável que Bolsonaro fique inelegível.

Pela tradição, a vaga de Lewandowski seria ocupada pelo ministro Kassio Nunes Marques. Ele já é suplente no TSE e deveria ser escolhido pelos seus pares do STF para a vaga de efetivo. Se Nunes Marques não trabalhar para preservar essa norma, a tradição irá para o vinagre e ele será preterido.

Reforma do STF

Tudo indica que nos próximos meses o Senado votará projetos que mexem com o Supremo Tribunal Federal. No bufê há de tudo, mas um projeto que estabeleça mandatos para os ministros tem boas chances de ser aprovado.

Asmodeu está no detalhe: qual a duração do mandato?

Fala-se em oito anos ou sete anos. Numa flecha envenenada, o mandato teria oito ou sete anos, renováveis, por mais oito ou sete. Assim, os ministros ficariam prisioneiros dos deputados e senadores.

Bolsonaro numa sinuca

Se o TSE tornar Bolsonaro inelegível, virará fumaça seu projeto de disputar a prefeitura do Rio. Para manter viva a marca política da família, a solução seria lançar o nome de seu filho Flávio, senador pelo Rio de Janeiro.

Seria um jogo de ganha-ganha, pois se ele não se elegesse, voltaria para mais dois anos de mandato como senador.

O problema é que se Flávio ganhar, a cadeira do Senado vai para seu suplente, o empresário Paulo Marinho.

Durante a campanha de 2018, Marinho foi um anfitrião impecável, cedendo sua casa do Jardim Botânico para funcionar como quartel-general do capitão. Eleito, Bolsonaro mostrou-se um hóspede ingrato e afastou-se dele.

A força dos chefes militares

A sonolência de comandantes de unidades do Exército durante os atentados golpistas do dia 8 de janeiro justificam o desejo de que eles sejam transferidos.

Isso pode ser feito de duas maneiras.

A primeira é a do bate-pronto, com a remoção imediata, a partir de um clamor justificado, porém político.

Na segunda, espera-se que a poeira baixe. Coisa de algumas semanas, não de alguns meses.

Escolhendo-se a primeira opção, satisfazem-se emoções, mas debilitam-se os chefes.

A Vaca Muerta argentina

Lula passou como um furacão por Buenos Aires e anunciou o interesse de seu governo em investir na produção de gás da reserva de Vaca Muerta, no Norte da Patagônia argentina. Coisa de US$ 820 milhões que sairiam do velho e bom BNDES.

Noves fora a questão ambiental e a viabilidade da construção de um gasoduto que se interligue à rede nacional, fica uma questão. Segundo a Empresa de Pesquisa Energética, do Ministério de Minas e Energia, em 2030 o Brasil poderá produzir 275 milhões de metros cúbicos de gás natural.

O Brasil tem no colo as reservas do pré-sal, que até 2030 poderão produzir 5,5 milhões de barris de petróleo, demandando investimentos fantásticos.

Os projetos energéticos argentinos são famosos pela sua durabilidade. O de Vaca Muerta já tem 12 anos de existência e embute a construção de um gasoduto bilionário. A exploração dessa reserva parece ser uma boa ideia, mas o gás de Vaca Muerta competirá com o que a Petrobras espera tirar do fundo do mar.

O maior perigo está no risco de se botar dinheiro num projeto para fazer boa figura e, logo depois, ter que botar mais dinheiro para que o projeto ande.

3 comentários:

  1. Muito interessante a diversificada coluna de hoje. Especialmente verdadeira a voracidade dos zumbis petistas por cargos e por vetar eventuais "adversários", mesmo técnicos muito mais competentes que o/a camarada indicado/a pelos zumbis.

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  2. Temer estava quietinho, alegrinho de terem esquecido ele e seus processos... Lula foi até a Argentina e lá resolveu chutar "perro muerto", chutando igualmente a canela do MDB que tinha lhe dado tantos votos, assim como as canelas da Simone Tebet, da Marina Silva e do Alckmin... A resposta precisa do Temer deve ter levado Lula a concluir que poderia ter dormido sem isto!

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