sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Hélio Schwartsman - O cálculo democrático

Folha de S. Paulo

Para a democracia funcionar, os resultados que ela produz não podem ser irreversíveis

Bolsonaro deve ser punido por crimes que tenha cometido durante a Presidência? Eu penso que sim, mas a discussão é menos simples do que parece.

A democracia, considerada em seus elementos mais essenciais, funciona porque previne a violência política. O jogo deve ser armado de tal forma que valha mais a pena para os derrotados em um pleito entregar o poder pacificamente do que resistir à força. Não é preciso ser um Von Neumann para concluir que o risco de prisão desbalanceia essa conta, tornando mais atrativa a hipótese de aferrar-se ao poder por todos os meios. Ademais, se testemunharmos muitos ex-presidentes passando longas temporadas na cadeia, criamos um desincentivo para que pessoas, eventualmente capazes e bem-intencionadas, concorram ao cargo.

O cientista político Adam Przeworski vai além e afirma que a fórmula da redução de riscos deve valer não apenas para o destino pessoal de ex-mandatários mas também para as políticas públicas que eles defenderam. Para que os perdedores aceitem mansamente a derrota, devem estar convencidos de que não serão perseguidos pelos vencedores e de que seus projetos poderão ser retomados numa eventual volta ao poder. Para a democracia funcionar, os resultados que ela produz não podem ser irreversíveis.

Isso significa que devemos deixar Bolsonaro em paz? Creio que não. Em primeiro lugar, a estabilidade democrática é um dos valores que a sociedade deve perseguir, mas não o único. A ideia de justiça é outro, e Bolsonaro pode ser acusado de crimes graves o bastante para que não possamos apenas olhar para o outro lado. Mais importante, Bolsonaro não abriu mão do poder porque tenha introjetado o cálculo democrático. Ele nunca o aceitou e só não resistiu à força porque não encontrou apoio suficiente para isso. Conseguir uma condenação que pelo menos o exclua de pleitos pelos próximos muitos anos é um ato de autodefesa da democracia.

 

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