Folha de S. Paulo
Para a democracia funcionar, os resultados
que ela produz não podem ser irreversíveis
Bolsonaro deve ser punido por crimes que tenha
cometido durante a Presidência? Eu penso que sim, mas a discussão é menos
simples do que parece.
A democracia, considerada em seus elementos mais essenciais, funciona porque previne a violência política. O jogo deve ser armado de tal forma que valha mais a pena para os derrotados em um pleito entregar o poder pacificamente do que resistir à força. Não é preciso ser um Von Neumann para concluir que o risco de prisão desbalanceia essa conta, tornando mais atrativa a hipótese de aferrar-se ao poder por todos os meios. Ademais, se testemunharmos muitos ex-presidentes passando longas temporadas na cadeia, criamos um desincentivo para que pessoas, eventualmente capazes e bem-intencionadas, concorram ao cargo.
O cientista político Adam Przeworski vai além e afirma que a fórmula da redução
de riscos deve valer não apenas para o destino pessoal de ex-mandatários mas
também para as políticas públicas que eles defenderam. Para que os perdedores
aceitem mansamente a derrota, devem estar convencidos de que não serão
perseguidos pelos vencedores e de que seus projetos poderão ser retomados numa
eventual volta ao poder. Para a democracia funcionar, os resultados que ela produz
não podem ser irreversíveis.
Isso significa que devemos deixar Bolsonaro
em paz? Creio que não. Em primeiro lugar, a estabilidade democrática é um dos
valores que a sociedade deve perseguir, mas não o único. A ideia de justiça é
outro, e Bolsonaro pode ser acusado de crimes graves o bastante para que não
possamos apenas olhar para o outro lado. Mais importante, Bolsonaro não abriu
mão do poder porque tenha introjetado o cálculo democrático. Ele nunca o
aceitou e só não resistiu à força porque não encontrou apoio suficiente para
isso. Conseguir uma condenação que pelo menos o exclua de pleitos pelos
próximos muitos anos é um ato de autodefesa da democracia.
Finalizou o artigo com louvor.
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