terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Joel Pinheiro da Fonseca - Como conter o STF?

Folha de S. Paulo

Supremo cresceu na medida em que demais Poderes se omitiram

Um ministro do Supremo pode afastar um governador por uma decisão de ofício, ou banir quaisquer usuários das redes sociais —na prática, a esfera pública de nossos tempos— por prazo indefinido e sem possibilidade de recurso. Não é preciso ser fã do Monark ou do Rodrigo Constantino para entender o perigo desse precedente.

Não há contradição nenhuma em afirmar, ao mesmo tempo, que: 1) sem as decisões —às vezes questionáveis— de Alexandre de Moraes, a democracia brasileira estaria em risco. 2) Os precedentes abertos por essas decisões são eles próprios fontes de risco à democracia.

O primeiro estágio de contenção das decisões monocráticas é o próprio Supremo. Chegamos a ver movimentos nessa direção no fim do ano passado —numa emenda regimental, o Supremo limitou o prazo de pedido de vista e submeteu mais decisões liminares à coletividade dos ministros. Ainda que possam conter excessos individuais, essas mudanças em nada mudam o equilíbrio de forças entre os Poderes, que agora pendem fortemente para o lado do Judiciário.

Esse crescimento de poder do Supremo não se deu no vazio. Vivemos uma onda sem precedentes de ataques à democracia liberal, aos quais as demais instituições brasileiras se mostraram incapazes ou indesejosas de responder. Como apontado por Conrado Hübner Mendes, a primeira e mais grave omissão está na PGR. Se tivéssemos um Ministério Público Federal atuante, tanto da ofensiva contra atos golpistas e violentos não teria que ficar a cargo da caneta do Supremo.

Mas não foi só a PGR. Os demais Poderes da República também se omitiram de maneira vergonhosa. Quando Bolsonaro chefiava o Executivo, é claro que dali só poderia vir, se tanto, colaboração com os movimentos golpistas que agora tentam reconduzi-lo ao poder. Mas o governo Lula, na primeira semana, mostrou-se igualmente indisposto a acabar com os acampamentos nos quartéis, mesmo tendo já uma noite de vandalismo e tentativas de ataques terroristas ligados a eles. O Brasil normalizou o pedido de golpe de Estado, vendo-o como algo "da democracia".

Por fim, o Congresso também tem se omitido. Parlamentares eleitos estiveram entre os fomentadores e incitadores da pior depredação que os prédios dos três Poderes —Congresso inclusive— já sofreram. É inadmissível que continuem a ter seus mandatos como representantes da democracia que tentaram destruir (falo, é claro, de parlamentares que de fato tenham estimulado manifestações golpistas, e não apenas apoiado Bolsonaro ou o bolsonarismo de maneira geral).

Pedidos por sua cassação —ou que sequer tomem posse— já correm no Supremo, mas será que caberá a ele mais uma vez aquilo que o próprio Congresso deveria fazer? Reafirmar a soberania do Congresso frente aos demais Poderes requer que ele faça a sua parte no combate às ameaças.

Há uma semelhança de fundo entre as decisões de Moraes e a Lava Jato. Um juiz que comete possíveis atropelos na lei para atingir um fim socialmente importante que, por falhas nas demais instituições, estava negligenciado: o combate à corrupção num caso, a preservação da democracia no outro. Na Lava Jato, o triunfo total de Moro e dos procuradores foi, com o tempo —e com decisões políticas questionáveis do próprio Moro— sendo revertido até ser completamente enterrado. É preciso que os demais Poderes e órgãos de controle de nossa República não mais se omitam e passem a defender nossa democracia, para que os perigos de um Supremo superdimensionado também possam ser vencidos.

 

4 comentários:

  1. Embora compreensível, é inteiramente equivocada essa equiparação entre a atuação (política, suspeita e incompetente) do Moro, no âmbito da Operação Lava Jato, com as decisões tomadas pelo Min. Alexandre de Moraes. Enquanto o juiz-político de Curitiba dobrou diversos preceitos legais e constitucionais para satisfazer o ímpeto de perseguição personalista contra um segmento político-ideológico, o Ministro da Suprema Corte age dentro das balizas legais e constitucionais (ressalvadas críticas pontuais acerca da intensidade de ação) para reverter ou quando menos refrear movimentos anti-democráticos.

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  2. Concordo com o Anônimo!

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