Correio Braziliense
Há no governo e fora dele os que desejam um
ministro durão, para ‘enquadrar’ as Forças Armadas, como se isso fosse possível
numa canetada
O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro,
é um político escolado e sagaz, capaz de conduzir negociações delicadas e
manter o diálogo positivo em momentos de estresse, graças à sua fleuma de
saquarema pernambucano. É conservador, experiente nas negociações com o
Congresso e no relacionamento com a alta burocracia da República.
Boa praça, desconhece um inimigo figadal na
política. Desde que assumiu, seu espírito conciliador com os bolsonaristas,
inclusive com o ex-presidente Jair Bolsonaro, sofre o “fogo amigo” do PT,
acirrado ainda mais por causa da avaliação equivocada de que os acampamentos à
porta dos quartéis se dissolveriam espontaneamente.
Há no governo e fora dele os que desejam um ministro durão, para “enquadrar” as Forças Armadas, como se isso fosse possível numa canetada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porém, não pensa dessa forma e o mantém no cargo, apesar do desgaste que Múcio sofreu por causa da invasão do Palácio do Planalto. A sede do governo deveria ter sido defendida pelo Batalhão de Guarda Presidencial, criado há 200 anos com essa finalidade, mas não foi o que aconteceu. Houve conivência dos militares.
Entretanto, o Exército sai mais desgastado
do episódio do que o ministro da Defesa. Se compararmos com a situação
anterior, noves fora o que houve no domingo, restabelecer o caráter civil do
Ministério da Defesa e do próprio governo é um grande avanço.
Um balanço do que houve no domingo mostra,
também, que o vandalismo bolsonarista resultou no fortalecimento de Lula, no
alinhamento do Executivo, do Legislativo e do Judiciário em defesa da
democracia, e no repúdio aos golpistas de quase toda a sociedade civil. Mas há
um grande ponto de interrogação: as Forças Armadas foram capturadas por Bolsonaro
e seu projeto antidemocrático?
Aparentemente, não, apesar da antipatia dos
militares em relação a Lula e do apoio majoritário ao projeto de reeleição de
Bolsonaro. Prevaleceu a autoridade dos generais legalistas. Entretanto, o
compromisso com a hierarquia e a disciplina foi mantido à custa da conivência
dos militares com os protestos contra o resultado da eleição e do imobilismo
diante do que ocorreu domingo.
Professor de História Moderna e
Contemporânea da IFCS/UFRJ e de Teoria Política do CPDA/UFRRJ, o historiador
Francisco Carlos Teixeira da Silva, num artigo publicado na revista Brasil de
Fato, em janeiro de 2020, chamava a atenção para o aspecto de que os militares,
mais de 30 anos após o fim do regime militar, “representam uma memória reconstruída
pela direita nacional, cristã e dita patriótica, como repositório
salvacionista-institucional” contra os movimentos populares e a esquerda,
rotulados de comunistas e bolivarianos. Além disso, a expectativa
“salvacionista” em torno dos militares transbordara para amplos setores da
sociedade e grupos políticos.
Morrer na praia
“Trata-se, sem dúvida, de uma herança
cesarista, com raízes em movimentos como o tenentismo, na Revolução da Aliança
Nacional Libertadora, de 1934/35, ou nos regimes militares do tipo Juan
Velasquez Alvarado (1968-1975) no Peru”, destacava.
Não se tratava, necessariamente, da
presença física de elementos humanos unindo épocas — apesar do fato de o
general Augusto Heleno ter sido ajudante de ordens do general Sílvio Frota,
demitido do cargo de ministro do Exército pelo presidente Ernesto Geisel por
ser contra abertura política do regime —, mas do “compartilhamento de memórias
inventadas e da construção contínua da história através de entidades
infra-institucionais, especialmente os colégios e escolas militares, as
cerimônias e liturgias militares, as ordens do dia e entidades militares”.
“O papel da memória reconstruída,
compartilhada e da liturgia corporativa são, neste processo, fundamentais”,
destacou Teixeira. Graças a esse caldo de cultura, as manifestações de 2013
foram o catalisador do posicionamento político das Forças Armadas.
Os militares apoiaram o impeachment de
Dilma Rousseff, no bojo de um processo de colapso econômico do governo petista
e seu isolamento político, com a bandeira da ética predominando na política, em
razão da Operação Lava-Jato. A contrapartida foi o restabelecimento do controle
militar sobre o Ministério da Defesa, com a nomeação do general Joaquim Silva e
Luna para o cargo pelo presidente Michel Temer, que assumira o poder.
O comandante do Exército à época, general
Eduardo Villas Boas, cuja liderança na Força era indiscutível, na crise,
resgatou e ressignificou o papel de tutela das Forças Armadas sobre as
instituições republicanas, com o diagnóstico de “um país à deriva”. O ponto
culminante desse protagonismo foi o seu famoso tuíte dirigido ao Supremo
Tribunal Federal (STF), para que não concedesse um habeas corpus a Lula,
candidato favorito às eleições de 2018, que foi preso.
O grande beneficiário foi Jair Bolsonaro, cuja vitória representou a volta dos militares ao poder, pelas urnas. Nesse aspecto, a volta de Lula nas eleições de 2022 deixa-lhes a mesma frustração de “morrer na praia” da eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral, em 1985.
Olha aí o anãogeneral aparecendo de novo.
ResponderExcluirVai chegar lá; tá no rumo certo
Forças Armadas à deriva
ResponderExcluirComo consequência da aceitação passiva de todos os abusos cometidos pelo capitão mentiroso, as Forças Armadas chegaram ao fundo do poço, apesar de milhares de militares terem sido empregados, muitas vezes fora de suas especialidades, no DESgoverno Bolsonaro. Militares provavelmente competentes quando atuavam nelas, mostraram-se incompetentes na Saúde (Pazuello, Élcio Franco, etc.), no Meio Ambiente e noutros setores civis. Cabe ao novo presidente e especialmente ao seu ministro da Defesa, felizmente um civil, restabelecer o equilíbrio nas Forças Armadas e tirá-las da política partidária.
Excelente, como sempre, salvo quando escorrega para a tese da EFICIÊNCIA econômica. Economia, como aprendi com a velha Mestra Conceição, é sobretudo ÉTICA. O resto é engenharia social. Furtado dizia mais ou menos o mesmo. PARABÉNS.
ResponderExcluirEm 2018 Lula tinha 36% nas pesquisas,enquanto Bolsonaro atingia apenas 16.
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