terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Maria Clara R. M. do Prado - A dura tarefa de reconstruir o país

Valor Econômico

Lula não pode ficar imobilizado pelas tentativas de interrupção do ato de governar

Há quatro anos, nas primeiras semanas do governo Bolsonaro, já era possível prenunciar com certa clareza o que viria pela frente. Teses antiglobalistas e outras “maluquices” com viés fascista, que flertavam com a idolatria do líder, o mito, dominaram a retórica nas esferas de poder em Brasília, enquanto as promessas do ministro da Economia de uma política econômica liberal tentavam subjugar o apoio das elites ao novo presidente.

A rigor, o passado de Bolsonaro falava por si. Ninguém minimamente informado no país poderia alegar em sã consciência que se enganara ao elegê-lo para governante. Poderia dizer que preferiu “o menos pior”, como tantas vezes se ouviu, mas nunca que desconhecesse o currículo do capitão travestido de deputado federal que enalteceu publicamente torturadores e valeu-se da simbologia machista representada pelo cano de uma arma para impor-se à nação. E assim se deu um governo de destruição.

Ao fim e ao cabo, o que se colheu de uma escolha desastrada foi um país em situação de terra arrasada. Bolsonaro destruiu o sistema de educação pública, destruiu a saúde pública, destruiu boa parte da Amazônia, destruiu o sistema de segurança pública, destruiu o orçamento e conspurcou a autonomia do poder Executivo ao submeter-se aos ditames do Congresso Nacional.

Não conseguiu destruir as instituições democraticamente constituídas, apesar das insistentes tentativas, mas suas palavras de incitação ao desrespeito institucional foram capazes de provocar a destruição física dos prédios que abrigam as sedes dos três Poderes em Brasília conforme se viu nas imagens chocantes transmitidas ao vivo no domingo. Uma verdadeira barbárie!

O mundo testemunhou um acontecimento apoteótico, simbólico da anomia estimulada pelo desgoverno que se manteve no poder com o beneplácito da sociedade. Não basta lamentar, é preciso fazer mea culpa. Os representantes dos grupos que ajudam a formar a opinião pública precisam reconhecer que foram lenientes com os estragos dos últimos quatro anos, inclusive os economistas e analistas vinculados a fundos de investimento e demais instituições financeiras que tudo viram, mas preferiram calar, limitados à ilusão dos números do boletim Focus, ao teto de gastos e a outros indicadores convencionais que não refletem a realidade do país.

Não será fácil reconstruir o que se perdeu. O novo governo, empossado em 1º de janeiro, está em processo de contar os cacos da destruição, mas não deve fiar-se na compreensão da sociedade com o caos herdado e muito menos na paciência de quem abomina o PT e enxerga Luiz Inácio Lula da Silva como um político ladrão, denominação que substituiu a antiga pecha de “sapo barbudo”, mas que nunca deixou de vê-lo como um pretencioso operário nordestino iletrado. Lula com certeza sabe disso e não pode titubear, sob pena de não conseguir governar.

Buscar a coesão política de ministros que representam um mosaico de partidos com diferentes tendências ideológicas é tarefa hercúlea. Isso ficou claro há quatro dias quando o presidente se viu obrigado a puxar o freio de arrumação em reunião com todo o gabinete para abortar declarações de quem achou que, por estar ministro, poderia falar por conta própria, como se fosse o chefe do governo.

Sem falar, é claro, na oposição de governadores que preferem manter-se afinados com a vertente bolsonarista, a despeito da contaminação política que isso passou a significar pela falta de compromisso com a democracia, e das dificuldades de apoio no Congresso Nacional.

Enquanto são apuradas as responsabilidades dos atos de domingo, não pode haver vácuo de poder. Muito pelo contrário, será necessário que o poder Executivo prove que tem o comando da administração pública federal e, tão logo consiga, passe a explicitar formalmente providências para recolocar o país nos eixos, nas diferentes áreas de atuação.

Na quinta-feira passada, este jornal publicou entrevista concedida pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, na qual ele confirmou a prioridade a ser dada ao investimento como forma de estimular o crescimento, objetivo maior da política econômica do governo. Falou em inversões público e privadas, diretas ou em parceria, via concessões e sub concessões. Também indicou que os projetos terão a coordenação centralizada no ministério da Casa Civil que cuidaria, entre outros aspectos, da “transversalidade” das medidas de proteção ao meio ambiente, segundo suas palavras na solenidade de posse da ministra Marina Silva.

Diante do contexto da desobediência civil que teve seu ápice no domingo, declarações como aquelas não são mais suficientes para garantir a confiança no setor público. Trata-se de restaurar o respeito à ordem constituída e caberá ao presidente Lula tomar a frente do processo que não é só político, mas social e econômico. Para isso, terá de mostrar a que veio, colocar o mais rapidamente possível no papel planos, meios e metas com rumo previsível para que se tenha claro os detalhes do programa de governo e tomar medidas concretas que efetivamente façam o país crescer e gerar empregos.

Não pode ficar imobilizado pelas tentativas de interrupção do ato de governar que é, no fundo, a finalidade das ações aparentemente orquestradas com o intuito de tumultuar o curso da democracia no país.

 

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