terça-feira, 3 de janeiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

‘Revogaço’ busca corrigir erros do governo anterior

O Globo

Lula acerta nas áreas ambiental e de armas, mas preocupa com isenção de impostos de combustíveis

Foi positiva a maior parte dos decretos, medidas provisórias e despachos assinados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva horas depois de tomar posse no domingo. Chamadas de “revogaço”, as medidas buscaram desfazer parte das políticas equivocadas adotadas pela administração anterior em temas como meio ambiente, armas e transparência.

Publicado ontem no Diário Oficial, um decreto restabeleceu o funcionamento do Fundo Amazônia, voltado para a preservação da floresta com a ajuda de doações de países europeus. Já era hora. No primeiro ano de seu governo, Jair Bolsonaro havia promovido a extinção dos comitês responsáveis por gerir os recursos do fundo. Com isso, R$ 3,2 bilhões ficaram sem destinação, um tremendo contrassenso.

Ainda na área ambiental, Lula acertou ao recriar o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, instituir uma comissão interministerial para cuidar do assunto e endurecer os processos de apuração de infrações em diferentes biomas.

É certo que o trabalho de reverter os erros dos últimos quatro anos exigirá uma dedicação longa e metódica, mas é alvissareiro o fato de que, já no primeiro dia, foram tomadas decisões que dependiam de um canetaço. Isso ficou claro no decreto que buscou combater a venda indiscriminada de armamentos, uma das bandeiras do bolsonarismo.

Veio em boa hora a suspensão de registros para a aquisição e transferência de armas e munições de uso restrito por caçadores, colecionadores, atiradores e particulares. Desde 2019, não foram poucas as vezes em que esse tipo de armamento acabou caindo na mão de criminosos. O novo governo também reduziu a quantidade de armas e munições de uso permitido que pode ser adquirida, suspendeu novas concessões para clubes de tiro até que seja criado novo regulamento e proibiu o transporte de armas carregadas com munição.

Cumprindo promessa de campanha, Lula determinou que a Controladoria-Geral da União (CGU) avalie sigilos impostos pelo governo Bolsonaro. O órgão terá 30 dias para dar uma resposta. É pouco provável que não haja revisão.

Entre os documentos já assinados por Lula, pelo menos um desperta preocupação. Mesmo diante de críticas do Ministério da Fazenda, uma medida provisória manteve a isenção de impostos federais sobre combustíveis. A desoneração de gasolina e etanol durará 60 dias, e a do diesel um ano. O custo é estimado em mais de R$ 50 bilhões.

O novo governo tentou explicar a decisão dizendo ser contra um “tarifaço”, com efeitos negativos na inflação. Embora real, esse temor não serve de justificativa. As tentativas de controlar preços têm um longo histórico de fracassos. O que era uma medida eleitoreira e populista em 2022 continua sendo a mesma coisa em 2023.

Deliberações tomadas com os olhos na popularidade do presidente tornarão mais difícil o trabalho de Fernando Haddad, o ministro da Fazenda. Em concorrida cerimônia de posse ontem, Haddad disse que sua meta é fazer o país crescer para melhorar a vida da população e garantir equilíbrio e sustentabilidade fiscal.

Mudança no saneamento é equívoco e precisa ser revista com urgência

O Globo

Se poder de criar regulação for repassado ao Ministério das Cidades, ameaçará marco do setor

O governo do PT mal começou e já está correndo o risco de cometer erros com graves consequências para o país. Há temores de que o decreto que regulamenta o novo Ministério das Cidades devolva ao meio político o poder de instituir normas para a regulação do setor de saneamento e acompanhar seu processo de implementação. Será um equívoco. Se não for corrigido, poderá colocar em risco os investimentos privados necessários para tirar o Brasil da vexaminosa lista dos países com grandes carências na área.

Para entender o tamanho do desafio, é preciso deixar a ideologia e os preconceitos de lado. Cinco de dez brasileiros vivem em lares sem coleta de esgoto, e cerca de 20% não têm acesso a água tratada. Essa situação se manteve quase imutável porque o setor foi sempre dominado por companhias estatais em cidades e estados. Com raras exceções, prefeitos e governadores de diferentes colorações partidárias não tinham uma política de tarifas realista por medo de perder votos e, assim, não contavam com dinheiro para investir na expansão da rede. Quando havia aumentos, era para elevar os salários do funcionalismo.

As primeiras tentativas de quebrar isso e elevar a competição no setor aconteceram no governo Fenando Henrique, mas foi somente em 2020 que o Congresso aprovou uma lei capaz de mudar o cenário de privação.

A nova legislação passou a exigir licitação, proibindo a concessão automática para empresas estatais, e criou um ambiente menos hostil para o capital privado. Acima de tudo, definiu metas claras para a universalização dos serviços (99% de atendimento de água e 90% de atendimento de esgoto) até 2033, com carência de seis anos para casos especiais.

Para garantir a aplicação do novo marco, ficou decidido que a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), um órgão técnico e independente, seria o regulador de referência. Com o aumento do número de ministérios do governo Lula, houve, como sempre, uma disputa por poder. A ANA deixou de fazer parte do Ministério do Desenvolvimento Regional para ficar sob o controle do Ministério do Meio Ambiente.

A mudança em si não causaria problemas se suas atribuições fossem mantidas. Na troca, o recriado Ministério das Cidades, controlado pela base de apoio do novo governo, ganhou a prerrogativa de instituir normas para o setor.

O discurso de membros do novo governo, a começar pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é baseado na ideia de reconstrução. Passado o desastrado governo Bolsonaro, é hora de fortalecer instituições e retomar políticas que foram abandonadas. Na maior parte dos casos, o diagnóstico está correto, mas vale lembrar que também houve avanços nos últimos quatro anos e desfazê-los tem nome: retrocesso.

A volta de Marina

Folha de S. Paulo

Ministra lidará com herança de Bolsonaro e velhos atritos com o PT

O desafio para Marina Silva (Rede) no Ministério do Meio Ambiente, 20 anos depois, supera o de sua primeira passagem pelo posto, no primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —ainda que os números do desmatamento anual da Amazônia sejam hoje bem menores que o daquela época.

Foram 11,5 mil km² nos 12 meses encerrados em julho deste ano, acima dos 7,5 mil km² de 2018, antes do desastre promovido sob Jair Bolsonaro (PL), mas muito abaixo dos 21,6 mil km² de 2002.

A área devastada ainda aumentou no primeiro biênio de Marina no ministério, chegando a 27,7 mil km² em 2004. Cercada de técnicos competentes, ela logrou mobilizar outras pastas para um plano bem-sucedido de combate.

Em 2008, porém, pediu demissão após colidir com a ministra-chefe da Casa Civil na época, Dilma Rousseff (PT), adepta de grandes obras públicas. Em 2014, candidata a presidente da República, foi difamada pela campanha da mesma Dilma, sem que Lula a defendesse em nenhum dos episódios.

Desta vez, o líder petista demorou a confirmar a volta de Marina à pasta, tendo antes tentado entronizar ali Simone Tebet (MDB), de ligações com o agronegócio. No PT, não arrefeceu o pensamento assim chamado desenvolvimentista, que glorifica a Petrobras e seus combustíveis fósseis, os conglomerados agropecuários e as hidrelétricas na Amazônia.

Parece provável que a ministra cedo ou tarde vá bater de frente com os colegas na Casa Civil e na Agricultura. Pode parecer indemissível, pela reputação internacional granjeada, mas terá de mostrar mais habilidade do que no passado para entender-se com os demais setores do governo e do Congresso.

Os obstáculos não serão poucos, ainda mais com o fortalecimento dos ruralistas mais retrógrados e do esvaziamento dos órgãos de controle ambiental sob Bolsonaro.

Marina contará, porém, com uma geração de técnicos bem formados e experientes e sistemas para monitorar desmatamento mais avançados (Prodes nacional e MapBiomas, por exemplo).

Na sociedade, há uma ala rural modernizada e grandes empresários esclarecidos que se converteram à causa do aquecimento global. É provável ainda que fluxos financeiros mais encorpados do exterior cheguem aqui para apoiar o desenvolvimento sustentável.

Não é pouco. Entretanto a experiência dos últimos anos mostra que ainda não está maduro na vida política nacional —à direita e à esquerda— o entendimento básico de que preservação ambiental e desenvolvimento econômico precisam caminhar juntos.

Freio à hostilidade

Folha de S. Paulo

Lei que veta arquitetura contra morador de rua tem mérito, mas aplicação incerta

Pedras, lanças, grades, divisórias, cercas elétricas e até goteiras e jardins improvisados. Sob marquises e viadutos, em comércios e praças, ostensivos ou sutis, estratagemas para afastar do espaço público pessoas em situação de rua parecem crescer na mesma proporção em que essa população se espalha pelas grandes cidades do país.

É auspiciosa, portanto, a promulgação da Lei Padre Júlio Lancelotti, que visa coibir intervenções urbanas do tipo, também classificadas como "arquitetura hostil".

Recém-aprovado pelo Congresso, o regramento faz referência ao religioso responsável pela Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo, que denunciou o avanço desse expediente no auge da pandemia —em 2021, o próprio padre quebrou a marretadas pedras instaladas pela Prefeitura debaixo de um viaduto.

Leis semelhantes vêm sendo replicadas em âmbito municipal, como em Recife e Alfenas (MG), ainda que cercadas de polêmicas, como se viu na nova lei federal.

Apesar da aprovação na Câmara dos Deputados, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou o projeto, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES).

A justificativa foi a de que a medida poderia causar interferência no planejamento de políticas urbanas "ao buscar definir as características e condições a serem observadas para a instalação física de equipamentos e mobiliários".

A decisão também apontava "insegurança jurídica" por se tratar de conceito que, de fato, ainda não é consolidado no ordenamento legal. Três dias depois, contudo, o veto foi derrubado pelo Congresso, com ampla maioria.

Subterfúgios para espantar cidadãos em situação de vulnerabilidade, muitas vezes famílias inteiras que não têm onde dormir ou se abrigar da chuva, representam um barbarismo que deve ser repelido em qualquer sociedade civilizada.

Entretanto se a lei tem méritos ao jogar luz sobre o avanço do déficit habitacional, por óbvio não exime as autoridades de empreenderem com urgência políticas efetivas de moradia e emprego, de preferência de modo concomitante, para proporcionar o mínimo de dignidade a esses brasileiros no longo prazo.

Cabe agora acompanhar como o poder público fará valer, na prática, o novo diploma —o que ainda não está suficientemente claro, seja para impedir novas edificações hostis, seja para determinar a retirada das já existentes.

A universidade em xeque

O Estado de S. Paulo.

Queda de inscritos no Enem e em vestibulares da USP, da Unicamp e da Unesp tem múltiplos fatores, mas também sinaliza que o ensino superior precisa se reinventar − e logo

Queda de inscrições no ensino superior sinaliza que ele precisa se reinventar.

Fala alto o fato de que há menos gente disposta a participar de processos seletivos para ingresso no ensino superior. Como noticiou o Estadão, não foi apenas o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que registrou queda de inscritos em relação à última década: os vestibulares da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), referências para o País inteiro, também têm atraído menos candidatos.

Por óbvio, diversos motivos explicam tamanha redução − entre eles, os desdobramentos da pandemia de covid-19, o empobrecimento de boa parte da população e o descaso do governo do presidente Jair Bolsonaro com a área educacional. Mas há uma questão de fundo que não pode passar despercebida: o ensino universitário, da forma como está estruturado, parece incapaz de despertar o interesse de uma parcela da juventude.

Sim, as universidades precisam se reinventar. E logo. Como se sabe, o diploma abre caminho para melhores empregos e maior renda − e continua sendo o sonho de milhões de brasileiros. Mas é inegável que as transformações tecnológicas têm alterado profundamente o mercado de trabalho, em velocidade que subverte até mesmo a lógica da educação. A certificação de competências em cursos de curta duração, por exemplo, vem ganhando força, assim como há empresas que dispensam o diploma ao selecionar seus funcionários.

É nesse contexto que uma parcela da juventude deixa de perceber a universidade como a principal rota para a conquista do emprego. A perspectiva de passar três, quatro ou cinco anos na faculdade, não raro em estruturas engessadas nas quais uma disciplina é pré-requisito para cursar outra, desagrada a muitos jovens. Ainda mais diante do risco de obter o diploma e continuar desempregado. Ou de só conseguir emprego com baixo salário.

Não se trata aqui de desmerecer nem desqualificar o ensino superior. Longe disso. Basta lembrar que a renda média dos profissionais com diploma, no Brasil e no mundo, supera a dos trabalhadores com menos escolaridade. Ou que a formação universitária é insubstituível em diversas carreiras. Mais do que isso, é essencial ter em mente que as universidades são, por excelência, o lugar onde se faz pesquisa e onde se formam pesquisadores. Por último, mas não menos importante, é das universidades que irradia o livre pensar, base para que gerações de filósofos e cientistas ampliem os limites do conhecimento.

Na verdade, são as próprias universidades que já perceberam o alcance das transformações em andamento. Nem poderia ser diferente: a queda do número de inscritos no Enem e nos vestibulares, mesmo que originada por inúmeros fatores, acena com um preocupante desprestígio do ensino superior perante segmentos da juventude − e isso precisa ser mais bem compreendido. Na USP, um grupo de trabalho vinculado à reitoria reúne cientistas e educadores para tratar do tema. Para esses especialistas, a universidade não pode ser refém do academicismo, isto é, deve ter a capacidade de perceber o que está acontecendo na vida das pessoas comuns.

Ele cita os elevados índices de evasão nos cursos de graduação do País, outro problema a ser enfrentado. Um estudo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) monitorou a situação dos estudantes de graduação que ingressaram em 2011 nas faculdades de todo o Brasil: em 2020, apenas 40% tinham se formado no curso original (59% haviam abandonado ou pedido transferência e 1% permanecia matriculado). Por trás da evasão, há situações de todo tipo: desde o jovem que não consegue se manter e deixa de estudar para trabalhar até quem desiste porque o curso é ruim.

O Brasil tem o duplo desafio de aumentar o número de universitários e de garantir a qualidade do ensino. A diminuição de inscrições no Enem e em vestibulares, porém, é um recado a ser ouvido com atenção. O mundo está mudando e as universidades não podem ficar para trás.

O ‘modelo chinês’ em questão

O Estado de S. Paulo.

Tendo destruído quaisquer resquícios de ‘freios e contrapesos’ na política, Xi Jinping está ampliando a interferência estatal sobre a economia, com riscos para a China e todo o mundo

Em 2022, a credibilidade das autocracias foi abalada. Não por uma razão moral – se fosse, já teria acontecido nas ocasiões em que as atrocidades das guerras de Vladimir Putin ou da opressão doméstica do Partido Comunista chinês vieram à tona –, mas sim de competência.

Na Turquia a inflação cresce a galope. A aventura de Putin na Ucrânia foi um fiasco militar que isolou ainda mais seu país. As loas do presidente Lula, há pouco mais de um ano, à eficiência do totalitarismo chinês no combate à pandemia envelheceram grotescamente mal, agora que as consequências da política de “covid zero” estão escancaradas: os longos e indiscriminados lockdowns provocaram desaceleração da economia e revolta popular; agora que estão sendo afrouxados, as perspectivas para uma população mal imunizada são de morticínio em massa. Ainda mais drásticos e duradouros serão os efeitos da interferência estatal na economia promovida pelo ditador Xi Jinping.

Em um artigo no China Leadership Monitor, o cientista político Minxin Pei apontou os objetivos de Xi: domínio pessoal; revitalização do partido-estado leninista; e a expansão da influência global da China. “A mensagem central”, disse, a propósito do relatório apresentado por Xi ao 20.º Congresso do Partido, o ex-premiê da Austrália Kevin Rudd, “é que a definição da segurança nacional substituiu a economia como o foco central para o futuro.” Isso implica uma bateria de regulamentos, subsídios e intimidações cujos efeitos já se fazem sentir. Neste ano, segundo o Banco Mundial, pela primeira vez desde 1990 o crescimento chinês ficará abaixo do resto da Ásia.

Em tese, o “novo conceito de desenvolvimento” de Xi não difere dos esforços ocidentais de adequar a economia de mercado às novas demandas do Estado de Bem-estar Social: enfrentar desigualdades, monopólios e a dívida, orientando a produção a indústrias verdes e de alta tecnologia para gerar inovações e se tornar tecnologicamente autossuficiente. Na prática, as condições para esse crescimento sustentável – um sistema financeiro apto a capitalizar as partes mais produtivas da economia, empresas sem medo de interferências arbitrárias e capital humano proficiente em novas tecnologias – estão sendo dilapidadas pelas obsessões político-ideológicas do Partido.

O Departamento de Pesquisa Econômica dos EUA coletou evidências para responder às seguintes questões: se a política de subsídios de Pequim era orientada às empresas mais produtivas ou se estava estimulando empresas a se tornarem mais produtivas. Em ambos os casos a resposta foi “não”. Ao contrário, os subsídios favoreceram grupos de interesse político ou indústrias decadentes.

O Centro para Pesquisa Econômica do Japão, um think tank, projetou que em 2030 o crescimento do PIB chinês cairá para 2%. “O trabalho, o capital e o Fator Total de Produtividade serão adversamente afetados por um aperto nas restrições à Tecnologia da Informação para as empresas, preocupações crescentes sobre a situação de Taiwan e a continuação de uma política moderada de covid zero.”

A confiança dos investidores para investir e a dos consumidores para consumir dependem de políticas econômicas que forneçam segurança e flexibilidade. As democracias buscam esses objetivos complementares por meio da alternância de poder. Desde os anos 80, a receita da China foi mesclar reformas liberalizantes do mercado com o controle estatal de setores estratégicos. Mas para Xi a economia inteira se tornou “estratégica”. O resultado, segundo o ex-premiê Wen Jiabao, é uma economia “instável, desequilibrada, descoordenada e insustentável”.

A engenhosidade e o dinamismo do povo chinês tiveram uma parte no espetacular crescimento econômico das últimas décadas. A controvérsia entre entusiastas e críticos do “modelo chinês” sempre foi se esse crescimento aconteceu por causa das interferências estatais ou apesar delas. A questão está para ser definitivamente solucionada, agora que Xi Jinping, tendo destruído quaisquer resquícios de “freios e contrapesos”, está disposto a ampliar essa interferência a largos passos.

Agro desafia o pessimismo

O Estado de S. Paulo.

Para que a competência do setor prolifere, é preciso remover as barreiras à sua expansão

Em meio a um cenário global de inflação, desaceleração econômica e rupturas nas cadeias de distribuição, o setor mais inovador e produtivo da economia nacional segue desafiando o pessimismo. Mesmo com a perspectiva de queda nos preços internacionais das commodities agrícolas, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revisou a alta do PIB agropecuário de 10,9% para 11,6%, puxada sobretudo pela soja, que deve ter alta de 22,5%.

Em meados do século passado o País crescia, enquanto a agropecuária estava estagnada e o Brasil dependia de importações. Nos anos 70 a produção rural acompanhou o processo geral. De lá para cá a situação se inverteu. Hoje, o Brasil é o segundo maior exportador mundial de alimentos, as safras seguem batendo recordes, mas a economia nacional acumula décadas “perdidas”.

O País se encontra em uma nova encruzilhada histórica. O agro pode ser tragado pela mediocridade econômica nacional ou servir de alavanca, com seus exemplos de competência, tecnologia, conhecimento e seriedade, para revertê-la. Para tanto, é preciso garantir as condições de continuidade dessa história de sucesso. Isso não significa que não haja grandes desafios. Ao contrário. É preciso remover barreiras à sua expansão e fortalecer as boas práticas para energizá-la.

Do ponto de vista estrutural, já passou da hora de enfrentar o grande gargalo do agro, a infraestrutura. O crescimento da produção não foi acompanhado, sobretudo no Centro-oeste, Norte e Nordeste, de melhorias na logística, armazenagem e comunicação.

O governo também precisará ampliar o financiamento rural em suas várias modalidades, tanto mais numa conjuntura de juros altos combinados a um aumento nos preços dos insumos. Ante as intempéries climáticas, um olhar cuidadoso ao seguro rural é crucial.

No plano internacional, é preciso despoluir a reputação nacional após a razia antiambientalista de Jair Bolsonaro, mas, acima de tudo, resistir à onda protecionista nos países desenvolvidos e abrir novos mercados nos emergentes. Além da diplomacia, isso exigirá esforços em duas frentes: uma melhor comunicação das práticas sustentáveis que vêm sendo implementadas pela grande maioria dos produtores e a repressão aos crimes perpetrados por uma minoria iníqua. Além dos ganhos ao meio ambiente, isso desmoralizará os pretextos protecionistas.

Condicionar taxas de juros reduzidas do Plano Safra à responsabilidade ambiental e social é um bom caminho, seja pelo impacto nessas áreas, seja pela visibilidade internacional que isso traz. Com as contas públicas apertadas, isso ajudará a atrair recursos externos.

O próprio presidente eleito Lula da Silva e seus correligionários, por sua vez, precisam expurgar velhos preconceitos ideológicos que tantas vezes difamaram os produtores agrícolas como vilões sociais e ambientais. Se hoje há “latifúndios improdutivos”, eles estão muito menos no campo do que em Brasília e em enclaves corporativos privilegiados por ela. São eles que precisam ser invadidos pelos exemplos de produtividade e sustentabilidade do agro.

Bolsa Família pode ser mais eficiente e poupar gastos

Valor Econômico

Há necessidade de se aperfeiçoar as regras do Bolsa Família

Uma das primeiras tarefas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva será redesenhar o Bolsa Família, ex-Auxílio Brasil. Durante o governo de Jair Bolsonaro, o Bolsa Família passou por diversas alterações, que ampliaram o número de beneficiários, o valor distribuído e mudaram suas características. Apesar de ter sido vital no auge da pandemia para evitar uma grave crise social e de ter aumentado os gastos públicos, não conseguiu reduzir a pobreza, faltando-lhe foco e eficiência.

Balanço feito pelo Valor (28/12) mostra que os gastos anuais com o programa saltaram de R$ 35 bilhões para R$ 156 bilhões de 2018 para cá; e o número de beneficiários foi de 14,5 milhões em janeiro de 2019 para 21,6 milhões em agosto passado. O auxílio médio, de R$ 189 no Bolsa Família, foi para R$ 607.

Apesar do aumento de gastos com o programa, o balanço do Valor constatou a ausência de avanço na frente social. Os dados mais recentes disponíveis mostram que 29,4% da população, ou 62,5 milhões de pessoas, estavam abaixo da linha da pobreza em 2021, segundo o IBGE, o maior nível desde 2012. Desse total, 8,4% da população, ou 17,9 milhões, eram extremamente pobres. De lá para cá, eventual redução da pobreza deve ser atribuída à melhora do mercado de trabalho. Além disso, o Brasil voltou ao mapa da fome do qual estava fora desse 2014. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), cerca de 61 milhões de pessoas enfrentaram algum tipo de insegurança alimentar entre 2019 e 2021.

Igualmente grave são as distorções nas regras de distribuição do dinheiro, que evidenciam a falta de foco do programa, muito provavelmente resultado da intensa rotatividade de ministros responsáveis pela área, e do uso eleitoreiro do programa. No ano passado, as regras mudaram com a criação de um valor fixo a ser distribuído por família, independentemente do número de filhos. Isso estimulou o desmembramento artificial dos grupos familiares. Em dezembro de 2018, as famílias unipessoais somavam 1,8 milhão, e agora chegam a 5,5 milhões, que recebem R$ 600 por mês sozinhas. Outros 18 milhões de famílias ganham R$ 150 ou menos per capita por estarem em famílias maiores.

O novo ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, responsável agora pelo Bolsa Família, já antecipou que vai rever os cadastros dos beneficiários para rastrear eventuais fraudes. O próprio governo Bolsonaro, no apagar das luzes, mandou retirar 2,5 milhões de pessoas incluídas indevidamente no programa. Além da fraude, há a questão também de voltar a implementar as condicionalidades de frequência escolar e vacinação das crianças da família.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, conta com esse ajuste no Bolsa Família para economizar recursos e direcioná-los a outros programas. Estudos recentes de especialistas mostram que a expectativa tem fundamento e estimam economia entre R$ 20 bilhões a R$ 38 bilhões com a calibragem do foco do programa.

Um deles, feito pela equipe do BTG Pactual, estima economia de R$ 20 bilhões apenas com o fim do incentivo ao desmembramento artificial das famílias. Já a análise feita pelos economistas Marcos Hecksher, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e Marcelo Neri, diretor do FGV Social, estima economia de R$ 38 bilhões, com maior eficiência. O estudo da FGV prevê que, com 74% dos recursos mensais gastos na versão do Auxílio Brasil adotada em agosto de 2022, é possível reduzir de 6,1% para zero a proporção de brasileiros na linha de extrema pobreza.

A proposta dos especialistas do Ipea e da FGV é transferir o equivalente a 35% da diferença entre a renda da família beneficiada e o que falta para ultrapassar a linha de pobreza mais alta definida pela ONU e pagar um adicional para crianças e jovens até 17 anos da família. Desse modo, o valor do benefício não seria igual para todas as famílias e haveria um estímulo para a busca de trabalho no mercado, apostam. A pobreza extrema seria erradicada e a pobreza aliviada.

Segundo o estudo, os gastos seriam de R$ 8,9 bilhões por mês, menos do que os R$ 12,1 bilhões mensais direcionados para o Auxílio Brasil a partir de agosto, quando o benefício subiu para R$ 600. O exercício foi feito com base no parâmetro anterior da ONU, que era de US$ 5,50 per capita por dia e foi atualizado para US$ 6,85 para a faixa mais alta da pobreza. A diferença altera um pouco os valores, mas não a conclusão de que há necessidade de se aperfeiçoar as regras do Bolsa Família e até espaço para economia de gastos.

 

Um comentário:

  1. Anônimo4/1/23 11:03

    Na época do morto-vivo genocida e fo posto-lunático, a mesma imprensa, que ora prensa Lula e Haddad, incensou a medida de isenção, que tantos prejuízos causou aos estados

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