quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula não terá longa lua de mel antes das cobranças

O Globo

Com população impaciente, governo deve descer do palanque e arrumar a casa de forma rápida e eficiente

Passada a festa da posse, o governo Lula 3 inicia o difícil e urgente trabalho de reconstrução da máquina pública onde ela foi destruída na gestão Bolsonaro. O inventário dos danos é grande, como ficou comprovado durante o trabalho da equipe de transição, e poderá aumentar à medida que o novo governo ocupe seus postos e abra arquivos e gavetas.

A polarização do país, de um lado, e, de outro, a grande expectativa de quem votou em Luiz Inácio Lula da Silva não devem conceder muito tempo para a nova gestão. A administração recém-empossada provavelmente não terá os costumeiros cem dias para arrumar a casa e propor mudanças. A lua de mel do novo governo será mais curta.

Lula deu a entender que sabe que precisa assumir o comando da administração de uma forma rápida e efetiva, ao usar pela primeira vez a caneta de presidente ainda no domingo, começando a cumprir promessas feitas na campanha.

Entre outros atos, iniciou a revisão e suspensão de normas da escandalosa política armamentista do antecessor e desfez erros também na área ambiental.

Mas há tarefas bem mais difíceis. Em entrevista ao GLOBO, o ministro do Desenvolvimento Social, senador eleito Wellington Dias, afirmou haver “grandes irregularidades” no cadastro do Bolsa Família, herdado do Auxílio Brasil. Há a necessidade de um intenso e profundo trabalho de auditoria dos gastos sociais.

Com razão, Dias estranha que, em pouco tempo, tenham surgido 3,5 milhões de famílias unipessoais. A hipótese mais plausível para explicar a mudança é um erro no desenho do programa. Ao determinar o pagamento de R$ 600 por família, independentemente do número de membros, a regra incentivou o aumento de registros.

O apoio que o governo federal dava a estados e municípios por meio dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) deixou de existir, e o Cadastro Único (CadÚnico), onde os beneficiários de programas sociais estão inscritos, está desatualizado. Enquanto reconstrói a malha de serviços, o governo deve focar os esforços naqueles que mais precisam. Mesmo há poucos dias no poder, já é hora de a retórica dos discursos dar lugar à gestão ágil e eficiente.

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, além de precisar melhorar o atendimento no SUS, tem de restabelecer os padrões mínimos de vacinação que o país costumava apresentar e que foram rebaixados pelo negacionismo bolsonarista, ajudado pelo movimento mundial antivacina, que alcança a população pelas redes sociais.

Além do trabalho de informação, deve repor os estoques. Informações do próprio ministério sobre a baixa cobertura vacinal na faixa etária de até 2 anos de idade apontam que uma das principais causas do problema é a falta de imunizantes nos postos de saúde.

Há políticos vitoriosos que demoram a descer do palanque e assumir o dia a dia do governo. Outros ficam martelando a existência de “heranças malditas” manhã, tarde e noite. Lula e seus ministros não podem cometer estes erros. Nem sequer têm tempo para isso.

Saúde precisa fazer campanhas para combater epidemia de desinformação

O Globo

É deplorável que escalada de casos de Covid leve população a recorrer a drogas ineficazes contra a doença

É desalentador constatar que o aumento do número de casos de Covid-19 nos últimos meses tenha levado a um crescimento no uso de medicamentos do chamado Kit Covid, comprovadamente ineficazes contra o novo coronavírus. Como mostrou reportagem do GLOBO, entre outubro e novembro do ano passado as vendas de unidades do vermífugo ivermectina saltaram de 793 mil para cerca de 1,8 milhão, segundo levantamento do Conselho Federal de Farmácia (CFF). No caso da hidroxicloroquina, recomendada contra a malária, passaram de 89.400 para 97.400.

Contra todas as evidências científicas, o governo de Jair Bolsonaro incentivou o uso do Kit Covid no combate à doença, enquanto sabotava, por meio de desinformação criminosa, os esforços para vacinar a população, a melhor forma de conter o vírus e evitar hospitalizações e mortes. A obsessão de Bolsonaro pela cloroquina — que, além de ser inútil contra a Covid-19, ainda expunha os pacientes a efeitos colaterais graves — chegou a provocar a demissão dos ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich.

A recém-empossada ministra da Saúde, Nísia Trindade, ex-presidente da Fiocruz, anunciou a revogação de notas técnicas que autorizavam o uso da cloroquina no tratamento da Covid-19. Nísia terá, entre tantas outras missões importantes, a tarefa de combater a epidemia de desinformação, que também mata. Infelizmente, o governo anterior falhou no esclarecimento da população. Faltaram campanhas maciças para informar sobre os riscos da automedicação com drogas ineficazes e sobre a importância e benefícios da vacinação.

Em quase três anos de pandemia, está claro que o vírus não vai desaparecer de uma hora para outra. Com o constante surgimento de novas variantes, de tempos em tempos haverá aumento de casos, e a sociedade terá de conviver com essa nova realidade. Ao menos agora sabemos — ou deveríamos saber — o que é preciso fazer: vacinar, vacinar e vacinar.

Embora não sejam ruins, os índices de cobertura vacinal contra a Covid-19 ainda não são suficientes para proteger a população de forma segura. Pouco mais de 80% dos brasileiros tomaram as duas doses, e apenas metade recebeu pelo menos uma dose de reforço, fundamental para enfrentar as variantes do novo coronavírus.

O novo governo terá o desafio de recuperar o outrora bem-sucedido Programa Nacional de Imunizações (PNI) e a confiança na vacinação. Para isso, precisará fazer campanhas e mutirões, de modo a elevar os índices de cobertura. Nada que já não tenha sido feito no passado com outras doenças. Ao mesmo tempo, será necessário enfrentar as mentiras que se alastram pelas redes enaltecendo drogas ineficazes contra a Covid-19. Vacina e informação correta são os antídotos para combater esses males.

Bondade cara

Folha de S. Paulo

Ao prorrogar desoneração de combustíveis, Lula erra e eleva dúvidas sobre Haddad

Existe saída correta, ainda que não indolor, para o imbróglio eleitoreiro de Jair Bolsonaro (PL), criado pela redução dos tributos sobre os combustíveis a quatro meses do pleito presidencial e hoje nas mãos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

É fato que, se o novo governo revogar a medida, elevam-se de imediato os preços da gasolina, do óleo diesel, do gás de cozinha, do querosene de aviação e de outros derivados do petróleo, além do etanol. A inflação ao consumidor ficará pressionada no curto prazo.

A popularidade presidencial decerto estaria sujeita a um desgaste, e a oposição bolsonarista, caminhoneiros em particular, ganharia um cavalo de batalha.

Já na hipótese de manter em zero as alíquotas do PIS e da Cofins sobre os combustíveis, a consequência, mais grave e duradoura, é uma perda de arrecadação na casa dos R$ 50 bilhões, mais de um quinto do déficit do Orçamento —e em benefício de estratos mais favorecidos da sociedade.

Lula, como se sabe, levou em conta o risco político em sua decisão. Ao fazê-lo, acabou por semear mais dúvidas quanto à autonomia de seu titular da Fazenda, Fernando Haddad, que antes da posse havia negociado a questão com a área econômica de Bolsonaro.

Haddad, que busca atenuar o pessimismo geral com o resultado das contas públicas neste ano, havia acertado com o então ministro Paulo Guedes, da Economia, que a desoneração tributária não seria prorrogada por mais de 30 dias.

Seu chefe, no entanto, optou por editar uma medida provisória que mantém a alíquota zero até o fim de fevereiro para gasolina, etanol, querosene de aviação, gás natural veicular e nafta. Já para diesel, biodiesel e gás de cozinha, o prazo vai até o encerramento do ano.

Pelos cálculos oficiais, a MP gera perda de receita de R$ 25 bilhões neste ano, o que já está contemplado no Orçamento —elaborado com a estimativa de renovação do benefício. De todo modo, reduzem-se as possibilidades de frear o déficit primário (sem despesas com juros) de mais de R$ 230 bilhões.

Haddad tem repetido que tomará providências para que o rombo seja menor, depois de a PEC da Gastança ter elevado os dispêndios da União em pelo menos R$ 70 bilhões além do necessário para manter os compromissos com o pagamento do Bolsa Família. Ao que parece, a equipe da Fazenda pretende procurar mais receitas.

É notório que o setor público brasileiro opera com excesso de subsídios e regimes especiais tributários, sempre ferozmente defendidos pelos setores beneficiados. Lula erra ao não aproveitar o capital político de início de mandato para ações que são desgastantes, mas renderão avanços perenes.

O legado de Bento 16

Folha de S. Paulo

Ratzinger, de papado problemático, operou mediação intelectual entre fé e razão

Morto aos 95 anos no último dia de 2022, o alemão Joseph Aloisius Ratzinger deixa obra acerca da identidade ocidental tão importante quanto desconhecida daqueles que o viam apenas como Bento 16, "o Rottweiller de Deus".

Foi o primeiro pontífice a renunciar em quase 600 anos. A exótica figura de papa emérito, assumida a partir de então, indicava a manutenção de poder político para contrapor sua visão conservadora ao progressismo encarnado em Francisco, seu sucessor.

Ratzinger pode ter inspirado setores indispostos com a liberalidade do papa argentino, como cardeais americanos que questionam ideias de Francisco, mas na prática viveu como uma sombra.

Sua influência teológica é central. Aos 34 anos, em 1961, escreveu um dos discursos mais importantes da Igreja Católica para Joseph Frings, cardeal alemão chamado pelo papa João 23 para avaliar o Concílio Vaticano 2º, que discutiria a inserção do catolicismo no século 20.

O texto pautou o encontro, que por três anos atualizou atividades, defendeu a conciliação entre fé e ciência, liberalizou ritos. Politicamente, acabou por abrir caminho para o progressismo católico que tanto marcou a religião no Brasil.

Quando seu amigo Karol Wojtila assumiu o papado em 1978, tornou-se chefe da doutrina da igreja. Nessa função, tentou corrigir o que considerava exageros inspirados pelo concílio e passou a ser visto como um Grande Inquisidor, dado a perseguir padres marxistas.

O fez enquanto era celebrado João Paulo 2º, um conservador forjado no totalitarismo comunista assim como Ratzinger havia sido sob o nazismo. Ambos defendiam valores como forma de sobrevivência em um mundo fugaz e mutante.

Opção óbvia para o trono de São Pedro quando Wojtila morreu, em 2005, não era talhado para o lado prático da função, porém notável na teoria. Intelectual de escrita prolífica, não se furtava a debates, como com o filósofo Jürgen Habermas ou com o teólogo Hans Küng.

Foi soterrado por escândalos de corrupção e de pedofilia —acusado de ter ignorado denúncias contra padres, o que negou. Marcou seu papado pela busca de uma instituição menor e coesa, mas fracassou.

Para críticos, com razão, ele afastou a igreja ainda mais de seu 1,3 bilhão de fiéis, maior contingente cristão no mundo. Já seu legado de debate sobre o papel de valores, religiosos ou não, nas identidades coletivas, tende a ser perene.

Haddad, o ministro decorativo

O Estado de S. Paulo.

Desautorizado já na posse, novo ministro da Fazenda perde batalha pela reoneração dos combustíveis e mostra que terá que ensaiar mais para aprender a dizer ‘não’ ao presidente

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, soube já no primeiro dia no cargo que será figura decorativa, espécie de tarefeiro do presidente Lula da Silva. Seria ingenuidade supor que pudesse ser diferente, mas Haddad, aparentemente, acreditou que tinha autonomia para tomar as decisões certas, e não as que fossem convenientes ao populismo lulopetista – e, portanto, erradas.

Antes da posse de Lula, Haddad, já escolhido para a Fazenda, pediu ao então ministro da Economia Paulo Guedes que se abstivesse de adotar medidas que pudessem afetar as receitas e as despesas do futuro governo. Entre essas medidas estava a prorrogação da desoneração dos combustíveis, que serviu ao governo de Jair Bolsonaro para baixar o preço da gasolina na marra e, assim, tentar melhorar as chances de reeleição do presidente. Como Haddad prometeu reduzir o déficit fiscal projetado para este ano, de R$ 220 bilhões, reonerar os combustíveis era a primeira e mais evidente escolha a ser feita.

Mas a “ala política” do governo Lula, preocupada com os efeitos de uma súbita alta de preços dos combustíveis na popularidade do presidente recém-empossado, fez prevalecer sua opinião, e Haddad teve que engoli-la. Desprestigiado desde o primeiro dia, Haddad assumiu uma das funções mais relevantes da administração federal com um discurso em que disse aceitar ser o “patinho feio” da Esplanada dos Ministérios, contrapondo-se a colegas e a medidas que possam prejudicar o governo. Se é assim, o ministro terá que ensaiar bem mais para aprender a dizer “não” a Lula, talvez pela primeira vez.

Ao manter os impostos federais sobre os combustíveis zerados por mais 60 dias, medida que ainda pode ser prorrogada ao fim desse período, o governo Lula sinaliza que as demandas eleitoreiras, sempre que for o caso, vão prevalecer sobre a racionalidade econômica. É péssimo sinal.

Ademais, é irônico que um governo que se diz tão preocupado com os pobres, pelos quais Lula chorou em seu discurso de posse, desdobre-se para manter artificialmente baixos os preços dos combustíveis, medida que favorece quem tem carro. E a ironia não acaba aí: ao manter a farra da gasolina barata, Lula estimula a queima de combustível fóssil, na contramão de suas promessas de proteção ambiental.

Na tentativa de explicar o inexplicável, Haddad se complicou ainda mais. Disse, em entrevista ao site Brasil 247, que a reoneração dos combustíveis somente poderia ocorrer após a posse da nova diretoria da Petrobras e a consequente mudança na política de preços da companhia. Não se sabe o que uma coisa tem a ver com a outra, mas o que se sabe muito bem é que os preços dos combustíveis serão “abrasileirados”, como disse Lula ainda durante a campanha. Em outras palavras, serão tratados como questão eleitoral. Já vimos esse filme de terror: o governo tenebroso de Dilma Rousseff fez exatamente isso, para enfrentar sua crescente impopularidade, e quase quebrou a Petrobras, obrigada a subsidiar preços artificiais.

A mão pesada do lulopetismo nos preços dos combustíveis é apenas uma amostra da anunciada intenção do novo governo de intervir muito mais na economia. Recorde-se que Lula, ao tomar posse, prometeu mexer nas leis trabalhistas, aumentar gastos sem se preocupar com limites fiscais, interromper as privatizações e colocar o Estado como indutor do crescimento, ressuscitando iniciativas fracassadas como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a exigência de conteúdo nacional em áreas como exploração de petróleo e indústria naval.

Não que se esperasse algo muito diferente do terceiro mandato de Lula. Como bem lembrou Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados, em entrevista ao Estadão, Lula “nunca mentiu para ninguém” e o que ele disse no dia da posse “é o que ele vem falando há 40 anos e nos últimos meses”. Mas é incontestável que a retomada dessa agenda já testada e reprovada, cujos efeitos deletérios ainda hoje são sentidos, sobretudo pelos mais pobres, dá pouca margem para otimismo num governo que, mal começou, já disse a que veio.

O ano da tecnologia em saúde e energia

O Estado de S. Paulo.

A pandemia e a guerra impactaram, respectivamente, as tecnologias digitais e energéticas. 2023 será um laboratório. Mas as inovações impõem desafios éticos

Os dois grandes eventos globais da década de 20, a pandemia e a guerra na Ucrânia, produziram um impacto massivo sobre a inovação tecnológica. O primeiro, em particular, sobre a revolução digital; o segundo, sobre a transição energética. 2023 será um imenso laboratório para ensaiar os rumos dessas e outras tecnologias.

A guerra convencional no território ucraniano é espelhada por uma guerra energética, especialmente na Europa. A curto prazo, os europeus foram obrigados a recorrer à energia “suja”, como o carvão. Mas, a médio prazo, já estão envidando esforços para cortar a dependência dos combustíveis fósseis. Por isso, no cômputo geral, a Agência Internacional de Energia (AIE) considera que a crise pode ser um “ponto de inflexão histórico”.

Já em 2022, segundo a AIE, a eficiência energética aumentou 2% – o dobro da média dos últimos cinco anos. O impulso ao desenvolvimento de energias renováveis foi “sem precedentes”. A AIE aponta uma série de temas granulares a serem enfrentados para fomentar um ambiente atraente aos investidores, especialmente nos países em desenvolvimento, como o fortalecimento das cadeias de fornecimento, formação tecnológica, investimentos em infraestrutura e procedimentos claros para a aprovação de projetos.

Especialistas apontam que 2023 deve marcar a retomada do interesse pelo hidrogênio, uma fonte energética que produz quase zero emissões de gases de efeito estufa. O hidrogênio “verde” é produzido através de electrolisadores que dividem moléculas de água em oxigênio e hidrogênio. O hidrogênio “azul” é produzido através da divisão do gás natural entre CO2 e hidrogênio. A vantagem em relação ao emprego direto do gás natural é que os vazamentos de metano podem ser minimizados e as emissões de carbono, sequestradas.

A pandemia, além do impacto colateral sobre as tecnologias digitais, teve um impacto direto sobre o desenvolvimento de imunizantes. Espera-se em 2023 uma nova geração de vacinas contra a covid. Mais de 170 testes clínicos podem resultar em vacinas nasais, mais eficazes para evitar a transmissão, e vacinas à prova de variantes. Após o sucesso das vacinas MRNA para a covid, estão previstos testes para vacinas contra malária, tuberculose, herpes genital e variantes de influenza. A OMS também prepara uma lista de patógenos prioritários que podem causar potenciais surtos, o que servirá para criar mapas para pesquisa e desenvolvimento de vacinas, tratamentos e diagnósticos. Ainda no campo da saúde, em janeiro os reguladores norte-americanos anunciarão se uma droga que retardou as taxas de declínio cognitivo em testes clínicos poderá ser disponibilizada para pessoas com Alzheimer.

Na esfera digital, a Inteligência Artificial com interfaces sem códigos, facilmente acessíveis a leigos, está se tornando real no mundo corporativo, possibilitando a criação de produtos e serviços mais inteligentes. No varejo, por exemplo, algoritmos já recomendam produtos adaptados aos interesses dos clientes e facilitam o pagamento e entrega dos bens e serviços.

A tendência das empresas de utilizar tecnologias como a Realidade Aumentada ou a Virtual para treinamentos e reuniões deve acelerar. Especialistas apontam que 2023 será determinante para os rumos de uma internet tridimensional e imersiva onde as pessoas podem trabalhar e socializar – o chamado “metaverso”.

Como sempre, o desenvolvimento tecnológico impõe desafios éticos. Como disse a presidente da Data & Research Society, Danah Boyd, “as tecnologias digitais sempre espelham e magnificam o bom, o mau e o feio”. Isso pode ser aplicado a todas as tecnologias, mas, particularmente em relação às digitais, a humanidade precisará se empenhar em responder a algumas questões fundamentais: como desenvolver tecnologias e práticas de segurança capazes de proteger as pessoas e organizações; como desenvolver suportes cognitivo e comportamental aptos a imunizar as pessoas contra a manipulação em massa e epidemias de desinformação; e como viver em um mundo com potencial crescente de ameaças e colapsos cibernéticos.

Tarcísio sabe onde está

O Estado de S. Paulo.

Ao tomar posse, governador cita Covas e Montoro, reconhecendo que SP tem tradição de responsabilidade e democracia

Tarcísio de Freitas assumiu o governo de São Paulo indicando que, embora forasteiro, sabe onde está e, sobretudo, reconhece o que já foi feito de bom no Estado antes de sua eleição para o Palácio dos

Bandeirantes. Era o mínimo para um bom começo de seu primeiro mandato eletivo.

Em seu discurso na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), logo após a assinatura do termo de posse, o governador mostrou que sabe a responsabilidade que passou a pesar sobre seus ombros. Reconheceu que recebe um Estado com enormes desafios, entre os quais a brutal desigualdade e a Cracolândia, chaga aberta há anos na capital paulista. Mas, ao mesmo tempo, Tarcísio de Freitas reconheceu que recebe um Estado em condições muito favoráveis à superação de suas mazelas.

Transmitindo a ideia de continuidade, o governador afirmou que enxerga o exercício do poder público como “uma corrida de revezamento”, na qual “recebe-se o bastão, corre-se na maior velocidade possível, passa-se o bastão para quem correrá depois”. E nessa troca entre sucessivos governos, “o que se espera”, disse o governador, “é que não haja retrocessos em termos de qualidade do gasto (público), gestão fiscal e parcerias com a iniciativa privada”.

Este jornal também espera que não haja retrocessos, principalmente em relação ao uso das câmeras corporais no fardamento da Polícia Militar, uma das mais bem-sucedidas políticas públicas na área de segurança já adotadas no Estado.

Politicamente, Tarcísio de Freitas buscou equilibrar o reconhecimento ao apoio que recebeu de Jair Bolsonaro, seu maior cabo eleitoral, e ao legado dos governos do PSDB ao longo das últimas três décadas. Quanto ao primeiro, espera-se que tenha sido apenas um gesto de agradecimento e virada de página, afinal, não há “legado” algum do ex-presidente a ser defendido em São Paulo. Bolsonaro, na verdade, tratou São Paulo como uma espécie de enclave inimigo desde que resolveu se lançar numa rinha particular contra o ex-governador João Doria.

Já a menção expressa no discurso a três tucanos históricos – José Serra, Mário Covas e Franco Montoro – pode ser lida como uma indicação do novo governador de que não fará tábula rasa das políticas públicas implementadas pelo PSDB em São Paulo nas últimas três décadas. Por óbvio, com a legitimidade que lhe foi conferida pelas urnas, Tarcísio de Freitas pode e deve implementar as eventuais correções de rumo que julgar necessárias. No entanto, não se pode administrar o Estado mais rico da Federação e onde vive cerca de um quinto da população brasileira (quase 45 milhões de pessoas) ignorando o que já foi feito de bom por seus antecessores.

Assim como se espera que o presidente Lula da Silva compreenda as razões que levaram à sua vitória, muito mais do que uma chancela da maioria dos eleitores às agendas do PT, é esperada de Tarcísio de Freitas a compreensão de que seu primeiro triunfo eleitoral não decorre, exclusivamente, de um aval dos paulistas para que São Paulo se torne um “centro de resistência” do bolsonarismo no País. Aqui há uma longa tradição de efervescência social, responsabilidade fiscal e defesa da democracia que deve ser honrada para que São Paulo continue sendo o que é – e cada vez melhor.

Restauração do Estado avança, com peças soltas na economia

Valor Econômico

Perigosa indefinição cobre as áreas econômicas e afins, onde a babel de vozes começa a intranquilizar os mercados

Os primeiros atos do novo governo e a posse de ministros apontam medidas corretas e necessárias para o país, mas também o peso do intervencionismo do Estado, a marca petista na economia que Lula reforçou em declarações e nos discursos de posse.

Houve os primeiros desencontros, revelados pela MP que prorroga a desoneração de gás de cozinha e diesel por um ano e o da gasolina, provisoriamente, por dois meses. Eles deixaram o sabor amargo da desconfiança sobre fator imprescindível a um ministro da Fazenda: ter peso político. Não precisou muito para a ala política do governo convencer Lula de que não era o caso de eliminar já a desoneração por seus efeitos imediatos e sensíveis na inflação, logo na estreia. Haddad pedira ao então ministro Paulo Guedes que não emitisse MP prorrogando a medida eleitoreira de Bolsonaro, argumentando com decisão que Lula teria tomado. Haddad pagou a conta do bate-cabeças, de qualquer forma, e deixou no ar impressão precoce de fragilidade, que poderá se confirmar ou não ao longo do mandato.

Lula não quer problemas na largada de governo. Os ministros da ala política, empossados na segunda-feira, deixaram isso claro. Flávio Dino, da Justiça, disse que seu ministério era “da paz” e que os policiais o considerassem seu, não importando em quem votaram ou em quem votarão. Rui Costa, da Casa Civil, fez especial deferência às relações com os agricultores, eleitores em massa de Bolsonaro. Alexandre Padilha, da Secretaria de Relações Institucionais, pregou relações amistosas e profícuas com os governadores e o Congresso e foi além, ao mencionar até que o Centrão “como conceito não existe”. As mensagens de boa vontade ecoaram nas demais posses, como a do ministro da Agricultura, Carlos Favero, que se colocou a missão de “pacificar o agronegócio”.

Se as intenções de concórdia eram esperadas de um governo que ganhou por pequena margem de votos a eleição, o complemento dos “revogaços” dos decretos que facilitaram porte e uso de armas e munições restabelece condições mínimas de civilidade, assim como a varredura nos decretos que instauraram sigilo em atos do governo anterior, restauram o imperativo da transparência nos atos do Executivo. Como primeiros atos de governo, têm efeitos importantes, além dos simbólicos.

Marina Silva (Meio Ambiente) e Nísia Trindade fizeram o esperado. Marina revogou legislação sobre multas ambientais de Ricardo Salles, que pela inação de um comitê de conciliação, as anistiava todas. Nísia colocou a vacinação ampla, geral e irrestrita no lugar central que ocupam na saúde pública, negligenciada por Bolsonaro.

Os sinais preocupantes também estão vindo logo. Lula fulminou 8 privatizações inscritas em programa de desestatização. O indicado para a presidência da Petrobras, Jean Paul Prates, deixou claro que a política de preços e outras coisas mais da estatal são assunto de governo. Não há dúvidas de que o preço do combustível cairá, indicou Lula. O timing da mudança de comando na Petrobras é que torna provisória a continuidade da desoneração para a gasolina por dois meses. A ideia é que a desoneração se torne desnecessária. A ministra de Ciência e Tecnologia, Luciana Santos, por seu lado, revogou a liquidação da Ceitec, estatal de semi-condutores.

Uma confusão que pode não terminar bem é do passeio da ANA, agência reguladora de águas e saneamento, por vários ministérios. Ela foi alocada agora no Meio Ambiente, mas entre suas atribuições pode não estar mais a de normatizar o setor de saneamento. Ontem, o ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, disse que a decisão poderá ser revista.

Outros ministros expuseram, com maior ou menor ênfase, seu desejo de girar ao contrário a roda das reformas. O ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT), disse que quer rever a reforma do seu setor, por discordar do limite de idade para a aposentadoria das mulheres. A ministra de Gestão e Inovação, Esther Dweck, pregou a retirada da PEC da reforma administrativa do Congresso - de fato, ruim -, mas por outros motivos- considera-a punitiva. A reforma criaria critérios objetivos para a demissão de servidores, anátema para o PT.

O governo Lula começa então a duas velocidades. Com rapidez na restauração do ambiente democrático, das condições de operação da máquina pública e na harmonia entre os Poderes. Perigosa indefinição cobre as áreas econômicas e afins, onde a babel de vozes começa a intranquilizar os mercados sem que propósitos anunciados sejam confirmados como política oficial.

 

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