sábado, 28 de janeiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Pacote de leis pela democracia tem efeito incerto

O Globo

Não foi por falta de policiais que vândalos atacaram em 8 de janeiro, mas porque houve negligência

O governo federal apresentará ao Congresso um pacote de medidas para coibir novos ataques às instituições democráticas. O ministro da Justiça, Flávio Dino, entregou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva um documento com quatro propostas que, a partir de agora, serão debatidas. O governo segue um roteiro conhecido diante de fatos graves: a correria para criar instituições ou leis, como se o país tivesse sido vítima de um grande trauma devido à falta de ambas. Todos sabem que não foi bem assim.

Uma das propostas é descabida. Dino sugere criar uma guarda nacional para proteger a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes. A ideia parte de uma premissa falsa. Não foi por falta de policiais que ocorreram os ataques golpistas do dia 8 de janeiro. O problema foi a cooperação entre as forças de segurança e os vândalos. A simples criação de uma nova guarda não a tornaria imune ao golpismo. Tampouco eximiria as autoridades de restabelecer o comando nas instituições que falharam no dia 8. A guarda nacional ainda demandaria a contratação de cerca de 6 mil novos servidores, onerando os cofres públicos em momento de crise fiscal aguda.

Faz mais sentido outra proposta apresentada por Dino: obrigar as plataformas digitais a moderar o conteúdo que circula nas redes sociais com ameaças, tentativas de abolir o Estado Democrático de Direito ou incentivo a terrorismo. É fato que os golpistas se reuniram, se organizaram e se prepararam com a ajuda dos meios digitais.

Está certo Dino ao defender “uma congruência lógica” do que é autorizado nas ruas e nas redes. Não é permitido instalar um quiosque num shopping center para ensinar a montar uma bomba ou aliciar conspiradores para um golpe de Estado, então ninguém deveria poder fazer isso na internet. É um erro acreditar que as plataformas tomarão medidas na base da autorregulação, já que nada fizeram até agora, escoradas na visão peculiar que confunde liberdade de expressão com liberdade de agressão. Essa constatação, porém, não significa que o caminho sugerido por Dino seja o mais adequado.

O governo faria melhor se incluísse suas propostas no Projeto de Lei 2.630, o PL das Fake News, atualmente na Câmara, e trabalhasse pela sua aprovação. “O PL é a chance de a sociedade dar uma resposta mais ampla e forte. A desinformação de todo tipo é o que cria o terreno favorável para reações condenáveis nas mais diferentes áreas, inclusive na política”, afirma o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto.

O pacote de Dino inclui ainda dois projetos de lei. Um criminaliza financiadores e organizadores de atos antidemocráticos, estabelecendo sanções a pessoas físicas e a empresas, como a proibição de participar de licitações ou receber benefícios fiscais. O outro aumenta a pena de quem atentar contra a integridade física ou a vida de chefes dos Três Poderes.

As duas medidas podem ajudar a dissuadir radicais, mas seu efeito é incerto. Mais importante seria o Congresso derrubar vetos do ex-presidente Jair Bolsonaro à Lei dos Crimes contra o Estado Democrático de Direito (Lei 14.197/21) que a enfraqueceram. Um dos itens vetados aumenta a pena para militares que cometerem crimes contra a democracia, com perda de patente ou do posto. O trecho deveria ser restaurado na lei.

Plano de usar BNDES para financiar projetos no exterior traz preocupação

O Globo

Embora missão do banco inclua fomento a exportações, retrospecto do PT no poder recomenda cautela

Em encontro com empresários brasileiros e argentinos na sua primeira viagem internacional como presidente, Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) “vai voltar a financiar as relações comerciais do Brasil e projetos de engenharia no exterior”. Levando em conta o retrospecto do PT no poder, a ideia desperta preocupação.

Claro que é de interesse nacional fomentar as vendas externas de bens e serviços — sinônimo de empregos, renda, recolhimento de impostos, moeda forte e crescimento econômico. Com diferentes níveis de atuação, todos os países dispõem de instituições financeiras voltadas para financiar projetos com esse objetivo, os bancos de fomento, também conhecidos como eximbanks. Se bem feito, o apoio do BNDES aos setores mais dinâmicos da economia pode, em teoria, ajudar na expansão externa das empresas brasileiras.

Na prática, contudo, muita coisa já deu errado. O Brasil pagou um preço alto pela promoção a “campeões nacionais” no exterior. O apoio dos governos petistas via BNDES a empresas como Odebrecht ou JBS entrou na crônica dos escândalos de corrupção.

Para não falar no histórico de calotes. De US$ 10,5 bilhões em empréstimos a obras no exterior (76% da Odebrecht, num total de cinco grandes empreiteiras), houve calote de US$ 1 bilhão (sobretudo de Venezuela, Cuba e Moçambique). Ainda falta pagarem US$ 573 milhões. “Se vamos fazer, que seja feito de outra forma”, afirmou a ex-presidente do BNDES Maria Silvia Bastos Marques ao jornal Valor Econômico.

Um dos pontos críticos é a análise das garantias dos empréstimos. Na Argentina, o governo anunciou uma linha de crédito para financiar o comércio bilateral, e a equipe de Lula disse que o governo argentino oferecerá garantias com liquidez internacional, como títulos de países ricos ou contratos futuros de commodities. Apesar das promessas de risco baixo, é incerto se a Argentina, envolta numa crise econômica crônica, terá condições de cumpri-las. Se não tiver, todo o plano da linha de crédito precisaria ser reavaliado.

Desde que assumiu, Lula não tem mostrado disposição em mudar suas ideias econômicas. Parece tratá-las como dogmas. É um erro. Os laços com a Argentina, mercado para produtos industrializados brasileiros, são estratégicos, mas nossa situação fiscal não permite jogar dinheiro pela janela. Lula deveria lembrar que o BNDES já teve de cobrir dívidas não honradas por países como Venezuela e Cuba, pelos quais Lula manifestou ter “muito carinho”. Seria imperdoável se o governo do PT decidisse repetir o mesmo tipo de “carinho” com a Argentina.

Pacote temerário

Folha de S. Paulo

Não se pode usar ataque a Brasília para aprovar leis repressoras às pressas

O ataque bolsonarista de 8 de janeiro a Brasília despertou justificadas reações do meio político, das instituições públicas e da sociedade civil em defesa da democracia. A barbárie estimulou os Poderes, em especial o Executivo e o Judiciário, a adotar prontamente medidas com vistas a punir os envolvidos e evitar novas investidas.

O ativismo do Supremo Tribunal Federal aprofundou-se perigosamente, com prisões em larga escala e o afastamento do governador do Distrito Federal. Já Luiz Inácio Lula da Silva (PT), fortalecido pelo apoio que recebeu, decretou intervenção na segurança pública brasiliense, trocou o comando do Exército e demitiu dezenas de militares, acertadamente.

O governo agora ensaia passos temerários com um conjunto de projetos apresentado pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, para coibir a circulação nas plataformas digitais de conteúdos considerados contrários ao Estado de Direito, além de endurecer punições a condenados por crimes do tipo.

Como a Folha revelou, o pacote, ainda nebuloso, atribui às chamadas big techs o "dever de cuidado" para impedir a disseminação de mensagens que preguem o fim da democracia, estimulem a violência para a deposição de governantes e incitem animosidades entre as Forças Armadas e os Poderes.

Pretende-se ainda impor a apresentação de relatórios de transparência sobre moderação de conteúdos e reduzir o prazo para remoção deles após determinação judicial.

Cogita-se que parte das propostas de Dino, encaminhadas à apreciação de Lula, venha a ser objeto de uma medida provisória —alternativa em tudo inoportuna.

Compreende-se a preocupação com atividades antidemocráticas nas redes sociais —compartilhada, aliás, por muitos, em diversos países. Não convém, no entanto, valer-se de um momento de indignação para avançar de maneira açodada e irrefletida na regulação dessas ferramentas.

O tema já vem sendo debatido no Congresso Nacional há dois anos e envolve textos com escopo mais amplo, como o PL 2.630, o controverso projeto das fake news já aprovado pelo Senado, mas não à toa estacionado na Câmara.

Há inúmeras facetas a discutir, dentre as quais as instâncias que decidirão se determinada mensagem constitui de fato um ataque às instituições ou se situa-se no campo da liberdade de expressão.

Tratando-se de um presidente que insiste em propagar a tese partidária farsesca segundo a qual houve golpe de Estado no impeachment de Dilma Rousseff (PT), conduzido pelo Legislativo e pelo Judiciário, deveria estar claro o perigo de lidar às pressas com o direito à pluralidade de opiniões.

Vacinar mais

Folha de S. Paulo

Campanha de incentivo à imunização contra Covid deve superar atraso de Bolsonaro

Com a saída do negacionismo científico de Jair Bolsonaro (PL), o combate à Covid-19 pelo governo federal finalmente começa a seguir rumos sensatos. Na quinta-feira (27), o Ministério da Saúde anunciou que lançará uma campanha nacional de vacinação contra o vírus a partir de 27 de fevereiro.

Até agora, 85,04% dos brasileiros tomaram a primeira dose, e 80,55% têm duas doses ou a dose única da Janssen. Mais da metade não tomou a dose de reforço. Entre crianças de 3 a 11 anos, os índices caem para 60,13% e 42,09%.

Para preencher essas lacunas, especialistas apontam, desde o ano passado, a necessidade de uma politica pública de esclarecimento.

Com a queda no número de mortes (3.938 no mês passado, ante mais de 85 mil em abril de 2021), é natural que diminua a sensação de medo, o que leva à falta de atenção na prevenção. No entanto há também motivações ideológicas.

Segundo pesquisa da Unifesp, 46,8% dos entrevistados acham que a vacinação não deve ser obrigatória, e para 30% os imunizantes não têm comprovação científica.

Ademais, deve-se ressaltar que a situação, embora melhor, ainda inspira cuidados, principalmente para idosos. No último trimestre, 81% dos mortos por Covid no estado de São Paulo tinham mais de 60 anos (65% tinham mais de 70).

Assim, além de incentivar a imunização de grupos a partir de 12 anos, com doses monovalentes, o governo pretende reforçar a vacinação com o tipo bivalente da Pfizer —que utiliza as cepas do Sars-CoV-2 e da variante ômicron BA.1— para grupos prioritários.

Na primeira fase, serão imunizadas pessoas com 70 anos ou mais, seguidas da faixa de 60 a 69 anos, gestantes e profissionais de saúde. A meta é atingir 90% de cobertura.

Crianças pequenas também receberão atenção especial. A partir de fevereiro, serão distribuídas 8,5 milhões de doses da Pfizer para o grupo de 6 meses a 4 anos, e 9,5 milhões para 5 a 11 anos.

O esforço de conscientização do governo também precisará focar, em algum momento, nas enfermidades comuns na infância que já foram erradicadas, mas que ameaçam retornar. Desde 2016, a cobertura vacinal contra poliomelite e sarampo vêm caindo.

Trata-se de mostrar que só é possível erradicar doenças infecciosas quando uma ampla parcela da população está imunizada. Deixar claro, enfim, que vacinar-se é cuidar de si e da comunidade.

Antes tarde do que nunca

O Estado de S. Paulo.

Depois do 8 de janeiro, Aras deflagrou iniciativas em defesa da democracia que há muito deviam estar em funcionamento. A PGR tem de servir à lei, e não a interesses de ocasião

Os atos de 8 de janeiro puseram por terra a particular percepção de Augusto Aras de que não havia nada de anormal ocorrendo no País. Desde então, o procurador-geral da República deu início a uma série de iniciativas que, a bem da verdade, deveriam estar em funcionamento havia muito tempo. De toda forma, é preciso reconhecer: antes tarde do que nunca.

No dia 10 de janeiro, Augusto Aras instituiu, no âmbito do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a Comissão Temporária de Defesa da Democracia. Segundo o comunicado oficial, o objetivo da comissão é acompanhar a atuação do Ministério Público na defesa da democracia e do Estado Democrático de Direito. Ora, era exatamente sobre isso que a sociedade vinha questionando a Procuradoria-geral da República (PGR) desde 2019. Se a missão constitucional do Ministério Público é a defesa da ordem jurídica e do regime democrático, o que a PGR fez diante das várias afrontas e ameaças antidemocráticas de Jair Bolsonaro e de seus seguidores?

Outra iniciativa de Augusto Aras depois dos atos de 8 de janeiro foi a criação do Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos, destinado a coordenar as ações e o trabalho de investigação dos crimes junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e às demais instâncias de atuação do Ministério Público Federal (MPF). Segundo a Portaria 24/2023, a participação da PGR no caso faz-se necessária diante da necessidade de identificar “autoridades com prerrogativa de foro que tenham participado, cooperado ou incentivado os atos antidemocráticos”.

Aqui, uma vez mais, fica evidente a incrível cegueira da PGR até o dia 8 de janeiro. Há muito tempo eram abundantes os indícios de que autoridades com foro privilegiado estavam participando, cooperando e incentivando eventos e ameaças contra o regime democrático. Que a PGR, despertada pela brutalidade dos atos de 8 de janeiro, não atenue a responsabilidade dessas pessoas e tome as medidas legais cabíveis.

No dia 16 de janeiro, o Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos apresentou a primeira denúncia contra 39 pessoas envolvidas na invasão e depredação das dependências do Senado Federal no dia 8 de janeiro. Na ação, foi pedido o bloqueio de R$ 40 milhões em bens dos investigados, para reparar danos materiais e morais.

Entre os crimes elencados na acusação estão associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado pela violência e grave ameaça com emprego de substância inflamável contra o patrimônio da União. A mera lista dos tipos penais revela a gravidade das ações dos bolsonaristas e, por consequência, a gravidade das atenuações feitas ao longo desses três anos e meio pelo procurador-geral da República, afirmando que tudo estava em ordem. Recorde-se que, para Augusto Aras, o 7 de Setembro do ano passado, capturado pelo presidente Bolsonaro para fins eleitorais, foi “pacífico e ordeiro, sem violência”, ignorando a grande tensão que cercou a cerimônia, que exigiu medidas extraordinárias de segurança.

O País precisa de um Ministério Público atuante e impessoal, que cumpra zelosamente suas funções institucionais. Nos últimos anos, a PGR foi palco de atuações pouco alinhadas aos trilhos constitucionais, seja com os excessos de Rodrigo Janot, seja com as omissões vistas até o fim de 2022. Não é papel do órgão arbitrar pendências políticas ou promover a judicialização de assuntos que, num regime democrático, devem ser decididos pelo Legislativo. Mas também não é sua função proteger o presidente da República ou fazer a representação da categoria, como almejam os defensores da lista tríplice para o cargo de procurador-geral da República.

A missão do Ministério Público é servir à lei e, para tanto, ele não pode estar subordinado a interesses políticos ou corporativistas. Os atos de 8 de janeiro explicitaram a relevância do seu trabalho – e da sua omissão.

A coragem do pequeno Uruguai

O Estado de S. Paulo.

Na Celac, o presidente uruguaio pediu, como todos, mais integração e democracia. Mas lembrou, como poucos, que para tanto é preciso que a Celac não aja como confraria ideológica

No encerramento da 7.ª Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, defendeu mais integração entre os 33 membros e entre a região e o mundo. Seria uma fala meramente protocolar, se ele não tivesse lançado um alerta: essa integração depende de que as autoridades dessas nações se mostrem capazes de integrar palavras e atos.

Com efeito, o documento final, com mais de 100 tópicos e quase 30 páginas, é eivado de propósitos grandiloquentes de “solidariedade” e “cooperação” em temáticas diversas, como a recuperação pós-pandêmica, segurança alimentar e energética, saúde, meio ambiente, ciência, tecnologia, infraestrutura e, claro, a democracia. A Cúpula também ratificou a decisão de realizar uma reunião com a União Europeia em 2023 e com a China em 2024.

Mas, realisticamente, o desafio da cooperação se dá num contexto de múltiplas crises internas nos países latinoamericanos, com protestos no Peru, Bolívia e Venezuela. Além disso, a nova “onda rosa” dos governos de esquerda marca, na prática, uma Cúpula com tendências mais orientadas ao protecionismo. Como se sabe, o Uruguai vem promovendo uma cruzada pela abertura e a associação de livre comércio com outros mercados e, compreensivelmente, vê na Celac reflexos de um tempo em que tratados como a Aliança do Pacífico ou o Mercosul promoviam grandes cúpulas deliberativas, mas sem resultados concretos. O Mercosul, por exemplo, não logra uma resolução econômica ou comercial efetiva desde 1998.

“Não será o momento de impulsionar desde a Celac uma zona de livre comércio?”, perguntou Lacalle Pou, alertando que, para tanto, ela não pode ser um “clube de amigos ideológicos”: “Na variedade, na mudança e na alternância, estará a força desta organização”. Exemplificando o pragmatismo que advoga, o presidente uruguaio citou as propostas de seu homólogo colombiano, Gustavo Petro, um esquerdista, de estratégias para agregar reservas de água doce, oceanos e criação intelectual. No dia seguinte, recebeu o presidente Lula no Uruguai e desde o ano passado vem promovendo conversas com o ex-presidente José Mujica, líder da oposição de esquerda, para concertar consensos.

Lacalle Pou fez coro às muitas condenações na Cúpula aos atentados antidemocráticos no Brasil, mas criticou uma “visão hemiplégica” – em referência à doença que paralisa metade do corpo. “Fala-se de respeito à democracia, de respeito aos direitos humanos e de cuidado com as instituições, mas claramente há países aqui que não respeitam nem a democracia, nem os direitos humanos, nem as instituições”, disse, sem citar expressamente, por ser desnecessário, Venezuela, Cuba ou Nicarágua. De fato, enquanto Lula ou o presidente argentino, Alberto Fernández, alardeavam ameaças “neofascistas”, evitaram qualquer crítica a essas ditaduras de fato. Atribuindo todas as mazelas desses povos aos EUA, só as abordaram com palavras vazias, como “carinho” ou “diálogo”.

Já outros líderes da esquerda se mostraram capazes de sobrepor princípios fundamentais às suas afinidades ideológicas. O esquerdista colombiano Petro, por exemplo, defendeu um “pacto democrático” para que “direitas e esquerdas” não creiam que quando chegam ao poder “é para eliminar seus adversários fisicamente”. Como ele, o presidente chileno, Gabriel Boric, outro esquerdista, defendeu a volta da Venezuela aos fóruns multinacionais, mas pediu abertamente, citando a carta da Celac, eleições “livres, justas e transparentes” na Venezuela e conclamou os outros presidentes a exigir a liberação dos presos políticos na Nicarágua.

São atitudes que refletem o apelo de Lacalle Pou: “Pratiquemos com a ação o que dizemos em nossos discursos, porque, para que esse tipo de fórum subsista no tempo, tem de gerar esperança, e a esperança se gera sobre o caminho andado, sobre a palavra posta em prática na ação”. No fundo, a advertência de Lacalle Pou é – ou deveria ser – apenas uma obviedade: para que os países latino-americanos extraiam concretudes de suas grandiosas teorias da integração, é indispensável que seus líderes demonstrem mais integridade.

O problema dos restos a pagar

O Estado de S. Paulo.

Restos a pagar se tornaram um orçamento paralelo, sintoma da dificuldade do governo de enfrentar interesses

O governo Jair Bolsonaro deixou um total de R$ 255,2 bilhões em restos a pagar (RAPS) para o ano de 2023. São despesas contratadas ao longo de seu mandato e que não foram pagas até o fim dele, e que, agora, automaticamente transferidas, passam a competir por espaço no Orçamento deste ano. Não é um caso único. Inscrever restos a pagar e deixá-los como herança para o sucessor tem sido uma prática recorrente, que deslinda várias das distorções do processo orçamentário e de seu caráter ficcional.

O valor só não foi ainda maior porque o estoque de RAPS com prazo superior a três anos foi cancelado em 2018. Parte do que Bolsonaro deixou para Lula pagar foi autorizada pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, elaborada pela própria equipe do petista. Semanas depois, o mesmo governo mandou bloquear contratos com valor acima de R$ 1 milhão – e que totalizam R$ 33,7 bilhões – até a conclusão de uma análise da pertinência de cada um deles.

É comum que gastos referentes a dezembro sejam efetivamente pagos em janeiro, como é o caso dos benefícios da Previdência Social. É esperado que investimentos, com várias fases desde a elaboração do projeto, compra de materiais e contratação de trabalhadores, não sejam concluídos no mesmo exercício. É para isso, em tese, que existe a rubrica de restos a pagar, mas é fato que ela tem sido usada para outras finalidades que nada têm a ver com essas situações.

No governo Dilma, os restos a pagar eram uma forma de pedalar despesas para cumprir o resultado primário. Na gestão Bolsonaro, por sua vez, os RAPS se tornaram instrumento para a manutenção do orçamento secreto. Pelo caráter paroquial e desvinculado de políticas públicas, marca das emendas de relator, boa parte delas apresenta problemas desde sua concepção. A construção de uma escola, por exemplo, requer um projeto e, se ele não existe, todas as etapas da realização de uma despesa pública – empenho, liquidação e pagamento – atrasam. Resolver essas pendências exige tempo. Nos últimos anos, essas emendas passaram a inchar a rubrica dos restos a pagar, o que explica não apenas seu volume bilionário, como também os motivos pelos quais o País tem milhares de obras paradas, atrasadas e abandonadas.

Parte dos restos a pagar, principalmente os ligados às emendas de relator, poderia e deveria ser simplesmente cancelada. Mas um volume expressivo dos RAPS é composto por despesas obrigatórias, entre elas as emendas parlamentares impositivas – mais uma das distorções do Orçamento. Com tantos dispêndios obrigatórios competindo por recursos e espaço no teto de gastos, o Executivo, sob Bolsonaro, preservou emendas de relator e contingenciou gastos discricionários, deixando órgãos públicos à míngua no fim do ano, e recorreu a exceções a serem contabilizadas fora do teto, corroendo a credibilidade do arcabouço fiscal.

Restos a pagar não são causa, mas sintoma da recusa do governo em enfrentar interesses e fazer escolhas. O colapso do processo de elaboração orçamentária é sua maior consequência.

 

4 comentários:

  1. "A ideia parte de uma premissa falsa. Não foi por falta de policiais que ocorreram os ataques golpistas do dia 8 de janeiro.:

    Mas a quantidade de policiais NÃO é a premissa, Globo. A premissa é q as forças atuais são milicas e q NÃO são confiáveis, sendo necessária uma força com comando civil e confiável.
    Simples assim.
    Milicos atuais são golpistas e devem ser punidos - todos vimos o coroné sendo chamado de maluco e a proteção miliquenta q deram aos terroristas. TODOS VIMOS, OS VÍDEOS TÃO NAS REDES SOCIAIS!

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  2. "Folha de S. Paulo
    Não se pode usar ataque a Brasília para aprovar leis repressoras às pressas"

    Sim, a pressa é inimiga da perfeição. Por outro lado, golpearam o Brasil e golpistas continuam golpeando.
    Portanto, falha de sampa, HÁ PRESSA!
    Não será este jornaleco q ditará o ritmo.

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  3. O Globo tem razão. A proposta de "criar uma guarda nacional para proteger a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes" é realmente descabida! Ideia de jerico mesmo...

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  4. Para isso existem câmaras de segurança, em Usa usam-nas até em ruas ordinárias.

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