Lula continua a derrapar quando fala de economia
O Globo
Na primeira entrevista depois da posse, o
presidente repetiu ideias do manual do populismo de esquerda
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
aproveitou sua primeira entrevista após a posse para criticar o sistema de
inteligência do governo, incapaz de deter a barbárie do 8 de janeiro, e pedir a
punição dos responsáveis. É também o desejo da maioria da população brasileira.
Infelizmente, Lula deixou transparecer na entrevista à GloboNews sua visão
turva sobre temas cruciais para a economia. Não custa lembrar: o fracasso econômico
de seu governo teria como efeito nefasto a realimentação da descrença na
democracia e do golpismo.
Questionado se acredita haver antagonismo entre as responsabilidades fiscal e social, Lula respondeu que sim, em razão da “ganância” dos mais ricos, resposta extraída do manual do populismo de esquerda. Os fatos: um governo que gasta mais do que arrecada aumenta a dívida pública; quanto maior ela fica, maior a percepção de risco e mais altos os juros pagos para atrair compradores de títulos da União; quanto mais se gasta com isso, menos dinheiro sobra para programas sociais.
Em vez de aceitar a realidade, Lula insiste
em insinuar que quem é a favor do controle de gastos é contra o combate à fome,
à pobreza ou à desigualdade — visão sem cabimento. Repetiu que ninguém pode
cobrar dele responsabilidade fiscal porque ele foi responsável quando esteve no
poder. Obviamente, o mais importante não é o que fez, mas o que fará. E, até
agora, o controle das contas públicas, hoje sujeitas a um déficit estrutural da
ordem de 2% do PIB, continua restrito às promessas do ministro da Fazenda,
Fernando Haddad. Sem o compromisso de Lula, será difícil transformá-las em
realidade, tantas as demandas por recursos do governo.
Ainda que na cabeça de Lula a confusão
possa fazer sentido político, o discurso ambíguo atrapalha o país, pois tem
reflexo nos indicadores econômicos. Isso ficou claro noutra declaração infeliz
na entrevista à jornalista Natuza Nery. Lula atacou a autonomia do Banco
Central (BC) como desnecessária. Afirmou que, em seus primeiros governos, o
então presidente do BC, Henrique Meirelles, tinha mais independência que o
atual, Roberto Campos Neto. Não é verdade. Campos Neto não pode ser demitido
por Lula, por isso tem mais liberdade. Lula chegou a dizer que, se a autonomia
do BC fosse boa, a inflação não estaria tão alta — um disparate que não leva em
conta a conjuntura doméstica, a mundial e as incertezas trazidas pela incúria
fiscal.
Para piorar, Lula também atacou a meta de
inflação para este ano: 3,25%. O novo governo tem todo o direito de discutir as
metas, mas na instância adequada e no momento certo. Ao fazer a crítica numa
entrevista, Lula sabota o trabalho do BC, empenhado em ancorar a expectativas
de inflação futura de consumidores, empresários e investidores. Em vez de
ajudar a derrubar os juros e a elevar a perspectiva de crescimento (desejo de
Lula e do Brasil), a declaração tem o efeito contrário.
Os avanços na área social nos dois
primeiros mandatos de Lula são incontestáveis. O atual papel do presidente na
defesa da democracia tem sido e continuará sendo primordial. Na área econômica,
infelizmente, o quadro é mais incerto. O mundo mudou desde que Lula passou a
faixa a Dilma Rousseff. O PIB não voltará a crescer como antes, quando havia
crédito abundante e o cenário externo era favorável. Cada demonstração de
amadorismo de Lula na economia cobrará seu preço. Também na política.
É um erro superdimensionar papel do Estado
na conservação de estradas
O Globo
Pacote
de R$ 1,7 bilhão para obras emergenciais não basta. É preciso ampliar
concessões ao setor privado
Qualquer um que passe pelas maltratadas
rodovias brasileiras, na condição de motorista ou passageiro, sabe que boa
parte precisa de obras. O problema é consensual. A questão é como enfrentá-lo.
Na quarta-feira, o ministro dos Transportes, Renan Filho, anunciou um plano de
investimentos de R$ 1,7 bilhão nos primeiros quatro meses deste ano em obras
rodoviárias e ferroviárias. Claro que ninguém pode ser contra iniciativas que
visam a melhorar o escoamento da produção e a segurança dos viajantes, mas o
governo teima em repetir fórmulas que já não deram certo.
É um erro superdimensionar o papel do
Estado na recuperação da infraestrutura. Pôr recursos públicos em obras de
restauração e construção de estradas pode até gerar empregos e melhorar a
situação no curto prazo, mas é uma solução paliativa. As estradas precisam de
manutenção permanente, e o poder público já mostrou a sua incapacidade como
síndico delas.
A última pesquisa anual da Confederação Nacional
do Transporte (CNT) revela a situação precária da malha rodoviária. De acordo
com o levantamento, 66% das rodovias pavimentadas são classificadas como
péssimas, ruins ou regulares. Embora 34% sejam enquadradas como ótimas ou boas,
apenas 9% podem ser consideradas perfeitas em termos de pavimentação e
sinalização (em 2015, eram 35%).
O panorama nunca foi tão crítico desde que
o estudo começou a ser feito, há duas décadas e meia. A degradação não se
reflete apenas em sacolejos, atolamentos, despesas mecânicas e acidentes. A má
conservação provoca um consumo desnecessário de combustível que encarece a
produção. Não chega a surpreender que, das rodovias classificadas como
regulares, ruins ou péssimas, 75% estejam sob gestão pública (federal, estadual
ou municipal). Entre as concedidas à iniciativa privada, a situação é inversa:
69% foram consideradas boas ou ótimas.
É inútil pôr neste ou naquele governo a
culpa pela degradação. O problema é crônico e atravessa diferentes
administrações. Segundo o estudo da CNT, para recuperar a malha rodoviária
nacional com ações emergenciais de restauração e reconstrução, seriam necessários
R$ 95 bilhões. É óbvio que o governo não dispõe desses recursos e, mesmo que
estivessem disponíveis, seria mais sensato que fossem usados em setores
essenciais como saúde, educação ou segurança.
Diante do atual estado de calamidade das rodovias, é compreensível haver um plano para tratar o problema de forma emergencial, aproveitando que o orçamento do ministério foi turbinado pela PEC da Transição. Mas o setor deveria, no médio e longo prazos, contar com investimentos privados. É fundamental não só dar continuidade, mas também ampliar o programa de concessão de rodovias. O Estado ficaria encarregado de manter apenas as que não se mostrassem economicamente viáveis. Caso contrário, serão necessários muitos outros planos de cem dias para operações tapa-buraco que não resolvem nenhum problema, a não ser talvez o de empreiteiras próximas ao poder.
A bazófia de Lula
Folha de S. Paulo
Presidente desafia o bom senso econômico,
em contraste com esforços de ministros
Não satisfeito com os discursos anteriores
à posse que fizeram disparar os juros de mercado, Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) continua a desafiar o bom senso em temas econômicos com autoconfiança
inaudita em seu terceiro mandato.
Na quarta-feira (18), loquaz durante uma
entrevista, criticou a autonomia formal do Banco Central, a seu ver uma
bobagem, e defendeu uma meta de inflação mais alta —pois, afinal, o Brasil
precisa crescer. "Onde estão a inflação e os juros?", indagou o
mandatário.
Também atribuiu uma suposta
incompatibilidade entre responsabilidade fiscal e social à "ganância das
pessoas mais ricas". Nesta quinta (19), arengou
contra "essa gente do mercado", que para ele só aprova gastos com
juros da dívida. "A gente podia não ter nem juro", asseverou o
petista.
A esta altura, é preferível acreditar que
se trata de demagogia oportunista —pior será se Lula de fato acreditar em tais
disparates e não estiver disposto a ouvir técnicos e estudiosos da matéria. Ou
se ignorar que juros e inflação estão altos, em quase todo o mundo, porque
ainda há um legado de desequilíbrios da pandemia de Covid-19.
No caso brasileiro, o fenômeno é agravado
pela imprudência na gestão do Orçamento, impulsionada pela farra eleitoreira de
Jair Bolsonaro (PL) e aprofundada pelo atual governo com a PEC da Gastança.
O presidente, aliás, gaba-se de trabalhar
por mais desequilíbrio das contas do Tesouro Nacional, com a
promessa de livrar do Imposto de Renda ganhos até R$ 5.000 mensais. Tal
propositura, além de ruinosa para a arrecadação, seria péssima política
pública, por subsidiar estratos com rendimentos muito acima da média nacional.
Não deixa de guardar coerência,
infelizmente, com a velha e falsa tese de que a tolerância com a inflação
favorece o crescimento sustentável —que Lula repete como se desconhecesse os
funestos experimentos de Dilma Rousseff (PT).
Quanto aos famigerados juros da dívida, o
falatório omite que o meio mais eficaz de não depender de credores é não precisar
de ainda mais dinheiro emprestado.
É notável que, em contraste com a bazófia
de Lula, ministros da área econômica venham dando sinais de sensatez. Fernando
Haddad, da Fazenda, e Simone Tebet, do Planejamento, mostram preocupação com o
ajuste fiscal. O vice Geraldo Alckmin (Indústria e Comércio) descartou
retrocessos nas reformas previdenciária e trabalhista.
Talvez o mandatário queira principalmente
manter sua base mais ideológica mobilizada, mesmo que sob o risco de sabotar a
retomada do emprego e a melhora da renda. Fato é que, além da retórica, as
medidas concretas tomadas até aqui não inspiram otimismo.
O gigante encolhe
Folha de S. Paulo
Primeiro declínio populacional chinês em 62
anos é desafio da ditadura comunista
Segundo estimativas das Nações Unidas, ao
menos desde meados do século 18 a China é a nação mais populosa do mundo —uma
primazia disputada com a Índia desde a aurora da humanidade.
Tal material humano sempre foi motivo de
temor reverencial. "Deixe a China dormir, pois quando acordar irá sacudir
o mundo", teria dito o imperador francês Napoleão Bonaparte, refletindo
políticas de potências europeias para o gigante asiático até 1949, quando o
Partido Comunista tomou o poder.
Em 1961, o país teve o último declínio
populacional registrado, devido à fome gerada por políticas sociais desumanas
da ditadura.
Nas décadas seguintes, o problema passou a
ser o pavor malthusiano dos efeitos da superpopulação. Assim, a partir de 1979,
quando começou a integração da China ao sistema capitalista, foi instituída uma
draconiana medida para que casais tivessem apenas um filho.
Um tsunami de abortos e assassinatos de
meninas, mais indesejadas no sistema produtivo, decorreu disso. Mas o objetivo
primário foi alcançado: cerca de 400 milhões de pessoas a menos no país.
Em janeiro de 2016, a
política foi cancelada em favor de duas crianças por casal, dados os sinais de
encolhimento demográfico. Não deu certo e, em 2021, chineses com três
filhos passaram a receber incentivos fiscais do governo.
Novamente, fracasso. Nesta terça (17), foi
anunciado algo que só se esperava para 2025: pela
primeira vez em seis décadas, a China perdeu população, com um déficit de 850
mil pessoas. Morreram mais pessoas a partir de dezembro, com o fim da
política de Covid zero do país, mas especialistas apontam a aceleração de uma
tendência.
É pouco ante o exército de 1,412 bilhão de
habitantes, que deverá ser suplantado pela rival Índia neste ano. Mas sugere
uma curva com implicações enormes para a segunda maior economia do mundo.
Hoje, 35 milhões de pessoas no país têm 80
anos ou mais, demandando suporte previdenciário. Em 2050, serão quatro vezes
mais, com o número de jovens encolhendo. A automação do mercado de trabalho
pode ajudar, mas também gera problemas de outra ordem
É um beco sem saída demográfico, além de desafio para os nacionalistas. Basta ver o principal motivo aparente para a apatia dos casais em procriar: o custo. Paradoxo retórico, no comunismo chinês é mais caro criar um filho do que no capitalismo americano.
A bobagem de Lula sobre o BC
O Estado de S. Paulo.
Fiel ao primitivismo petista, Lula ataca a
autonomia do BC, como se a alta dos juros não fosse necessária para conter a
inflação e preservar o poder de compra sobretudo dos pobres
Lula da Silva declarou, numa entrevista,
que não gosta do Banco Central (BC) autônomo. E não gosta porque, para o
lulopetismo clássico, o governo deve mandar na autoridade monetária para
definir, conforme critérios políticos, quais devem ser os juros básicos da
economia. A autonomia, segundo os petistas, “afeta a soberania popular e
nacional” ao “transferir o controle do BC aos bancos privados”, como se lê em
um comentário do partido a respeito do projeto de lei que conferiu
independência ao BC, em 2021. Nada muito diferente dos manifestos radicais do
PT primevo.
De volta ao poder, o presidente Lula
mostrou que continua incapaz de compreender que, sem autonomia, o Banco Central
depende da boa vontade do governante para fazer seu trabalho de preservação do
poder de compra da moeda. A mão pesada de Dilma Rousseff no BC para forçar uma
queda dos juros logo no início de seu primeiro mandato, em 2011, a título de
impulsionar o crescimento, abriu a picada para o desastre que estava por vir –
inflação descontrolada, instabilidade econômica e recessão. Mas Lula e o PT são
teimosos.
Em entrevista à GloboNews, o presidente
disse que a autonomia formal do BC é “uma bobagem”. Além disso, Lula sugeriu
que, se autonomia fosse eficiente, a inflação não estaria tão alta. “Por que,
com um banco independente, a inflação está do jeito que está?”, questionou,
ignorando o fato, óbvio, de que a inflação só não está mais alta porque o BC tomou
as providências necessárias. Aliás, pode-se dizer que, não fosse a autonomia do
BC, o então presidente Jair Bolsonaro teria usado a autoridade monetária para
seus propósitos eleitoreiros, mandando criar artificialmente um aumento
momentâneo do poder de compra dos brasileiros para ganhar votos. Talvez até se
reelegesse – vejam só os petistas do que a autonomia do BC nos livrou.
As declarações de Lula, portanto, não
surpreendem ninguém, mas são dignas de lamento. É inacreditável que o
presidente hesite em reconhecer a importância de um marco institucional tão
relevante para o País.
Ao longo de sua história, o PT sempre
defendeu o combate à inflação por meio do controle de preços de combustíveis,
incentivos setoriais e uma política cambial que reduza a volatilidade da moeda.
Não são propostas de um passado distante, mas as diretrizes expressas do
programa apresentado por Lula na campanha eleitoral de 2022.
Esse receituário heterodoxo foi testado e
reprovado no governo de Dilma, quando o BC ignorou os sinais de deterioração da
economia e abriu mão da defesa da moeda, sua função primordial, perdendo o
controle da inflação e da ancoragem das expectativas. A combinação entre juros
em patamares artificialmente baixos e os efeitos de uma política fiscal
expansionista mergulharam o País em uma profunda crise econômica até hoje não
totalmente superada.
Foi após esse contexto que ressurgiu o
debate sobre a autonomia do Banco Central. Um dos pilares do projeto de lei
complementar aprovado pelo Congresso foi o estabelecimento de mandatos fixos
para os diretores e o presidente da instituição em períodos não coincidentes
com os do presidente da República. Longe de representar privilégio aos membros
da autarquia, a proposta deu a eles a blindagem necessária para executar suas
atividades sem pressões políticas do governo de plantão, independentemente de
seu viés político.
Tema completamente superado, a autonomia do
BC é mais um dos vários dogmas aos quais o PT mantém um apego visceral. Quando
Lula a critica, trai a si mesmo, pois sabe que a independência que deu ao BC
lhe garantiu um primeiro mandato tranquilo. Pior: amplia as incertezas e a
volatilidade da economia, desancora as expectativas do mercado e cria um
ambiente propício para que um BC sobre o qual ele não tem qualquer poder ou
ascendência volte a aumentar a taxa básica de juros. Com o enorme desafio de
pacificar o País após os violentos ataques à democracia, Lula deveria abandonar
essa retórica inconsequente. Com esse discurso, ele boicota seu próprio governo
e castiga justamente os mais pobres, que ele diz tanto defender.
Oposição indecente
O Estado de S. Paulo.
É torpe a oposição que, diante dos crimes
do dia 8, insinua que a culpa é da vítima; se quiserem ser levados a sério, os
oposicionistas devem se livrar da imoralidade bolsonarista
Com a derrota eleitoral de Jair Bolsonaro e
sua subsequente fuga para o doce exílio na Flórida, criou-se uma oportunidade
de ouro para que a direita civilizada finalmente se descolasse do fardo imoral
e antidemocrático representado pelo bolsonarismo. Em pouco tempo – porque em
política não há vácuo –, apareceram vários candidatos a ocupar a liderança
desse segmento. Se ainda não se sabe bem qual é o perfil ideal desses novos
dirigentes, sabe-se muito bem o que eles não devem ser: uma cópia mal-ajambrada
de Bolsonaro, pois este representa, acima de qualquer dúvida razoável, tudo
aquilo que a direita democrática deve incondicionalmente rejeitar.
No entanto, com a boca entortada pelo uso
do cachimbo bolsonarista, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, tido como
um dos mais fortes postulantes nessa disputa, mostrou que a torpeza ainda
domina os espíritos dos que deveriam, ao contrário, colaborar para restaurar a
estabilidade do País. Ao comentar a intentona bolsonarista em Brasília no dia 8
de janeiro, o sr. Zema, em entrevista à Rádio Gaúcha, declarou: “Me parece que
houve um erro da direita radical, que é minoria. Houve um erro também, talvez
até proposital, do governo federal que fez vista grossa para que o pior
acontecesse e ele se fizesse de vítima. É uma suposição. Mas as investigações
vão apontar se foi isso”.
Ou seja, para o sr. Zema, a barbárie
bolsonarista foi um mero “erro”, e não um crime contra os Poderes constituídos
e a democracia, ao passo que o governo Lula, segundo a maliciosa interpretação
que viceja nos esgotos da internet, teria feito corpo mole para facilitar a
vida dos vândalos e, em seguida, reclamar o papel de vítima. Fiel ao método
bolsonarista de lançar dúvidas no ar para sugerir que há algum complô em curso,
o sr. Zema acrescentou que se tratava apenas de uma “suposição”.
Não é digno de um governador de Estado
fazer esse tipo de “suposição” motivado por seus interesses políticos pessoais.
Menos ainda de alguém que tem a pretensão de liderar um segmento muito
expressivo da sociedade brasileira, que não se sente representado pelas forças
políticas que saíram vitoriosas da eleição de 2022.
A oposição de que o País necessita, já
defendemos nesta página, deve ser exercida de forma leal, republicana, com
respeito ao interesse público, aos interlocutores, à verdade factual, às leis e
à Constituição. Deve ainda servir como força motriz de um processo de distensão
sem o qual o tecido social pode se romper de tal forma que sua reparação se
torne praticamente impossível. O que menos o Brasil precisa neste momento grave
é de lideranças políticas que fomentem o caos por meio de aleivosias,
conspirações e estímulos à hostilidade entre os cidadãos.
É perfeitamente plausível que os aparatos
de inteligência e segurança montados pelo novo governo federal tenham, de fato,
cometido falhas. Daí a insinuar que essas falhas teriam sido deliberadas, a fim
de produzir supostos ganhos políticos para um governo em seus primeiros dias,
vai uma distância que beira a indecência.
Ademais, o presidente Lula não foi nem de
longe a principal vítima da sanha destruidora dos extremistas, muito menos o
seu governo, que mal começou. A presa maior sob as garras da malta bolsonarista
foi a democracia brasileira. Não alcançar a real dimensão dos fatos, nesse caso
em particular, é má-fé ou ingenuidade. E nem uma coisa nem outra são atributos
de quem pretende liderar a oposição ao PT com responsabilidade.
Sejam quais forem as diferenças a separar
os brasileiros neste momento, manda a decência que se reconheça, sem
tergiversações, que a grande inspiração para o assalto à democracia no dia 8 foram
as inúmeras declarações golpistas de Bolsonaro, e não um suposto complô
maquiavélico do lulopetismo. Quem não for capaz disso não tem condições de
conduzir a oposição numa democracia saudável.
Este jornal se sente no dever de afirmar
que, definitivamente, o espírito que deve animar a postulação do cargo de
liderança da oposição ao governo de Lula da Silva é outro, diametralmente
oposto ao manifestado pelo governador Zema.
Reféns do Pix
O Estado de S. Paulo.
Alta de sequestros aponta necessidade de
mais segurança nas transferências instantâneas
O aumento do número de sequestros no Estado
de São Paulo, revelado pelo Estadão, é preocupante e joga luz sobre um efeito
colateral e indesejado do Pix − o modo de pagamento instantâneo que popularizou
as transferências eletrônicas no País. Atraídos pela facilidade com que é
possível obter e movimentar dinheiro de suas vítimas, sequestradores tiram
proveito do mecanismo criado pelo Banco Central. Eis um crime a ser combatido
com rigor não apenas pela área da segurança pública, mas pelas autoridades do
sistema financeiro.
Em 2022, a Secretaria da Segurança Pública
paulista registrou 165 sequestros no Estado, a maior quantidade dos últimos 15
anos. Pior: o balanço reflete somente a realidade dos primeiros nove meses do
ano − os dados de outubro a dezembro ainda serão incluídos, o que significa que
o total de sequestros tende a aumentar. Vale lembrar que a extorsão mediante
sequestro pode ser registrada apenas como extorsão, ficando de fora das
estatísticas de sequestro. Entre janeiro e setembro de 2022, foram
contabilizados 5 mil casos de extorsão.
O aumento do número de ocorrências vem
acompanhado de uma mudança no perfil das vítimas, escolhidas cada vez mais de
forma aleatória, muitas delas em bairros afastados de áreas nobres. Ou seja, a
falta de segurança, como sempre, atinge diretamente a população mais pobre, que
vive em localidades com menos policiamento − algo a ser levado em conta pela
Secretaria da Segurança Pública na distribuição de seus efetivos. Outra
estratégia dos sequestradores envolve o uso de aplicativos de relacionamento,
com alguém da quadrilha iludindo a vítima, que é rendida ao chegar para o que
imaginava ser um encontro.
Em qualquer dos casos, o modus operandi
costuma ser o mesmo: o refém é mantido em cativeiro por horas, enquanto são
feitas transações bancárias. Do ponto de vista dos sequestradores, conforme o
pesquisador Alan Fernandes, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, essa modalidade
de sequestro em que a própria vítima informa senhas ou faz transferências por
aplicativo é mais segura do que o modelo tradicional, em que os criminosos
precisam pedir resgate a terceiros.
Por óbvio, a tecnologia não é responsável
pelo crime. Por trás de cada sequestro, há quadrilhas que devem ser combatidas
com inteligência pelas forças policiais. Nesse sentido, o fato de que o número
de presos pela Divisão Antissequestro da Polícia Civil tenha mais do que
dobrado em 2022, na comparação com 2021, revela disposição em enfrentar o
problema. Mas é preciso avançar também na esfera tecnológica, criando soluções
que reduzam riscos e ofereçam mais segurança aos usuários do Pix. Do contrário,
a atuação policial corre o risco de enxugar gelo.
Ao Estadão, o Banco Central lembrou que criminosos já se valiam de outros mecanismos de transferência eletrônica, caso da TED, muito antes do Pix. Ora, a popularização do Pix não tem precedentes. O BC sabe disso e fará bem se agir com determinação. A mesma tecnologia que facilita a vida de milhões de pessoas há de apontar caminhos para impedir que o Pix sirva à prática de crimes.l
Lula critica meta de inflação e autonomia
do BC
Valor Econômico
Lula é pragmático e não faz sempre o que
diz e pensa
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva cria
problemas para seu próprio governo, algo que não ocorria com frequência em seus
dois mandatos anteriores, e muito menos no início deles. Primeiro, foi a
contraposição esquemática entre responsabilidade fiscal e responsabilidade
social, que criou ondas de intranquilidade nos investidores. Ontem, foi a vez
de Lula expor suas ideias sobre a autonomia do Banco Central e as metas de
inflação, ambas negativas. Se da primeira vez a mensagem sugeria desprezo por
austeridade fiscal, a segunda sugere leniência com a inflação, “porque o Brasil
precisa crescer”, disse, ao indicar meta de 4,5%. A meta hoje é 3,25%.
Em entrevista à Globo News, Lula disse que
“é uma bobagem achar que um Banco Central independente vai fazer mais do que
fez o Banco Central quando o presidente é quem indicava”. O novo arranjo
institucional, aprovado em 2021, prevê um BC autônomo, não independente, com
mandatos não coincidentes entre a escolha do presidente da autoridade monetária
e o da República. O principal motivo para isso é permitir que o BC possa agir
para garantir a estabilidade da moeda mesmo que suas ações contrariem
interesses políticos ou eleitorais do chefe do Executivo. Pelo velho arranjo, o
presidente do BC poderia ser demitido e substituído por um nome dócil ao
Executivo, para realizar uma política monetária de acordo com seus desejos.
Lula nunca fez isto. Mas poderia.
Ainda assim, no ano eleitoral de 2010, Lula
não poupou estímulos para eleger sua sucessora, Dilma Rousseff, colhendo uma
inflação de 5,91%, a maior de seu segundo mandato. Ela rondaria esse nível com
Dilma, até chegar a 10,67% em 2015. Quando o BC derrubou juros com a inflação
em ascensão, em 2011, houve sérios questionamentos sobre interferências do
Planalto nas decisões de política monetária. A Selic caiu até 7,25% e teve de
retomar trilha ascendente em seguida, até 14,25%.
Lula indagou, na entrevista, “por que não
faz 4,5%, como fizemos?”. Concluiu: “A economia brasileira precisa voltar a
crescer”. Ontem, em reunião com reitores, voltou à carga, questionando o motivo
de se ter uma Selic de 13,5%. “O BC é independente, a gente poderia não ter nem
juro”, ironizou, sugerindo a irrelevância da autonomia do BC.
Lula é pragmático e não faz sempre o que
diz e pensa. As afirmações recentes são de lavra similar à de membros do
governo de Dilma, de que um pouco mais de inflação pode ser bom porque traz um
pouco mais de crescimento. No caso da ex-presidente, trouxe a pior recessão em
sete décadas de história republicana. Com estímulos fiscais, no último mandato
de Lula, a economia cresceu 7,5%, atiçou a inflação e nunca mais houve expansão
sequer parecida.
Quanto à magnitude da taxa, Lula tem um
histórico melhor, mas não muito. A menor taxa Selic de seu governo foi de
8,75%, até meados de junho, na entrada do período eleitoral. Sobre o sacrifício
ao crescimento, ele ocorreu duas vezes em seus mandatos, quando o IPCA ficou
abaixo do centro da meta, em 3,14%, em 2006 e 2007 (4,46%), em 4,46%. No
sistema de metas, inflação abaixo do centro significa que a taxa de juros
praticada foi excessiva e freou mais do que era necessário a economia, como
agora o presidente insinua que o BC esteja fazendo.
Não há obstáculos para mudar a meta de
inflação - o Conselho Monetário Nacional pode revisar os objetivos dos próximos
anos. Elevá-la a 4,5%, como sugere Lula, mantendo intervalo de variação de
1,75%, permitiria uma acomodação pelo teto de 6,25%. No entanto, a experiência
dos governos petistas demonstrou que quando o IPCA se aproximou de 6%, o BC não
conseguiu impedí-lo mais de subir, até porque, ao focar crescimento, já se tornara
linha de menor resistência deixar de mirar o centro em troca do intervalo
superior.
Como as palavras do presidente podem ter
consequências, há instrumentos para o governo mexer na política monetária. Além
da mudança da meta, ele tem de indicar até o fim de fevereiro o novo diretor de
Política Monetária, cargo de importância só inferior ao do presidente do BC, e
o novo diretor de fiscalização. A escolha de nomes “heterodoxos” pode provocar
divisão do Copom e dores de cabeça para Roberto Campos Neto. Em 2024, mais dois
diretores serão substituídos. Com a política monetária pisando no freio, o
custo de levar à frente um crescimento forçado da economia será alto. As várias
declarações de Lula deixam no ar a desagradável suspeita de que há gente no
Planalto pensando nisso.
O Globo está com saudades da direção segura e sem derrapagens do grande piloto Paulo Jegues...
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