quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Sem mártires

Folha de S. Paulo

Abuso de prisão preventiva não é o melhor caminho para punir os golpistas de 8/1

As distorções do sistema de Justiça brasileiro, que acabam por confundir os cidadãos acerca do papel das penas e de outros recursos da persecução penal, não poderiam deixar de aflorar no caso dos ataques às sedes dos Três Poderes.

As centenas de prisões em flagrante de investigados por tentar subverter a democracia e depredar patrimônio público foram importantes para estancar a baderna, desestimular a sua propagação e assegurar os primeiros passos de apurações e processos criminais.

A reação inicial enérgica embasou iniciativas como as da Advocacia-Geral da União, de requerer o bloqueio judicial do patrimônio de pessoas e empresas suspeitas de participarem da destruição. O objetivo, afinal, é que os culpados, ao fim do devido processo legal, cumpram suas sentenças e paguem do bolso pela agressão selvagem ao bem comum dos brasileiros.

Não se pode confundir, entretanto, esse nobre desiderato com a manutenção de quase um milhar de pessoas detidas —agora em regime preventivo, sem prazo para terminar. Esse tipo de prisão não tem a função de punir ninguém.

Trata-se de recurso extremo e excepcional, previsto no Código de Processo Penal para impedir que um indivíduo ainda não julgado cometa atos como atrapalhar investigações, fugir ou voltar a delinquir. A regra é responder em liberdade.

Mais de 15 dias depois da grande maioria das detenções, a força-tarefa encarregada dos inquéritos já deveria estar se aproximando do núcleo de golpistas perigosos, seja pela sua capacidade de liderança, seja por serem reincidentes no crime. Apenas a esse grupo restrito a melhor prática recomenda reservar a cautela da prisão preventiva.

Os demais que possuam endereço fixo e bons antecedentes têm direito de enfrentar as acusações fora da cadeia. Opções menos gravosas que a cela —como monitoria eletrônica, prisão domiciliar e afastamento de função pública— ajudariam em casos intermediários.

O Estado democrático de Direito obriga-se a garantir, inclusive aos celerados do autoritarismo, as prerrogativas do amplo contraditório e da presunção da inocência antes de sentença condenatória.

Deslizar para uma plataforma de punições indiscriminadas, adotando heterodoxias na aplicação da lei ainda que de boa-fé, seria jogar o jogo em que os inimigos da democracia se refestelam. Como afirmou o ex-ministro Nelson Jobim, partir para uma reação desse tipo seria fortalecer o bolsonarismo.

Os extremistas praticam a sintaxe do fanatismo milenarista, e fornecer-lhes candidatos a mártir é má estratégia. Mais sábio é garantir que os acusados usufruam de todos os direitos e sejam responsabilizados na medida de suas culpas.

Espiral peruana

Folha de S. Paulo

Protestos violentos refletem trajetória instável e corrosão da democracia

A aventura golpista de Pedro Castillo, ex-presidente do Peru, deixou graves sequelas. Parte de seus apoiadores vem realizando protestos, não raro violentos. O número de mortos passa de 50, e está ameaçada a continuidade do governo de Dina Boluarte, sucessora constitucional do populista deposto.

Os sinais de fragilidade do sistema político do país vizinho, cumpre notar, estão presentes desde o restabelecimento da democracia após o regime de Alberto Fujimori.

Alejandro Toledo (2001-2006) experimentou taxas de apenas 8% de aprovação. Sob sua gestão, marcada por uma série de escândalos pessoais e suspeitas de corrupção, teve início um ciclo consistente de crescimento econômico que funcionou como uma espécie de antídoto contra a destituição.

Algo semelhante ocorreu com Alan García (2006-2011) e Ollanta Humala (2011-2016). Ambos terminaram os mandatos com baixa popularidade, apesar de o crescimento econômico (salvo na crise de 2009) ficar bem acima da média regional —esse fenômeno ficou conhecido como paradoxo peruano.

Mudanças foram observadas a partir da eleição de Pedro Pablo Kuczynski, em 2016. A economia —de base liberal, mantida mesmo por líderes mais à esquerda— continuou a produzir bons indicadores, mas a instabilidade política deixou de refletir-se apenas em pesquisas de popularidade: desde o impeachment de Kuczynski, em 2018, o Peru teve cinco presidentes.

Nem mesmo os líderes de governos anteriores foram poupados. Toledo está retido nos EUA, onde aguarda extradição para ser julgado por corrupção; García se suicidou em 2019, após ter prisão preventiva decretada; Humala também foi detido, mas hoje responde ao processo em liberdade.

Especialistas debatem o que estaria por trás da instabilidade peruana. Parte do problema deve-se ao desenho institucional do país.

Desequilíbrios entre os Poderes colocam o Executivo em conflito com o Legislativo, que tem facilidade para destituir o presidente. Esquemas de corrupção também entram na receita, além do esvaziamento dos partidos políticos, que se converteram em legendas de aluguel e grupos de interesse.

A população, especialmente a mais vulnerável, percebe a situação como um fracasso do regime democrático e se entrega aos protestos. Como não se vislumbram mudanças concretas, a crise política peruana tende a perdurar.

‘Carinho’ com ditadores

O Estado de S. Paulo.

Diplomacia com Venezuela e Cuba é do interesse do Brasil. Mas tratamento privilegiado a suas ditaduras perpetua sofrimento de seus povos e, de quebra, pode lesar o bolso dos brasileiros

O presidente Lula da Silva anunciou que vai restabelecer a “normalidade diplomática” com a Venezuela em dois meses. Faz muito bem. No entanto, coisa muito diferente é sua promessa de “tratar Venezuela e Cuba com muito carinho”.

Países não têm amigos, têm interesses. Com a Venezuela, em especial, o Brasil compartilha mais de 2 mil km de fronteiras e tem relações comerciais históricas: a Venezuela importa quase 80% de tudo o que consome, incluindo muitos produtos agropecuários brasileiros, e tem uma das maiores reservas de petróleo do mundo, exportando ao Brasil toda uma série de derivados petroquímicos. Além de seus interesses comerciais, o Brasil precisa de uma representação na Venezuela que resguarde os direitos dos mais de 20 mil brasileiros que lá vivem, assim como de uma representação da Venezuela que ajude a resguardar os direitos dos cerca de 340 mil imigrantes e refugiados venezuelanos no Brasil.

Mas normalidade diplomática não significa tratar como normais ditaduras militares, comandadas por caudilhos e seus clãs, que mergulham seus povos a cada dia mais na opressão e na miséria. Se a ideia é respeitar os povos venezuelano e cubano, o melhor começo é reconhecer que vivem sob Estados de exceção. Mas Lula, que já disse que a Venezuela tem “excesso” de democracia, insiste em tratar esses regimes totalitários não só como democracias plenas, mas como vítimas do imperialismo norte-americano. Afinal, como disse recentemente, não fosse pelo embargo dos EUA, Cuba seria uma “Holanda”, ou seja, uma democracia capitalista com irretocável histórico de tolerância civil, política e religiosa.

“O que eu quero para o Brasil, quero para a Venezuela: respeito à minha soberania e respeito à autodeterminação do meu povo”, disse Lula. Afora os delírios bolsonaristas à época de Donald Trump, que não encontraram um mínimo respaldo nos poderes civis e militares brasileiros, o Brasil nunca representou qualquer ameaça à soberania da Venezuela. Já invocar a autodeterminação do povo venezuelano ou cubano – como se tivessem livremente se autodeterminado a serem oprimidos pelas tiranias mais brutais da América Latina – é um insulto.

Lula poderia criticar os embargos, como fazem muitos analistas geopolíticos, por serem contraproducentes. Se retirados, eles poderiam dinamizar a economia desses países, insuflar o anseio por mais liberdade e eliminar o pretexto de seus déspotas para sustentar seu Estado policialesco. Mas é no mínimo curioso que ele considere que esses países são oprimidos por um regime “imperialista” que se autodeterminou a não fazer negócios com eles. Afinal, se o socialismo é tão superior ao capitalismo, por que eles precisariam da maior potência capitalista do mundo para serem livres e prósperos?

Acrescentando insulto à injúria, Lula não só escarnece do sofrimento dos venezuelanos e cubanos, como dá sinais de que pode sobrepor suas amizades aos interesses do Brasil – de novo.

Lula diz que o BNDES voltará a financiar projetos para “ajudar” países vizinhos. Como se sabe, nas mãos do PT, o BNDES torrou dinheiro público em projetos sem relevância para o interesse nacional, liberando financiamentos a empresas brasileiras contratadas por governos estrangeiros para grandes obras. Muitos desses financiamentos foram mantidos sob sigilo e praticamente todos foram dados a empresas envolvidas nos esquemas investigados pela Lava Jato. Na prática, o BNDES se tornava credor do contratante a juros camaradas subsidiados com o dinheiro do contribuinte.

Só os calotes de Cuba e Venezuela somam mais de US$ 529 milhões – quase R$ 2,7 bilhões. Como o risco foi assumido inteiramente pelo governo brasileiro, o BNDES acionou o Fundo de Garantia à Exportação do Tesouro. Ou seja, quem quitou a dívida não foram nem as empreiteiras nem os governos estrangeiros, mas o contribuinte brasileiro.

Em outras palavras, o “carinho” de Lula com ditadores companheiros não só ajuda a perpetuar a miséria e a opressão das populações sob seu tacão, mas pode custar muito caro ao bolso dos brasileiros.

Justiça não é vingança

O Estado de S. Paulo.

Pacificação política exige a punição dos radicais, mas também um exame de consciência de todas as forças democráticas, que precisam se desvencilhar de quaisquer ânimos retaliatórios

A democracia saiu ou não saiu fortalecida após 8 de janeiro? Com essa interrogação, que tem perpassado os corações e mentes de todos os brasileiros, a Fundação Fernando Henrique Cardoso promoveu um debate sobre o tema com Nelson Jobim, ex-ministro da Defesa e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, e a socióloga Maria Hermínia Tavares de Almeida, com mediação do cientista político Sergio Fausto.

Jobim e Maria Hermínia concordam: a democracia saiu mais forte. Mais que uma impressão, essa confiança é corroborada pelas diversas manifestações cívicas nas últimas semanas. A esmagadora maioria da população quer paz e não apoia manobras autoritárias. Este ânimo foi representado no dia seguinte àquele domingo infame, no gesto de solidariedade entre os representantes dos Três Poderes, os governadores da Federação e representantes dos municípios. Mas a própria amplitude dessa reunião mostra que a ameaça é grave. A democracia saberá se fortalecer? Eis a questão realmente desafiadora.

A resposta, em tese, já foi dada pela Constituição: o vigor da democracia depende da combinação entre a força da lei e a concertação política. Na prática, cabe a todos um profundo exame de consciência sobre suas responsabilidades. Como elas são interdependentes, não haverá paz firme e duradoura sem diálogo franco e consistente entre a sociedade e o poder público, entre civis e militares, entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário e entre a direita e a esquerda.

Há, primeiro, as responsabilidades mais evidentes. A direita e as Forças Armadas precisam se engajar em um trabalho de depuração: qualquer laivo de conivência com o golpismo é intolerável. A direita republicana precisará construir uma oposição responsável e organizar estruturas partidárias eleitoralmente competitivas e ideologicamente consistentes. As Forças Armadas precisam investigar e prestar contas à população de quem foi leniente ou cúmplice com as mobilizações antidemocráticas.

Mas as esquerdas, em especial o governo petista, o alvo maior dos vândalos, também têm um papel na pacificação política. Como disse Jobim, com conhecimento de causa de quem foi ministro da Defesa no governo Lula, houve uma “euforia injustificada” do PT na vitória eleitoral, porque ela foi estreita e não foi só do partido, mas, sobretudo, daqueles que não queriam mais Bolsonaro no poder. Mas o governo tem mostrado pouca abertura aos desconfiados, isto é, à maioria do eleitorado das Regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste e das classes médias e altas, que rejeitam seu projeto desenvolvimentista.

A Justiça precisa mostrar rigor à altura da ameaça. Mas é crucial que esse rigor se volte sobre a própria forma de seus atos e os limites de suas competências. Como apontou Jobim, quando adversários políticos se transformaram em inimigos, a política começou a perder sua capacidade de administrar conflitos, e os próprios políticos levaram à Suprema Corte suas desavenças. Mas essa judicialização da política acabou levando à politização da Justiça, que passou a tomar muitas decisões que caberiam ao Legislativo ou ao Executivo.

Todos esses protagonistas têm lições a recolher da história. Da Independência à Proclamação da República e ao nascimento da Nova República, o Brasil tem um histórico de rupturas necessárias, mas conduzidas através de acomodações e compromissos pacíficos. É preciso resgatar esse patrimônio.

Isso não significa impunidade. O maior responsável pelos atentados tem nome e sobrenome: Jair Bolsonaro. Mas, se a sua responsabilização, e a de seus seguidores, não for realizada com o rigor do devido processo legal, segundo a verdade dos fatos, o radicalismo sairá mais forte e a democracia, mais fraca. “Temos de saber ter tolerância”, disse Jobim. “Se nós, se o governo, se os democratas, começarem a fazer uma retaliação generalizada, vamos ter radicalização, e aí Bolsonaro se fortalece.” Tolerância não é indiferença. Mas a tentação à indiferença é agora o menor dos riscos. Muito mais importante é que as forças democráticas se lembrem, e reforcem umas nas outras, a consciência de que justiça não é vingança.

Perigo sobre duas rodas

O Estado de S. Paulo.

Acidentes de moto puxam alta de mortes no trânsito de SP e cobram respostas das autoridades

O Estadão informou que 859 pessoas perderam a vida nas ruas e avenidas da cidade de São Paulo em acidentes de trânsito no ano passado − o maior número desde 2016 e um aumento de 18,8% em relação a 2021. A mais nova estatística dessa tragédia cotidiana reflete, em larga medida, um problema que se agrava não só na capital, mas no Estado de São Paulo e no País: a morte de motociclistas. Do total de vítimas de colisões na capital no ano passado, quase a metade era de condutores e passageiros de motos. Uma realidade que precisa mudar.

Os dados do Sistema de Informações Gerenciais de Acidentes de Trânsito de São Paulo (Infosiga) impressionam: entre 2021 e 2022, a quantidade de motociclistas mortos na capital aumentou 29% − de 313 para 405 óbitos, o maior número absoluto dos últimos oito anos. Isso equivale, em média, a pelo menos um óbito por dia: um flagelo diário que evidencia que as atuais ações de prevenção e fiscalização resultam insuficientes e claramente precisam ser aperfeiçoadas – sobretudo ante o aumento exponencial de motos e de motoqueiros na cidade.

A frota de motocicletas, com seus preços mais acessíveis, deu um salto nas últimas décadas em todo o Brasil. Nas grandes cidades − e São Paulo é exemplo disso −, o veículo serve a um imenso contingente de trabalhadores que prestam serviços de entrega. Como informou o Estadão, um em cada cinco motociclistas na capital atua profissionalmente: um universo de 200 mil motoboys cuja remuneração costuma ser proporcional à quantidade de entregas. Eis, portanto, mais um fator de risco, na medida em que a pressa e a velocidade abrem caminho para acidentes. É de esperar que a busca de soluções para aumentar a segurança de quem dirige moto em São Paulo envolva trabalhadores e empresas do setor. Todos têm a ganhar com isso.

A maioria dos motociclistas mortos na capital, no ano passado, era de homens de 18 a 24 anos. Portanto, jovens sem longa experiência no trânsito. Esse tipo de informação acerca das vítimas pode ser útil no planejamento de ações destinadas a reduzir a mortalidade no trânsito. Prevenção e fiscalização são palavras-chave para conter a escalada de mortes, além de planejamento viário. No caso da prevenção, campanhas de comunicação produzem melhores resultados quando se sabe o público que se quer atingir.

Infelizmente, como noticiou o Estadão, as mortes no trânsito cresceram também no Estado de São Paulo: um acréscimo de 10% no ano passado, na comparação com 2021, totalizando 5.348 óbitos. A exemplo da capital, o número de motociclistas tem crescido entre as vítimas paulistas, sinal da abrangência do problema. Na década de 1990, o País foi capaz de reagir à trágica realidade do trânsito nacional. Em 1997, o Congresso aprovou o Código de Trânsito Brasileiro, um avanço em muitos sentidos. De lá para cá, já se passaram 25 anos, mas persistem dificuldades para dar efetividade à lei, um desafio a ser superado com urgência. Um bom começo seria fazer valer o que vai na lei e também educar motoristas e motoqueiros para que se respeitem e obedeçam as regras de trânsito. Parece uma obviedade, mas os números de mortos mostram que o óbvio está muito distante.

Governo tem de expulsar garimpo de terras indígenas

O Globo

Situação trágica dos ianomâmis revela necessidade de plano robusto para resgate da lei na Amazônia

A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Roraima na semana passada, para ver de perto a situação dos índios ianomâmis, trouxe para o noticiário o quadro trágico de subnutrição, malária e doenças respiratórias responsáveis pela morte dos indígenas, em especial crianças. As imagens chocaram o país e o mundo.

A situação resulta do descaso do governo Jair Bolsonaro com os povos originários. Diante da leniência das autoridades, vastas áreas de reservas indígenas foram entregues à exploração de madeireiros e garimpeiros, em desafio ao que determinam a lei e a Constituição. Ainda no ano passado, o Ministério Público Federal fez um alerta à equipe de transição. Constatou que as áreas de garimpo em terras indígenas cresceram 862% desde o primeiro governo de Dilma Rousseff. Não apenas os 28 mil ianomâmis estão ameaçados. As reservas com maior área ocupada pelo garimpo ilegal são dos caiapós e mundurucus, ambas no Pará.

O novo governo, que assumiu com a missão de desfazer o legado de Bolsonaro na Amazônia, tem a obrigação de reverter esse quadro. Ainda na sexta-feira, o Ministério da Saúde decretou estado de emergência em saúde pública. A ministra Nísia Trindade anunciou melhorias na Casa de Apoio à Saúde Indígena, em Roraima, e reforços ao SUS da região. São corretas as primeiras medidas, mas é imprescindível trazer logo mais médicos e profissionais ao Distrito Especial Indígena Ianomâmi. Sem estrutura, será impossível prestar assistência básica para evitar que doenças triviais como pneumonia ou diarreia se tornem fatais.

A atenção de emergência e os primeiros socorros devem ser apenas o começo de um plano interministerial mais robusto para expulsar os criminosos das reservas indígenas, afastá-los do contato direto com os índios, fechar garimpos que envenenam os rios da região e explorações de madeira que desmatam a floresta. Não será uma situação fácil de resolver. As estimativas falam em 20 mil garimpeiros apenas nas terras ianomâmis. Na busca por ouro, eles assoreiam e poluem os rios com mercúrio, outra causa de doenças na população. Um estudo da Polícia Federal avaliou que o nível de mercúrio nas águas da região está em quase 90 vezes o tolerável para o ser humano.

Ao envenenamento dos peixes se soma o desmatamento de áreas férteis, antes cultivadas pelos indígenas. Isso reduz a disponibilidade de alimentos e leva à desnutrição. Outro problema é a falta de mão de obra em aldeias para caçar, pescar e cultivar a roça, pois jovens indígenas têm sido aliciados por garimpeiros com drogas, bebidas e armas, conta o pesquisador Estêvão Benfica Senra, do Instituto Socioambiental. Não faz muito tempo que os ianomâmis estão em contato com outras populações, portanto ainda não têm memória imunológica coletiva capaz de protegê-los de doenças contagiosas.

A reserva ianomâmi tem cerca de 10 milhões de hectares, entre Amazonas e Roraima, onde fica a maior parcela das terras indígenas. São ao todo 371 comunidades de difícil acesso, distribuídas em meio à floresta densa, onde ainda há indígenas isolados, sem nenhum contato com o mundo exterior. É uma área que o país precisa saber preservar, tanto por razões humanitárias quanto ambientais. A visita de Lula a Roraima foi importante por reforçar a importância que o governo dá à crise indígena e à destruição da Amazônia. Agora vem a parte mais difícil.

Alta nos acidentes com motos exige ação das autoridades

O Globo

Só na cidade de São Paulo houve 405 mortes de motociclistas no ano passado, mais de uma por dia

A frota nacional de motocicletas saltou de 4 milhões em 2000 para 31,2 milhões em setembro passado. Em todas as regiões houve forte expansão. O Sudeste ainda reúne o maior número de motos, mas em 2007 o Nordeste ultrapassou o Sul e se firmou no segundo lugar. Não é por outra razão que, no sertão, se diz que as motos tomaram o lugar dos jegues. Com o crescimento, aumentaram também os acidentes, atropelamentos e mortes. Embora governos municipais e estaduais estejam atentos ao problema, é urgente redobrar os esforços.

No Estado de São Paulo, onde se concentra a maior frota, os motociclistas e seus passageiros estão em primeiro lugar nas estatísticas das vítimas do trânsito. Eles são quatro em cada dez mortes. Em 2022, morreram 8% a mais que no ano anterior (num total de 2.089). Só na capital paulista, houve 405 mortes, mais de uma por dia (maior número na série histórica que começa em 2015). A maior parte das vítimas tinha entre 18 e 24 anos. Outras capitais brasileiras têm registrado estatísticas preocupantes.

Parte da explicação está obviamente na explosão dos serviços de entrega e consequente aumento no número de motos em circulação. Só na cidade de São Paulo são feitos 3 milhões de entregas por dia, segundo estimativa do Sindicato dos Mensageiros, Motociclistas, Ciclistas e Mototaxistas de São Paulo (Sindimotos). Há, porém, outros fatores que merecem atenção.

Não é preciso ficar mais do que dez minutos em qualquer cruzamento de avenidas movimentadas para presenciar a imprudência de motociclistas. Manobras arriscadas, velocidade acima do permitido, ultrapassagens pelo lado direito e desrespeito ao sinal são corriqueiros.

O histórico dos anos da pandemia revela o peso da condução irresponsável. Em 2020, houve queda significativa no tráfego, mas as vítimas fatais em acidentes envolvendo motos na capital paulista se mantiveram no mesmo patamar de 2019. Em 2021, quando o movimento nas ruas ainda não havia voltado ao normal, as mortes aumentaram na comparação com o ano anterior.

O país carece de estudos periódicos, robustos e de âmbito nacional para analisar as causas dos acidentes com motos. Pode haver problemas na qualidade do asfalto ou sinalização, mas é evidente que o desprezo pelas normas de trânsito, embriaguez e imprudência têm papel considerável. Tais problemas exigem ação do poder público.

Prefeituras e governos estaduais tentam se defender dizendo que já existem programas voltados para reduzir as mortes de motociclistas no trânsito. A questão a examinar é se funcionam a contento. O crescimento das mortes mostra que é necessário ao menos reavaliar as políticas adotadas. É essencial haver campanhas de educação, fiscalização e punição às irregularidades e cobrança de responsabilidade das empresas de entrega.

Caso da Americanas testará a nova lei de recuperação

Valor Econômico

No Brasil, apenas 24% das grandes e 9% das pequenas empresas saem da recuperação judicial

No dia em que a Americanas divulgou a existência de “inconsistências contábeis” em seu balanço, a manchete do caderno de Legislação & Tributos do Valor havia sido “Volume de pedidos de recuperação judicial deve crescer neste ano”. Apenas oito dias depois, sem explicações convincentes e pressionada pelos bancos e acionistas, a Americanas entrou na Justiça com pedido de recuperação judicial com dívida de R$ 43 bilhões, mais do que o dobro do estimado inicialmente, junto a 16,3 mil credores.

A expectativa de aumento dos recursos à recuperação judicial neste ano é justificada pela persistência dos juros altos, que encareceram linhas de crédito tomadas quando as taxas estavam bem mais baixas, e pelo fim do represamento dos pedidos, observado desde o início da pandemia. Ajudadas por programas de apoio do governo do então presidente Jair Bolsonaro, muitas empresas evitaram nos últimos anos a recuperação judicial, cujos pedidos caíram de 1.179 em 2020 para 841 em 2021 e 833 em 2022, o menor patamar desde 2014. Os bancos e credores mostravam-se mais dispostos a negociar do que agora.

Com R$ 43 bilhões em dívidas, a recuperação judicial da Americanas é a quarta maior do mercado. A empresa deverá ser o primeiro grande teste das novas regras de recuperação judicial, estabelecidas pela Lei 14. 112, promulgada em dezembro de 2020. A nova lei teve 14 vetos do então presidente Jair Bolsonaro. O Congresso derrubou 12 e em março de 2021 finalmente entrou em vigor.

Passado quase um ano, ainda há apreensão sobre como os juízes interpretarão as novas regras. Um ponto de preocupação é o superpoder conferido ao Fisco, que poderá pedir a falência da empresa que descumprir o parcelamento fiscal ou o acordo estabelecido na recuperação judicial ou que manobre para produzir o esvaziamento patrimonial.

Outra novidade é a possibilidade de os credores apresentarem um plano alternativo de reestruturação do passivo caso a sugestão oferecida pela empresa não tenha sido aprovada. No caso da Americanas, se prevalecer o antagonismo de posições exibido nas primeiras conversas, a alternativa pode ser colocada em prática. Há dúvidas a respeito de como o Poder Judiciário se posicionará em casos desse tipo e nas divergências em discussões sobre a viabilidade financeira e operacional do plano.

Entre os vetos derrubados pelo Congresso, um dos especialmente bem-vindos pelo meio jurídico é o que estabelece que os investidores que adquirirem bens de empresas em recuperação judicial não terão responsabilidade sobre as obrigações de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária ou trabalhista do devedor. O dispositivo foi considerado importante porque dá segurança jurídica para o comprador.

Com a intervenção do Congresso foram restabelecidos benefícios fiscais às empresas em recuperação judicial, que não pagarão PIS e Cofins sobre o valor perdoado das dívidas e poderão usar o prejuízo fiscal para abater IR e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Sem limite de valor, o prejuízo fiscal pode pagar também a tributação incidente sobre os ganhos que as empresas em recuperação tenham com a venda de bens de direitos.

A nova lei consolidou aperfeiçoamentos que vinham ganhando contornos na jurisprudência caso a caso, como mecanismo de financiamento de empresas em recuperação judicial por meio do Debtor in Possession Financing (DIP), homologado judicialmente após aprovação pela maioria dos credores, e a possibilidade de prorrogação do “stay period” de 180 dias, período em que parte dos débitos não são cobrados.

Quando a lei de recuperação judicial foi revista, o governo pretendia melhorar o desempenho do Judiciário, pré-requisito para a entrada na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e para a melhora dos escores de competitividade. O baixo índice de recuperação das empresas que pedem recuperação judicial é um dos aspectos particularmente negativos.

No Brasil, apenas 24% das grandes e 9% das pequenas saem da recuperação judicial. O prazo médio de um processo desse tipo é de quatro anos no Brasil, superior aos 2,9 anos médios na América Latina e de 1,8 ano nos países desenvolvidos. A recuperação dos créditos também é reduzida, de 14,9% no Brasil para 30,9% na América Latina e 71,2% na OCDE. O caso da Americanas poderá ser uma resposta a esses desafios.

2 comentários:

  1. Lula não pode passar pano na esquerda repressora de Venezuela e Cuba.

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  2. Já ouvi,sim,o presidente dizer que gostaria que Cuba tivesse democracia,ele só precisa ser mais incisivo.

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