Sem mártires
Folha de S. Paulo
Abuso de prisão preventiva não é o melhor
caminho para punir os golpistas de 8/1
As distorções do sistema de Justiça
brasileiro, que acabam por confundir os cidadãos acerca do papel das penas e de
outros recursos da persecução penal, não poderiam deixar de aflorar no caso dos
ataques às sedes dos Três Poderes.
As centenas de prisões em flagrante de
investigados por tentar subverter a democracia e depredar patrimônio público
foram importantes para estancar a baderna, desestimular a sua propagação e
assegurar os primeiros passos de apurações e processos criminais.
A reação inicial enérgica embasou
iniciativas como as da Advocacia-Geral da União, de requerer o bloqueio
judicial do patrimônio de pessoas e empresas suspeitas de participarem da
destruição. O objetivo, afinal, é que os culpados, ao fim do devido
processo legal, cumpram suas sentenças e paguem do bolso pela agressão selvagem
ao bem comum dos brasileiros.
Não se pode confundir, entretanto, esse
nobre desiderato com a manutenção de quase um milhar de pessoas detidas —agora
em regime preventivo, sem prazo para terminar. Esse tipo de prisão não tem a
função de punir ninguém.
Trata-se de recurso extremo e excepcional, previsto no Código de Processo Penal para impedir que um indivíduo ainda não julgado cometa atos como atrapalhar investigações, fugir ou voltar a delinquir. A regra é responder em liberdade.
Mais de 15 dias depois da grande maioria
das detenções, a força-tarefa encarregada dos inquéritos já deveria estar se
aproximando do núcleo de golpistas perigosos, seja pela sua capacidade de
liderança, seja por serem reincidentes no crime. Apenas a esse
grupo restrito a melhor prática recomenda reservar a cautela da prisão
preventiva.
Os demais que possuam endereço fixo e bons
antecedentes têm direito de enfrentar as acusações fora da cadeia. Opções menos
gravosas que a cela —como monitoria eletrônica, prisão domiciliar e afastamento
de função pública— ajudariam em casos intermediários.
O Estado democrático de Direito obriga-se a
garantir, inclusive aos celerados do autoritarismo, as prerrogativas do amplo
contraditório e da presunção da inocência antes de sentença condenatória.
Deslizar para uma plataforma de punições
indiscriminadas, adotando heterodoxias na aplicação da lei ainda que de boa-fé,
seria jogar o jogo em que os inimigos da democracia se refestelam. Como afirmou
o ex-ministro Nelson Jobim, partir para uma reação desse tipo seria fortalecer
o bolsonarismo.
Os extremistas praticam a sintaxe do
fanatismo milenarista, e fornecer-lhes candidatos a mártir é má estratégia.
Mais sábio é garantir que os acusados usufruam de todos os direitos e sejam
responsabilizados na medida de suas culpas.
Espiral peruana
Folha de S. Paulo
Protestos violentos refletem trajetória
instável e corrosão da democracia
A aventura
golpista de Pedro Castillo, ex-presidente do Peru, deixou graves sequelas.
Parte de seus apoiadores vem realizando protestos, não raro violentos. O número
de mortos passa de 50, e está ameaçada a continuidade do governo de Dina
Boluarte, sucessora constitucional do populista deposto.
Os sinais de fragilidade do sistema
político do país vizinho, cumpre notar, estão presentes desde o
restabelecimento da democracia após o regime de Alberto Fujimori.
Alejandro Toledo (2001-2006) experimentou
taxas de apenas 8% de aprovação. Sob sua gestão, marcada por uma série de
escândalos pessoais e suspeitas de corrupção, teve início um ciclo consistente
de crescimento econômico que funcionou como uma espécie de antídoto contra a
destituição.
Algo semelhante ocorreu com Alan García
(2006-2011) e Ollanta Humala (2011-2016). Ambos terminaram os mandatos com
baixa popularidade, apesar de o crescimento econômico (salvo na crise de 2009)
ficar bem acima da média regional —esse fenômeno ficou conhecido como paradoxo
peruano.
Mudanças foram observadas a partir da
eleição de Pedro Pablo Kuczynski, em 2016. A economia —de base liberal, mantida
mesmo por líderes mais à esquerda— continuou a produzir bons indicadores, mas a
instabilidade política deixou de refletir-se apenas em pesquisas de
popularidade: desde o impeachment de Kuczynski, em 2018, o Peru teve cinco
presidentes.
Nem mesmo os líderes de governos anteriores
foram poupados. Toledo está retido nos EUA, onde aguarda extradição para ser
julgado por corrupção; García se suicidou em 2019, após ter prisão preventiva
decretada; Humala também foi detido, mas hoje responde ao processo em
liberdade.
Especialistas debatem o que estaria por
trás da instabilidade peruana. Parte do problema deve-se ao desenho
institucional do país.
Desequilíbrios entre os Poderes colocam o
Executivo em conflito com o Legislativo, que tem facilidade para destituir o
presidente. Esquemas de corrupção também entram na receita, além do
esvaziamento dos partidos políticos, que se converteram em legendas de aluguel
e grupos de interesse.
A população, especialmente a mais vulnerável, percebe a situação como um fracasso do regime democrático e se entrega aos protestos. Como não se vislumbram mudanças concretas, a crise política peruana tende a perdurar.
‘Carinho’ com ditadores
O Estado de S. Paulo.
Diplomacia com Venezuela e Cuba é do interesse
do Brasil. Mas tratamento privilegiado a suas ditaduras perpetua sofrimento de
seus povos e, de quebra, pode lesar o bolso dos brasileiros
O presidente Lula da Silva anunciou que vai
restabelecer a “normalidade diplomática” com a Venezuela em dois meses. Faz
muito bem. No entanto, coisa muito diferente é sua promessa de “tratar
Venezuela e Cuba com muito carinho”.
Países não têm amigos, têm interesses. Com
a Venezuela, em especial, o Brasil compartilha mais de 2 mil km de fronteiras e
tem relações comerciais históricas: a Venezuela importa quase 80% de tudo o que
consome, incluindo muitos produtos agropecuários brasileiros, e tem uma das
maiores reservas de petróleo do mundo, exportando ao Brasil toda uma série de
derivados petroquímicos. Além de seus interesses comerciais, o Brasil precisa
de uma representação na Venezuela que resguarde os direitos dos mais de 20 mil
brasileiros que lá vivem, assim como de uma representação da Venezuela que
ajude a resguardar os direitos dos cerca de 340 mil imigrantes e refugiados
venezuelanos no Brasil.
Mas normalidade diplomática não significa
tratar como normais ditaduras militares, comandadas por caudilhos e seus clãs,
que mergulham seus povos a cada dia mais na opressão e na miséria. Se a ideia é
respeitar os povos venezuelano e cubano, o melhor começo é reconhecer que vivem
sob Estados de exceção. Mas Lula, que já disse que a Venezuela tem “excesso” de
democracia, insiste em tratar esses regimes totalitários não só como
democracias plenas, mas como vítimas do imperialismo norte-americano. Afinal,
como disse recentemente, não fosse pelo embargo dos EUA, Cuba seria uma
“Holanda”, ou seja, uma democracia capitalista com irretocável histórico de
tolerância civil, política e religiosa.
“O que eu quero para o Brasil, quero para a
Venezuela: respeito à minha soberania e respeito à autodeterminação do meu
povo”, disse Lula. Afora os delírios bolsonaristas à época de Donald Trump, que
não encontraram um mínimo respaldo nos poderes civis e militares brasileiros, o
Brasil nunca representou qualquer ameaça à soberania da Venezuela. Já invocar a
autodeterminação do povo venezuelano ou cubano – como se tivessem livremente se
autodeterminado a serem oprimidos pelas tiranias mais brutais da América Latina
– é um insulto.
Lula poderia criticar os embargos, como
fazem muitos analistas geopolíticos, por serem contraproducentes. Se retirados,
eles poderiam dinamizar a economia desses países, insuflar o anseio por mais
liberdade e eliminar o pretexto de seus déspotas para sustentar seu Estado
policialesco. Mas é no mínimo curioso que ele considere que esses países são
oprimidos por um regime “imperialista” que se autodeterminou a não fazer
negócios com eles. Afinal, se o socialismo é tão superior ao capitalismo, por
que eles precisariam da maior potência capitalista do mundo para serem livres e
prósperos?
Acrescentando insulto à injúria, Lula não
só escarnece do sofrimento dos venezuelanos e cubanos, como dá sinais de que
pode sobrepor suas amizades aos interesses do Brasil – de novo.
Lula diz que o BNDES voltará a financiar
projetos para “ajudar” países vizinhos. Como se sabe, nas mãos do PT, o BNDES
torrou dinheiro público em projetos sem relevância para o interesse nacional,
liberando financiamentos a empresas brasileiras contratadas por governos
estrangeiros para grandes obras. Muitos desses financiamentos foram mantidos
sob sigilo e praticamente todos foram dados a empresas envolvidas nos esquemas
investigados pela Lava Jato. Na prática, o BNDES se tornava credor do
contratante a juros camaradas subsidiados com o dinheiro do contribuinte.
Só os calotes de Cuba e Venezuela somam
mais de US$ 529 milhões – quase R$ 2,7 bilhões. Como o risco foi assumido
inteiramente pelo governo brasileiro, o BNDES acionou o Fundo de Garantia à
Exportação do Tesouro. Ou seja, quem quitou a dívida não foram nem as
empreiteiras nem os governos estrangeiros, mas o contribuinte brasileiro.
Em outras palavras, o “carinho” de Lula com
ditadores companheiros não só ajuda a perpetuar a miséria e a opressão das
populações sob seu tacão, mas pode custar muito caro ao bolso dos brasileiros.
Justiça não é vingança
O Estado de S. Paulo.
Pacificação política exige a punição dos
radicais, mas também um exame de consciência de todas as forças democráticas,
que precisam se desvencilhar de quaisquer ânimos retaliatórios
A democracia saiu ou não saiu fortalecida
após 8 de janeiro? Com essa interrogação, que tem perpassado os corações e
mentes de todos os brasileiros, a Fundação Fernando Henrique Cardoso promoveu
um debate sobre o tema com Nelson Jobim, ex-ministro da Defesa e ex-ministro do
Supremo Tribunal Federal, e a socióloga Maria Hermínia Tavares de Almeida, com
mediação do cientista político Sergio Fausto.
Jobim e Maria Hermínia concordam: a
democracia saiu mais forte. Mais que uma impressão, essa confiança é
corroborada pelas diversas manifestações cívicas nas últimas semanas. A
esmagadora maioria da população quer paz e não apoia manobras autoritárias.
Este ânimo foi representado no dia seguinte àquele domingo infame, no gesto de
solidariedade entre os representantes dos Três Poderes, os governadores da
Federação e representantes dos municípios. Mas a própria amplitude dessa
reunião mostra que a ameaça é grave. A democracia saberá se fortalecer? Eis a
questão realmente desafiadora.
A resposta, em tese, já foi dada pela
Constituição: o vigor da democracia depende da combinação entre a força da lei
e a concertação política. Na prática, cabe a todos um profundo exame de
consciência sobre suas responsabilidades. Como elas são interdependentes, não
haverá paz firme e duradoura sem diálogo franco e consistente entre a sociedade
e o poder público, entre civis e militares, entre o Executivo, o Legislativo e
o Judiciário e entre a direita e a esquerda.
Há, primeiro, as responsabilidades mais
evidentes. A direita e as Forças Armadas precisam se engajar em um trabalho de
depuração: qualquer laivo de conivência com o golpismo é intolerável. A direita
republicana precisará construir uma oposição responsável e organizar estruturas
partidárias eleitoralmente competitivas e ideologicamente consistentes. As
Forças Armadas precisam investigar e prestar contas à população de quem foi
leniente ou cúmplice com as mobilizações antidemocráticas.
Mas as esquerdas, em especial o governo
petista, o alvo maior dos vândalos, também têm um papel na pacificação
política. Como disse Jobim, com conhecimento de causa de quem foi ministro da
Defesa no governo Lula, houve uma “euforia injustificada” do PT na vitória
eleitoral, porque ela foi estreita e não foi só do partido, mas, sobretudo,
daqueles que não queriam mais Bolsonaro no poder. Mas o governo tem mostrado
pouca abertura aos desconfiados, isto é, à maioria do eleitorado das Regiões
Sul, Sudeste e Centro-oeste e das classes médias e altas, que rejeitam seu
projeto desenvolvimentista.
A Justiça precisa mostrar rigor à altura da
ameaça. Mas é crucial que esse rigor se volte sobre a própria forma de seus
atos e os limites de suas competências. Como apontou Jobim, quando adversários
políticos se transformaram em inimigos, a política começou a perder sua
capacidade de administrar conflitos, e os próprios políticos levaram à Suprema
Corte suas desavenças. Mas essa judicialização da política acabou levando à
politização da Justiça, que passou a tomar muitas decisões que caberiam ao
Legislativo ou ao Executivo.
Todos esses protagonistas têm lições a
recolher da história. Da Independência à Proclamação da República e ao
nascimento da Nova República, o Brasil tem um histórico de rupturas
necessárias, mas conduzidas através de acomodações e compromissos pacíficos. É
preciso resgatar esse patrimônio.
Isso não significa impunidade. O maior
responsável pelos atentados tem nome e sobrenome: Jair Bolsonaro. Mas, se a sua
responsabilização, e a de seus seguidores, não for realizada com o rigor do
devido processo legal, segundo a verdade dos fatos, o radicalismo sairá mais
forte e a democracia, mais fraca. “Temos de saber ter tolerância”, disse Jobim.
“Se nós, se o governo, se os democratas, começarem a fazer uma retaliação
generalizada, vamos ter radicalização, e aí Bolsonaro se fortalece.” Tolerância
não é indiferença. Mas a tentação à indiferença é agora o menor dos riscos.
Muito mais importante é que as forças democráticas se lembrem, e reforcem umas
nas outras, a consciência de que justiça não é vingança.
Perigo sobre duas rodas
O Estado de S. Paulo.
Acidentes de moto puxam alta de mortes no
trânsito de SP e cobram respostas das autoridades
O Estadão informou que 859 pessoas perderam
a vida nas ruas e avenidas da cidade de São Paulo em acidentes de trânsito no
ano passado − o maior número desde 2016 e um aumento de 18,8% em relação a
2021. A mais nova estatística dessa tragédia cotidiana reflete, em larga
medida, um problema que se agrava não só na capital, mas no Estado de São Paulo
e no País: a morte de motociclistas. Do total de vítimas de colisões na capital
no ano passado, quase a metade era de condutores e passageiros de motos. Uma
realidade que precisa mudar.
Os dados do Sistema de Informações
Gerenciais de Acidentes de Trânsito de São Paulo (Infosiga) impressionam: entre
2021 e 2022, a quantidade de motociclistas mortos na capital aumentou 29% − de
313 para 405 óbitos, o maior número absoluto dos últimos oito anos. Isso
equivale, em média, a pelo menos um óbito por dia: um flagelo diário que
evidencia que as atuais ações de prevenção e fiscalização resultam
insuficientes e claramente precisam ser aperfeiçoadas – sobretudo ante o
aumento exponencial de motos e de motoqueiros na cidade.
A frota de motocicletas, com seus preços
mais acessíveis, deu um salto nas últimas décadas em todo o Brasil. Nas grandes
cidades − e São Paulo é exemplo disso −, o veículo serve a um imenso
contingente de trabalhadores que prestam serviços de entrega. Como informou o
Estadão, um em cada cinco motociclistas na capital atua profissionalmente: um
universo de 200 mil motoboys cuja remuneração costuma ser proporcional à
quantidade de entregas. Eis, portanto, mais um fator de risco, na medida em que
a pressa e a velocidade abrem caminho para acidentes. É de esperar que a busca
de soluções para aumentar a segurança de quem dirige moto em São Paulo envolva
trabalhadores e empresas do setor. Todos têm a ganhar com isso.
A maioria dos motociclistas mortos na
capital, no ano passado, era de homens de 18 a 24 anos. Portanto, jovens sem
longa experiência no trânsito. Esse tipo de informação acerca das vítimas pode
ser útil no planejamento de ações destinadas a reduzir a mortalidade no
trânsito. Prevenção e fiscalização são palavras-chave para conter a escalada de
mortes, além de planejamento viário. No caso da prevenção, campanhas de
comunicação produzem melhores resultados quando se sabe o público que se quer
atingir.
Infelizmente, como noticiou o Estadão, as
mortes no trânsito cresceram também no Estado de São Paulo: um acréscimo de 10%
no ano passado, na comparação com 2021, totalizando 5.348 óbitos. A exemplo da
capital, o número de motociclistas tem crescido entre as vítimas paulistas,
sinal da abrangência do problema. Na década de 1990, o País foi capaz de reagir
à trágica realidade do trânsito nacional. Em 1997, o Congresso aprovou o Código
de Trânsito Brasileiro, um avanço em muitos sentidos. De lá para cá, já se
passaram 25 anos, mas persistem dificuldades para dar efetividade à lei, um
desafio a ser superado com urgência. Um bom começo seria fazer valer o que vai
na lei e também educar motoristas e motoqueiros para que se respeitem e
obedeçam as regras de trânsito. Parece uma obviedade, mas os números de mortos
mostram que o óbvio está muito distante.
Governo tem de expulsar garimpo de terras indígenas
O Globo
Situação trágica dos ianomâmis revela
necessidade de plano robusto para resgate da lei na Amazônia
A visita do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva a Roraima na semana passada, para ver de perto a situação dos índios
ianomâmis, trouxe para o noticiário o quadro trágico de subnutrição, malária e
doenças respiratórias responsáveis pela morte dos indígenas, em especial
crianças. As imagens chocaram o país e o mundo.
A situação resulta do descaso do governo
Jair Bolsonaro com os povos originários. Diante da leniência das autoridades,
vastas áreas de reservas indígenas foram entregues à exploração de madeireiros
e garimpeiros, em desafio ao que determinam a lei e a Constituição. Ainda no
ano passado, o Ministério Público Federal fez um alerta à equipe de transição.
Constatou que as áreas de garimpo em terras indígenas cresceram 862% desde o
primeiro governo de Dilma Rousseff. Não apenas os 28 mil ianomâmis estão
ameaçados. As reservas com maior área ocupada pelo garimpo ilegal são dos
caiapós e mundurucus, ambas no Pará.
O novo governo, que assumiu com a missão de
desfazer o legado de Bolsonaro na Amazônia, tem a obrigação de reverter esse
quadro. Ainda na sexta-feira, o Ministério da Saúde decretou estado de
emergência em saúde pública. A ministra Nísia Trindade anunciou melhorias na
Casa de Apoio à Saúde Indígena, em Roraima, e reforços ao SUS da região. São
corretas as primeiras medidas, mas é imprescindível trazer logo mais médicos e
profissionais ao Distrito Especial Indígena Ianomâmi. Sem estrutura, será
impossível prestar assistência básica para evitar que doenças triviais como
pneumonia ou diarreia se tornem fatais.
A atenção de emergência e os primeiros
socorros devem ser apenas o começo de um plano interministerial mais robusto
para expulsar os criminosos das reservas indígenas, afastá-los do contato
direto com os índios, fechar garimpos que envenenam os rios da região e
explorações de madeira que desmatam a floresta. Não será uma situação fácil de
resolver. As estimativas falam em 20 mil garimpeiros apenas nas terras
ianomâmis. Na busca por ouro, eles assoreiam e poluem os rios com mercúrio,
outra causa de doenças na população. Um estudo da Polícia Federal avaliou que o
nível de mercúrio nas águas da região está em quase 90 vezes o tolerável para o
ser humano.
Ao envenenamento dos peixes se soma o
desmatamento de áreas férteis, antes cultivadas pelos indígenas. Isso reduz a
disponibilidade de alimentos e leva à desnutrição. Outro problema é a falta de
mão de obra em aldeias para caçar, pescar e cultivar a roça, pois jovens
indígenas têm sido aliciados por garimpeiros com drogas, bebidas e armas, conta
o pesquisador Estêvão Benfica Senra, do Instituto Socioambiental. Não faz muito
tempo que os ianomâmis estão em contato com outras populações, portanto ainda
não têm memória imunológica coletiva capaz de protegê-los de doenças
contagiosas.
A reserva ianomâmi tem cerca de 10 milhões
de hectares, entre Amazonas e Roraima, onde fica a maior parcela das terras
indígenas. São ao todo 371 comunidades de difícil acesso, distribuídas em meio
à floresta densa, onde ainda há indígenas isolados, sem nenhum contato com o
mundo exterior. É uma área que o país precisa saber preservar, tanto por razões
humanitárias quanto ambientais. A visita de Lula a Roraima foi importante por
reforçar a importância que o governo dá à crise indígena e à destruição da
Amazônia. Agora vem a parte mais difícil.
Alta nos acidentes com motos exige ação das
autoridades
O Globo
Só na cidade de São Paulo houve 405 mortes
de motociclistas no ano passado, mais de uma por dia
A frota nacional de motocicletas saltou de
4 milhões em 2000 para 31,2 milhões em setembro passado. Em todas as regiões
houve forte expansão. O Sudeste ainda reúne o maior número de motos, mas em
2007 o Nordeste ultrapassou o Sul e se firmou no segundo lugar. Não é por outra
razão que, no sertão, se diz que as motos tomaram o lugar dos jegues. Com o
crescimento, aumentaram também os acidentes, atropelamentos e mortes. Embora
governos municipais e estaduais estejam atentos ao problema, é urgente redobrar
os esforços.
No Estado de São Paulo, onde se concentra a
maior frota, os motociclistas e seus passageiros estão em primeiro lugar nas
estatísticas das vítimas do trânsito. Eles são quatro em cada dez mortes. Em
2022, morreram 8% a mais que no ano anterior (num total de 2.089). Só na
capital paulista, houve 405 mortes, mais de uma por dia (maior número na série
histórica que começa em 2015). A maior parte das vítimas tinha entre 18 e 24
anos. Outras capitais brasileiras têm registrado estatísticas preocupantes.
Parte da explicação está obviamente na
explosão dos serviços de entrega e consequente aumento no número de motos em
circulação. Só na cidade de São Paulo são feitos 3 milhões de entregas por dia,
segundo estimativa do Sindicato dos Mensageiros, Motociclistas, Ciclistas e
Mototaxistas de São Paulo (Sindimotos). Há, porém, outros fatores que merecem
atenção.
Não é preciso ficar mais do que dez minutos
em qualquer cruzamento de avenidas movimentadas para presenciar a imprudência
de motociclistas. Manobras arriscadas, velocidade acima do permitido,
ultrapassagens pelo lado direito e desrespeito ao sinal são corriqueiros.
O histórico dos anos da pandemia revela o
peso da condução irresponsável. Em 2020, houve queda significativa no tráfego,
mas as vítimas fatais em acidentes envolvendo motos na capital paulista se
mantiveram no mesmo patamar de 2019. Em 2021, quando o movimento nas ruas ainda
não havia voltado ao normal, as mortes aumentaram na comparação com o ano
anterior.
O país carece de estudos periódicos,
robustos e de âmbito nacional para analisar as causas dos acidentes com motos.
Pode haver problemas na qualidade do asfalto ou sinalização, mas é evidente que
o desprezo pelas normas de trânsito, embriaguez e imprudência têm papel
considerável. Tais problemas exigem ação do poder público.
Prefeituras e governos estaduais tentam se
defender dizendo que já existem programas voltados para reduzir as mortes de
motociclistas no trânsito. A questão a examinar é se funcionam a contento. O
crescimento das mortes mostra que é necessário ao menos reavaliar as políticas
adotadas. É essencial haver campanhas de educação, fiscalização e punição às
irregularidades e cobrança de responsabilidade das empresas de entrega.
Caso da Americanas testará a nova lei de recuperação
Valor Econômico
No Brasil, apenas 24% das grandes e 9% das
pequenas empresas saem da recuperação judicial
No dia em que a Americanas divulgou a
existência de “inconsistências contábeis” em seu balanço, a manchete do caderno
de Legislação & Tributos do Valor havia
sido “Volume de pedidos de recuperação judicial deve crescer neste ano”. Apenas
oito dias depois, sem explicações convincentes e pressionada pelos bancos e
acionistas, a Americanas entrou na Justiça com pedido de recuperação judicial
com dívida de R$ 43 bilhões, mais do que o dobro do estimado inicialmente,
junto a 16,3 mil credores.
A expectativa de aumento dos recursos à
recuperação judicial neste ano é justificada pela persistência dos juros altos,
que encareceram linhas de crédito tomadas quando as taxas estavam bem mais
baixas, e pelo fim do represamento dos pedidos, observado desde o início da
pandemia. Ajudadas por programas de apoio do governo do então presidente Jair
Bolsonaro, muitas empresas evitaram nos últimos anos a recuperação judicial, cujos
pedidos caíram de 1.179 em 2020 para 841 em 2021 e 833 em 2022, o menor patamar
desde 2014. Os bancos e credores mostravam-se mais dispostos a negociar do que
agora.
Com R$ 43 bilhões em dívidas, a recuperação
judicial da Americanas é a quarta maior do mercado. A empresa deverá ser o
primeiro grande teste das novas regras de recuperação judicial, estabelecidas
pela Lei 14. 112, promulgada em dezembro de 2020. A nova lei teve 14 vetos do
então presidente Jair Bolsonaro. O Congresso derrubou 12 e em março de 2021
finalmente entrou em vigor.
Passado quase um ano, ainda há apreensão
sobre como os juízes interpretarão as novas regras. Um ponto de preocupação é o
superpoder conferido ao Fisco, que poderá pedir a falência da empresa que
descumprir o parcelamento fiscal ou o acordo estabelecido na recuperação
judicial ou que manobre para produzir o esvaziamento patrimonial.
Outra novidade é a possibilidade de os
credores apresentarem um plano alternativo de reestruturação do passivo caso a
sugestão oferecida pela empresa não tenha sido aprovada. No caso da Americanas,
se prevalecer o antagonismo de posições exibido nas primeiras conversas, a
alternativa pode ser colocada em prática. Há dúvidas a respeito de como o Poder
Judiciário se posicionará em casos desse tipo e nas divergências em discussões
sobre a viabilidade financeira e operacional do plano.
Entre os vetos derrubados pelo Congresso,
um dos especialmente bem-vindos pelo meio jurídico é o que estabelece que os
investidores que adquirirem bens de empresas em recuperação judicial não terão
responsabilidade sobre as obrigações de natureza ambiental, regulatória,
administrativa, penal, anticorrupção, tributária ou trabalhista do devedor. O
dispositivo foi considerado importante porque dá segurança jurídica para o
comprador.
Com a intervenção do Congresso foram
restabelecidos benefícios fiscais às empresas em recuperação judicial, que não
pagarão PIS e Cofins sobre o valor perdoado das dívidas e poderão usar o
prejuízo fiscal para abater IR e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.
Sem limite de valor, o prejuízo fiscal pode pagar também a tributação incidente
sobre os ganhos que as empresas em recuperação tenham com a venda de bens de
direitos.
A nova lei consolidou aperfeiçoamentos que
vinham ganhando contornos na jurisprudência caso a caso, como mecanismo de
financiamento de empresas em recuperação judicial por meio do Debtor in
Possession Financing (DIP), homologado judicialmente após aprovação pela
maioria dos credores, e a possibilidade de prorrogação do “stay period” de 180
dias, período em que parte dos débitos não são cobrados.
Quando a lei de recuperação judicial foi
revista, o governo pretendia melhorar o desempenho do Judiciário, pré-requisito
para a entrada na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) e para a melhora dos escores de competitividade. O baixo índice de
recuperação das empresas que pedem recuperação judicial é um dos aspectos particularmente
negativos.
No Brasil, apenas 24% das grandes e 9% das
pequenas saem da recuperação judicial. O prazo médio de um processo desse tipo
é de quatro anos no Brasil, superior aos 2,9 anos médios na América Latina e de
1,8 ano nos países desenvolvidos. A recuperação dos créditos também é reduzida,
de 14,9% no Brasil para 30,9% na América Latina e 71,2% na OCDE. O caso da
Americanas poderá ser uma resposta a esses desafios.
Lula não pode passar pano na esquerda repressora de Venezuela e Cuba.
ResponderExcluirJá ouvi,sim,o presidente dizer que gostaria que Cuba tivesse democracia,ele só precisa ser mais incisivo.
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