sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Vera Magalhães – Três pra lá, um pra cá

O Globo

A diretriz de política econômica do governo começou como um bolero descompassado: três pra lá, um pra cá. Enquanto Fernando Haddad, Simone Tebet e Geraldo Alckmin tentam coordenar um discurso de responsabilidade fiscal, o presidente Lula insiste em ficar no palanque fazendo falsas contraposições entre o necessário rigor com as contas públicas e sua promessa, também urgente, de promover a reparação da desigualdade social. A pergunta é: o que um governo já acossado pelo extremismo golpista tem a ganhar com esse diversionismo num tema tão sensível? Absolutamente nada.

Lula parece fazer um cálculo semelhante ao que levou Jair Bolsonaro a falar para convertidos durante os quatro anos de seu mandato: que é preciso manter uma base fiel, o lulopetismo raiz, mobilizada e evitar que ela se decepcione com os rumos do governo. Acontece que esse eleitor não deixará de fazer o L se o governo buscar coadunar as promessas de reduzir o fosso social com uma política fiscal que mostre disposição de reduzir a dívida e, consequentemente, os juros futuros, esses que Lula contrapôs de forma equivocada aos investimentos sociais, como se fossem gastos da mesma natureza, ditados apenas pela vontade do governo de turno.

Não adianta o presidente evocar o passado para dizer que concedeu autonomia ao Banco Central e promoveu superávits fiscais, como se isso tornasse desnecessários metas e marcos legais para balizar o comportamento do governante. Seria equivalente a alguém dizer que nunca andou acima de 60 km/h e, portanto, radares de trânsito podem ser abolidos. Nada na prática pretérita obriga a repetir esse comportamento no futuro, em novas circunstâncias. Para isso, existem o ordenamento jurídico e regras — em gestão governamental e no trânsito, como em várias esferas do espaço público.

Entre um time de ministros da equipe econômica — que, apesar de diverso e nuançado quanto a como enxerga os diversos temas da área, tem procurado mandar sinais na mesma direção — e o chefe deles, em quem investidores, empregadores, trabalhadores e analistas devem acreditar?

É péssimo que o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, tenha tido de vir a público dizer que não há nenhuma disposição do governo em mexer na autonomia do Banco Central. O governo acaba de assumir. Em oito dias, enfrentou uma ameaça de golpe de Estado cujos reflexos estão longe de estar dissipados. Hoje mesmo Lula terá o primeiro encontro com comandantes das Forças Armadas num balé eivado de cuidados e coisas que não podem ser ditas, de lado a lado.

Diante de tamanha instabilidade institucional, não é inteligente gerar marola na economia. Até porque a unidade construída com os governadores e os representantes dos demais Poderes na defesa da democracia tende a se desfazer quando entrarem na pauta ideias tão controversas quanto as de rever reformas e a autonomia do BC.

Lula não poderá contar com Arthur Lira e Rodrigo Pacheco para levar adiante a tentativa de rever esses projetos. Se insistisse nessa pauta — algo que a própria forma ligeira como trata os assuntos mostra que não fará —, correria o risco de uma derrota no Congresso logo na largada. Um prato cheio para fortalecer uma direita radical que estará fortalecida na próxima legislatura, que nem assumiu ainda.

Muitas chances foram dadas a Lula pelo horror bolsonarista. Sua eleição dependeu fortemente da aversão de um setor moderado a seu antecessor, e não do amor ao petismo. Ele constantemente parece se esquecer do que ele próprio detectou no discurso de posse, sobretudo quando descamba para as bravatas em matéria econômica.

Existe uma janela única para apostar em temas como a reforma tributária, que habilmente Haddad e Tebet têm levantado como bandeira, forma de demonstrar o compromisso do governo com propostas estruturantes que organizem o ambiente para investimentos.

O presidente deve ser o piloto dessa e de outras discussões, que, aliás, não serão tranquilas, dada a dificuldade histórica de convencer setores com interesses opostos a concordar em perder aqui e ali em nome de um sistema mais racional de tributos.

Da mesma forma, a construção do substituto do teto de gastos exigirá diálogo e capacidade de negociação da parte do governo. Se cada um ficar puxando a dança para um lado, pisando no pé do parceiro, o maior prejudicado será o próprio governo.

 

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