O Globo
Principal mensagem de uma posse memorável
foi o clamor pela frente contra a desigualdade
Foi uma posse memorável, a terceira de Luiz
Inácio Lula da Silva no cargo de presidente do Brasil. Dos discursos à subida
da rampa e passagem da faixa a cargo de representantes diversos do povo
brasileiro, foram muitos os símbolos de resgate da democracia e da cidadania e
de afirmação do pluralismo e da representatividade.
Mas a principal mensagem veio no final do
segundo discurso de Lula, quando ele convocou a sociedade brasileira a formar
uma Frente Ampla contra a Desigualdade. Esta exortação é tão importante quanto
difícil de executar, porque, para que vá além da retórica, demandará ações por
parte do governo que enfrentem lobbies poderosos, num momento em que a maior
parte daqueles que precisam abrir mão de privilégios não está no grupo de apoio
ao novo presidente.
Para reduzir o fosso social que separa quem está na fila de ossos nos açougues dos que aguardam o próprio jatinho são necessárias mudanças estruturais, como o fim de subvenções e uma reforma tributária que taxe os mais ricos, para ficar em duas medidas apenas, e ambas de dificílima aprovação.
A composição do governo, diversa em gênero,
raça e pensamento, já aponta para uma disposição verdadeira do presidente de
combater esse status quo de desigualdade. É preciso que esses ministros
demonstrem ter capacidade de elaboração e efetivação de políticas públicas e de
negociação com o Congresso e esta sociedade que Lula chamou à participação.
E tudo isso, para avançar, dependerá, como
sempre, de confiança na condução da economia. Foi graças aos bons resultados
econômicos que Lula conseguiu, no seu ciclo anterior, atrair grandes nomes do
empresariado para o Conselhão — que de concreto produziu quase nada, mas pode
ser um embrião da frente ampla que ele conclama agora.
A posse teve outro ponto positivo: ao fugir
do país de maneira canhestra e propiciar essa posse impecável, Bolsonaro
queimou boa parte do capital político para promover o caos e manter a
radicalização de seus apoiadores.
Se tiver sabedoria para costurar o
distensionamento da sociedade enquanto descortina o legado nefasto de quatro
anos de desmonte institucional e civilizatório de Bolsonaro, Lula poderá
construir a governabilidade necessária a realizar o projeto ambicioso que
enunciou em sua fala no parlatório.
Precisará, para isso, de um convívio harmonioso com os demais Poderes e o apoio de uma gama ampla de partidos. Os sorrisos aliviados no rosto até de figuras improváveis como Arthur Lira nas solenidades de ontem mostram que não se trata de nada impossível. Ainda mais para quem está tendo a chance inédita de uma terceira encarnação.
Lula foi o primeiro a ganhar de um incumbente.
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