O Globo
Para além de fazer ou não CPI, Legislativo
terá de punir os seus e votar um arcabouço legal capaz de proteger a democracia
O relativo distanciamento do Legislativo
das investigações da tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro tem data para
acabar. A partir da eleição dos comandos da Câmara e do Senado, na semana que
vem, o Congresso terá de se dividir entre a agenda do dia a dia e a necessária
atuação para apurar e punir os responsáveis e também para construir um
arcabouço legal que proteja a democracia e desencoraje novos ataques.
A primeira grande questão será quanto à
criação da CPI do 8 de Janeiro no Senado. O requerimento da senadora Soraya
Thronicke já tem as assinaturas necessárias para a instalação. Houve, nesse
caso, uma irônica inversão de papéis: Rodrigo Pacheco diz que, se reeleito,
lerá o requerimento imediatamente. E Randolfe Rodrigues (Rede), sempre um dos
maiores defensores de CPIs, terá de convencer a Casa a não instalá-la caso essa
seja mesmo a definição do governo, como disse Lula em entrevista.
O temor do governo é que a CPI se
transforme, com décadas de atraso, no julgamento dos militares que não foi
promovido na redemocratização. E que isso incendeie ainda mais o clima,
sobretudo no Exército.
O argumento para tentar evitar a CPI será que, diferentemente do que ocorreu na pandemia, as investigações estão sendo feitas no Executivo, na polícia do Distrito Federal, na Justiça e que até Augusto Aras colocou o Ministério Público Federal para atuar desta vez.
Mas a pressão popular, sobretudo entre os
apoiadores de primeira hora de Lula, tende a ser forte pela CPI, que sempre tem
mais apelo midiático porque suas sessões de depoimentos são televisionadas. A
hashtag #semanistia deverá voltar com força total para pedir a CPI, e esses
movimentos tendem a ser fatais para operações-abafa de governos.
Diante da possibilidade de que a comissão
se imponha, já há no Parlamento quem defenda a visita de uma comissão (deputado
e senador adoram uma missão internacional) ao Congresso americano para colher
informações sobre o funcionamento do comitê que por 18 meses investigou Donald
Trump e os grupos extremistas ligados a ele pela invasão do Capitólio em 6 de
janeiro de 2021.
Aqui, como lá, a tendência é que as várias
instâncias de investigação deparem com dúvidas quanto à tipificação de crimes,
como enquadrar condutas de políticos e financiadores e como agir diante das
Casas arrombadas para evitar novos atos terroristas, com ações controversas que
dizem respeito à regulação de plataformas digitais.
Para além da CPI, Câmara e Senado também
não poderão se esquivar, como fizeram ao longo das últimas legislaturas, de
fazer funcionar seus conselhos de ética para investigar e punir deputados e
senadores que têm usado os mandatos para promover a radicalização da sociedade
e incitar crimes contra o Estado Democrático — sem falar nos casos em que são
eles próprios a cometê-los.
A conivência da Câmara com Daniel Silveira
não deverá se repetir agora que a própria Casa foi alvo do extremismo contra o
qual não atuou para cortar pela raiz.
Tanto Arthur Lira quanto Pacheco têm
prometido ao governo e aos partidos que os conselhos de ética serão instalados
de imediato e, desta vez, funcionarão de forma exemplar.
Vários parlamentares já chegam à
legislatura que se inicia na semana que vem com suspeitas de participação nos
atos do dia 8. O caso americano mostra que ou a política atua para extirpar
aqueles que se utilizam dos partidos e dos mandatos para minar a democracia, ou
o dano pode se tornar irreversível.
Por fim, caberá às duas Casas votar as
medidas do Pacote da Democracia que o governo deverá enviar. Nesse caso, cabe a
Lula, como já escrevi aqui, ter a habilidade de aproveitar o consenso gerado
pelos ataques indistintos aos Três Poderes para fazer as medidas avançar.
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