Valor Econômico
Consea vai reajustar merenda e discutir
fome indígena
Episódios com viés de crueldade na
biografia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não explicam, por si, a
empatia que ele estabeleceu com a parcela mais vulnerável da população e que
representa a fração mais expressiva de seu eleitorado. Essa conexão também
pressupõe programas de transferência de renda como o Bolsa Família, entre
outras políticas que favoreceram os brasileiros de baixa renda, como o Luz para
Todos, a Farmácia Popular e as cotas nas universidades públicas.
No entanto, tais episódios imprimem legitimidade ao discurso de Lula sobre a fome, tema até hoje candente no país. Em depoimento ao jornalista Fernando Morais, ao relembrar passagens de sua infância, Lula contou que o pai, Aristides, tinha o costume de comprar pão comum para os filhos, enquanto, para si, reservava uma broa, feita de pão doce. Certa vez, Lula viu a irmã, Tiana, de dois anos, chorar de fome e pedir ao pai um pedaço da broa. Ao invés de contemplar a filha, o pai atirou nacos do pão doce aos cachorros.
A fome é assunto que encurrala os políticos
entre a insensibilidade e o oportunismo. Mas é uma pauta na qual Lula trafega
com desenvoltura e que o conecta com o eleitor mais vulnerável. A fome pautou o
seu primeiro mandato: no começo de 2003, o petista viajou ao município de
Guaribas, a 650 quilômetros de Teresina, para lançar o programa Fome Zero. Após
19 anos, Guaribas deu a Lula, na última eleição presidencial, a maior votação
percentual do país: 93% dos votos válidos no município.
Lula reservou esta semana para bater bumbo
sobre a fome. A pauta tem apelo: o Cadastro Único de vulneráveis mantido pelo
Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social contempla 91 milhões de
brasileiros com renda per capita mensal abaixo de meio salário mínimo.
Representam quase metade da população vivendo com R$ 650 ao mês.
Nesta terça-feira, o presidente comanda
cerimônia de recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea),
órgão que encabeça o sistema nacional de segurança alimentar. Foi Lula quem
sugeriu ao então presidente Itamar Franco, em 1993, a constituição do colegiado
para discutir ações de combate à fome, numa conjuntura em que o sociólogo
Herbet de Souza, o Betinho, percorria o país à frente da Ação da Cidadania
contra a Fome, a Miséria e pela Vida.
O Consea desenvolveu as bases do Bolsa
Família, elaborou o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o projeto de
lei, aprovado pelo Congresso, que reservou 30% dos recursos públicos destinados
à merenda escolar para a agricultura familiar, entre outros exemplos.
Dois dias depois, na quinta-feira, está
previsto o lançamento do Bolsa Família turbinado, que deverá manter os R$ 600
pagos pelo Auxílio Brasil de Bolsonaro por família. Além dessa quantia, o
governo vai pagar R$ 150 por criança de zero até seis anos. Com orçamento
estimado em R$ 168 bilhões, ou R$ 14 bilhões ao mês, o governo ainda não tem
recursos para bancar os adicionais que o ministro Wellington Dias incluiu nos
estudos do programa: mais R$ 50 por beneficiário na faixa de 7 a 18 anos e às
gestantes.
O ministro da Secretaria-Geral da
Presidência e coordenador-geral do Consea, Márcio Macedo, disse à coluna que
não descarta uma visita de Lula a um dos redutos da fome no Brasil, reeditando
a agenda de Guaribas em 2003. Segundo Macedo, o Consea vai fazer interlocução
com as unidades estaduais, promovendo visitas monitoradas a locais onde a
insegurança alimentar for evidente.
A fome é pauta incômoda para o
ex-presidente Jair Bolsonaro, que pretende voltar ao Brasil para liderar a
oposição contra Lula. Em setembro de 2022, durante a campanha eleitoral, o
então mandatário vetou o reajuste da merenda de creches e escolas públicas. O
valor ficou sem aumento pelo quinto ano consecutivo.
Atualmente, a União repassa a Estados e
municípios 36 centavos por dia para cada aluno do ensino fundamental e médio;
R$ 0,53 para os alunos da pré-escola; e R$ 1,07 para os alunos em creches ou no
ensino integral. Uma das primeiras medidas do Consea será propor o reajuste
imediato da merenda escolar.
Outra pauta prioritária do Consea será um
balanço das ações adotadas sobre a situação de emergência sanitária dos
Yanomami a partir da visita de Lula à Casa de Saúde Indígena Yanomami em Boa
Vista (Roraima) no dia 21 de janeiro.
Desde que Lula testemunhou “in loco” o
cenário de desassistência sanitária da etnia, as imagens de crianças Yanomami
em estado avançado de desnutrição, literalmente em pele e osso, correram o
mundo.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
(APIB) divulgou que vai levar informações sobre a crise humanitária do povo
Yanomami ao Tribunal Penal Internacional, em Haia. Serão adicionadas a uma
denúncia que foi apresentada em 2021, imputando ao ex-presidente crimes contra
a humanidade, com base no avanço do desmatamento e a invasão de terras
indígenas por garimpeiros.
Quando Lula responsabilizou Bolsonaro pela
emergência sanitária dos Yanomami, o ex-presidente defendeu-se nas redes
sociais alegando tratar-se de uma “farsa da esquerda”. Citou ações do
Ministério da Saúde, durante sua gestão, voltadas aos indígenas, mas omitiu que
a morte de indígenas cresceu a partir de 2019.
Bolsonaro respondeu a Lula sobre a denúncia
em relação aos Yanomamis porque compreende a gravidade internacional da pauta.
Mesmo assim, neste início de semana, o ex-presidente voltou a divulgar notícias
falsas sobre as eleições presidenciais no Brasil durante evento nos Estados
Unidos.
Para muitos aliados, Bolsonaro incorre em
erros sucessivos ao retardar a volta ao Brasil para liderar a oposição contra
Lula. Em contrapartida, Lula age para reconquistar parte de seu eleitorado que
escolheu o adversário, estimulado pelo auxílio emergencial da pandemia e pelo
Auxílio Brasil. É duvidosa a estratégia de Bolsonaro de questionar as urnas até
hoje, enquanto Lula bate bumbo para o combate à fome.
Perfeitas as comparações da colunista! Lula não é santo e seus governos tiveram problemas sérios de corrupção, mas ele tem atenção especial com os pobres e miseráveis e seus governos fizeram grandes melhorias nas vidas dos mais necessitados!
ResponderExcluirA história do pão doce...
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