O Globo
Diálogo respeitoso e em alto nível entre
divergentes nos torna, individualmente e coletivamente, mais inteligentes e
tolerantes, qualidades tão escassas nos últimos tempos
O abaixo-assinado divulgado neste mês por estudantes do Centro Acadêmico XI de Agosto, contrários à volta da ex-deputada estadual Janaína Paschoal ao cargo de professora da Faculdade de Direito da USP, trouxe à tona mais uma vez o debate sobre a liberdade de cátedra em instituições de ensino. Felizmente neste caso podemos dizer – pegando emprestado um termo que gerou tantos debates em círculos políticos e acadêmicos nos últimos quatro anos – que as instituições funcionaram. Os alunos manifestaram sua opinião, mas a direção da Faculdade rechaçou de pronto a ideia e vários professores, alguns fazendo questão de destacar o quanto divergiam politicamente de Janaína, também saíram em sua defesa no episódio.
O caso obviamente não esgota o debate sobre
os limites da liberdade de cátedra. Eles existem, e a mesma Faculdade de
Direito da USP tem um exemplo de afastamento de um professor
que, em 2019, distribuiu em sua aula um texto considerado ofensivo a religiões
afro-brasileiras, casamentos inter-raciais e entre pessoas do mesmo sexo.
Opiniões políticas divergentes são saudáveis num ambiente democrático, mas não
devem servir de justificativa para a propagação de mensagens de ódio e
preconceito.
Além da questão da liberdade de cátedra, os
dois casos suscitam reflexões também sobre o pluralismo de ideias. Nos últimos
anos, esse debate vem sendo tensionado principalmente por grupos de direita em
todo o mundo, que enxergam nas instituições acadêmicas um viés à esquerda e, no
limite, acusam professores de estarem doutrinando crianças e jovens. Uma das
estratégias de argumentação – não exclusiva desse campo ideológico – é pinçar
casos e difundi-los na opinião pública como se fossem provas de um fenômeno
generalizado. Como, só no Brasil, temos 2,5 milhões de professores atuando da
educação básica ao ensino superior, sempre é possível achar exemplos para confirmar
qualquer tese. O difícil é mensurar sua real dimensão.
Por ser este um fenômeno global, na
ausência de dados nacionais, é possível ter ao menos uma ideia de como alguns
estudos mais abrangentes têm captado isto em outros países. Foi este o tema da
Newsletter distribuída aos assinantes do jornal The New York Times na
sexta-feira passada, em que é citada uma pesquisa com professores
universitários dos EUA mostrando que 60% deles se dizem de esquerda (“liberal”,
no caso americano), enquanto apenas 12% se declaram conservadores. Não há
consenso sobre as razões disso, mas é razoável dizer que, ao menos neste
quesito, as evidências confirmam que há um desequilíbrio naquele contexto.
Esta constatação, porém, não é suficiente
para confirmar a doutrinação. E, na mesma Newsletter do New York Times, são
citados estudos que vão na direção contrária: alunos de todos
os posicionamentos ideológicos terminam, em média, seu período acadêmico com
posições mais moderadas do que quando ingressaram no ensino superior. Algumas
pesquisas qualitativas mencionadas no texto do jornal americano sugerem
inclusive que universitários com viés conservador se beneficiam mais
intelectualmente por estarem num ambiente em que suas visões de mundo são
confrontadas com mais frequência, em comparação com os jovens que têm
posicionamento mais próximo de seus professores.
Evidências de outro país não
necessariamente provam que a realidade aqui seja igual. Mas há uma constatação
universal: o diálogo respeitoso e em alto nível com quem pensa diferente nos
torna, individualmente e coletivamente, mais inteligentes e tolerantes,
qualidades tão escassas entre nós nos últimos tempos.
Devemos exercitar o senso de tolerância todos os dias.
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