Valor Econômico
Um pequeno manual para a elaboração de novas normas
O ano legislativo iniciou-se no dia
primeiro de fevereiro e em apenas uma semana já haviam sido apresentados ao
Congresso Nacional 441 projetos de lei ordinária e 22 de lei complementar.
É bem verdade que a função primordial de deputados e senadores seja discutir e aprovar normas, ao lado de fiscalizar o Poder Executivo, mas essa inflação legislativa tem um alto custo para a sociedade. Concebidas sem critérios, muitas vezes para dar resposta a algum acontecimento marcante ou para atender a pleitos de segmentos da sociedade, as novas leis costumam onerar cidadãos e empresas com obrigações excessivas ou criar despesas ou isenções que serão arcadas por toda a coletividade.
Embora sem ilusão de influenciar o trabalho
de nossos parlamentares, apresento uma lista de recomendações que poderiam dar
mais racionalidade à produção normativa no Brasil.
1º) Amar as evidências sobre todas as
coisas.
Qualquer pessoa que se dê ao trabalho de
ler as justificativas de um projeto de lei vai constatar que elas em geral não
são baseadas em estudo, estimativa de impacto ou resultados de
experiências-piloto. O achismo é o principal guia do trabalho parlamentar. O
Brasil possui produção acadêmica de relevo e existem boas experiências no
exterior que podem ser replicadas aqui. Além disso, nos últimos anos aumentou a
disponibilidade de dados sobre políticas públicas e foram desenvolvidas
metodologias para se realizar avaliações de impacto regulatório. Não há razões
para se propor nova norma sem a apresentação de evidências justificando sua
aprovação.
2º) Não adorarás isenções tributárias.
A causa determinante para o caos tributário
em que vivemos e o crônico déficit fiscal reside na criação desenfreada de
isenções, alíquotas reduzidas, tratamentos diferenciados e regimes especiais
voltados para estimular as mais variadas atividades econômicas. Neste momento
em que o Congresso se prepara para discutir a reforma tributária, não há melhor
forma de tornar o sistema tributário simples, eficiente e sem burocracia do que
tratar os setores de forma uniforme, com o mínimo possível de isenções.
3º) Não usarás o santo nome da sociedade em
vão.
Gerar empregos, estimular o desenvolvimento
nacional, incentivar a inovação, proteger a privacidade... Em nome dos mais
nobres objetivos são instituídas distorções no sistema econômico e lançadas as
sementes da insegurança jurídica. Em vez de apontar a sociedade como a grande
beneficiária de seus projetos, os parlamentares deveriam abandonar os disfarces
e indicar os reais patrocinadores das suas propostas.
4º) Santificarás a renda do consumidor
antes de conceder um benefício para determinado grupo.
A cada meia-entrada concedida a alguém, os
outros arcam com um preço mais alto para compensar; a cada proteção concedida a
um determinado setor, é o consumidor quem paga mais caro em decorrência da
redução da concorrência. Deputados e senadores precisam entender que aumentos
de custos são repassados ao consumidor final, e que o brasileiro não aguenta
mais pagar tanto por tão pouco.
5º) Honrarás o produtor e a empreendedora.
Obrigações, padrões, declarações,
vistorias, atestados, alvarás e afins: não se está aqui advogando o fim de
todas essas exigências, numa espécie de “vale tudo” para as atividades
empresariais. Recomenda-se, porém, que a razoabilidade e a proporcionalidade
sejam os princípios a guiar o estabelecimento de novas imposições a quem produz
e empreende. Precisamos de bom senso, acima de tudo.
6º) Não proibirás (sem saber como
fiscalizar e punir).
A cada tragédia com repercussão nacional
proliferam projetos de lei com novos tipos criminais, penas e multas mais altas
ou proibições de atividades. Parlamentares parecem acreditar que a legislação,
por si só, coibirá ações reprováveis. Na maioria das vezes, essas propostas não
vêm acompanhadas de meios para se melhorar a fiscalização e muito menos de uma
simplificação dos procedimentos administrativos e judiciais que, pelo excesso
de recursos e outros estratagemas, garantem a impunidade de criminosos -
sobretudo os mais poderosos.
7º) Não instituirás novas homenagens.
Não há mais meses no calendário para tantas
campanhas de conscientização. Tampouco sobram dias para se homenagear
profissões, assim como todas as rodovias federais, viadutos e pontes já foram
batizados. Imagino também que todos os municípios já são “capitais nacionais”
de alguma coisa. Vamos descongestionar a pauta do Legislativo, por favor.
8º) Não incluirás todos os temas no currículo
escolar.
Educação é essencial para o desenvolvimento
e a redução das desigualdades, mas incluir no currículo escolar todo e qualquer
tema que aparenta ser relevante não vai resolver os nossos problemas. Deputados
e senadores deveriam evitar modismos e lobbies e trabalhar para que as escolas,
antes de qualquer coisa, garantam um ensino de qualidade nas disciplinas
básicas.
9º) Não levantarás falso testemunho contra
o planejamento nacional.
Planos e políticas nacionais são inócuos se
não tiverem a indicação de responsáveis, metas, etapas, cronogramas e
procedimentos de avaliação de resultados. Nós, brasileiros, temos obsessão pelo
planejamento. Pena que a maior parte deles não sai do papel. Antes de lançar um
novo programa nacional sobre qualquer assunto, parlamentares deveriam cobrar a
execução dos que já existem.
10º) Não cobiçarás um tratamento especial
para o teu próximo.
Carga tributária elevada, infraestrutura
ineficiente, mão-de-obra pouco qualificada, insegurança jurídica, juros altos.
São inúmeros os males que afligem a economia brasileira. Porém, em vez de
trabalhar para corrigi-los, boa parte da atividade de deputados e senadores
concentra-se na concessão de benesses que compensar essas mazelas em
determinado setor. Em vez de vender facilidades para alguns, nossos
parlamentares deveriam trabalhar para apresentar soluções para todos.
*Bruno Carazza é mestre em
economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as
engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
Este texto deveria ser leitura obrigatória para todo parlamentar eleito (vereador, deputado, senador) e também para qualquer candidato a um destes cargos.
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