O Globo
Li que o governador do Rio quer que a
Sapucaí volte à administração do estado. Não tentei compreender os argumentos
que justificariam a mudança, na hipótese de que não seja jogada de Cláudio
Castro com vista à disputa a prefeito da capital em 2024. Ele sabe que a gestão
do teatro é fundamental à constituição da persona carioca de Eduardo Paes —
que, justiça se faça, gosta genuinamente da festa. (Em que pese a paixão, que
não raro nos turva o juízo, Paes não precisava encenar apreensão — não
precisava daquele “ufa” em rede social — sobre a possibilidade de sua escola
cair. A Portela é inimputável.)
É tudo uma piada, seja como for. A Sapucaí é dos bicheiros. Aos governos cabendo o ônus de pagar as contas. Quem manda é o capitão — e não aquele cujo degredo a Imperatriz celebrou. Você já leu o livro-reportagem “Porões da contravenção”, de Chico Otavio e do saudoso Aloy Jupiara? (Castor já não está, a fonte dos Andrades secou recentemente, mas a Mocidade — ainda — não cai. A coisa opera por critérios outros.)
São os personagens da obra, e seus
herdeiros, que mandam. Foi para atender às demandas dos chefões no passado que
se concertaram os mercenários do escritório miliciano do crime; para atender às
demandas daqueles cujas escolas apadrinhadas ora cantam contra a opressão.
É complexo. Mas também simples: prefeito e
governador apitam nada. São apenas as novas versões de um Estado que
progressivamente entregou o carnaval das escolas de samba. São apenas as novas
versões representantes de um Estado tomado pelo crime organizado, o carnaval
das escolas de samba sendo apenas a ponta. Claro que não poderia ser sério.
Ainda assim, irrita.
Ouvi, de um boneco de ventríloquo dos
bicheiros, que a Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) está muito
incomodada com a tal outra liga, Liga RJ, que controla os desfiles do grupo de
acesso. Falou-se até em intervenção da Liesa, para finalmente dar estrutura —
organização padrão Grupo Especial — ao que chamam de Série Ouro.
Só mesmo no Brasil, particularmente no Rio,
para um ajuntamento como a Liesa falar desde a condição de agente moralizador.
É esculacho. Escutei — uma condenação mesmo, por gente acostumada a ter
tribunais próprios — que o Império Serrano (agremiação pela qual torço) foi
rebaixado, neste 2023, em decorrência da falta de estrutura da segunda divisão
de que ascendeu; e que a liga que cuida do troço seria desprovida de
credibilidade, sabendo-se, com antecedência, a escola que subirá.
Nós todos, que sabíamos qual escola cairia
— que sabemos qual cairá, em 2024 — na disputa dissimulada pela Liesa, temos de
ouvir isso. Normalmente nos calamos. Vou falar.
A Liesa está certa sobre a Liga RJ. A ver
se está correta sobre si. Os fatos resolvem a parada. A turma se tem na conta
de prover estrutura de primeira ao carnaval, capaz mesmo de sanear outros
grupos, como se não estivesse sob seus cuidados a Cidade do Samba que pegou
fogo.
Foi sob a estrutura exemplar da Liesa que
carro alegórico desgovernado esmagou uma jornalista dentro da passarela, em
2017. Ela morreria tempos depois. Carros potencialmente assassinos desfilam
todos os anos.
A Liga RJ, mais pobrinha, copia o modelo da
Liesa, com a diferença de reunir fauna de atividades profissionais mais amplas.
A Liesa é elitista. Mas a lógica é a mesma; não à toa, na dispersão de um
desfile da Liga RJ em 2022, morreu uma menina atropelada por alegoria.
Qual a credibilidade da Liesa? Como pode se
atribuir credibilidade, com o histórico de viradas de mesa que tem? Não faz
muito, anulou-se o rebaixamento para que a Grande Rio não caísse.
A responsabilidade é do poder público. É
responsabilidade do poder público que algo como a Liesa vá festejar 40 anos,
como se grande prestadora de serviços à sociedade, quando há muito, houvesse
coragem, deveríamos ter avançado para o fim de sua capitania sobre o carnaval.
Não dá, em 2023, nunca deu, para o carnaval
ser erguido sobre o trânsito de dinheiros vivos. (Ou seremos seletivos em
matéria de capitão?) Há dinheiro público também. Dinheiro público igualmente
para todas. Os dinheiros vivos, então, fazendo a diferença para que umas se
imponham às outras. A isso se presta o Estado. Essa é a gestão privada da
obscura Liesa, legitimada por governos há décadas.
E há a questão do julgamento do concurso, administrado
pela cúpula de meia dúzia de escolas que compõe parte interessada. Pergunto: o
mesmo desfile da Imperatriz, belíssimo, se apresentado pela Tuiuti, seria
campeão? Teria voltado entre as seis melhores?
É farsa ofensiva que alguém fale em credibilidade
de disputa em que, de 12 agremiações, pelo menos dez não possam cair. Melhor
seria fechar o grupo, sem rebaixamentos, e que o resto vá brincar, pulando de
bala do Fubá, na Nova Intendente.
Que rolo!
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