O Globo
O governo Lula parece querer se associar ao
consórcio parlamentar liderado por Arthur Lira. Talvez não haja mesmo, não
agora, alternativa. Ao mesmo tempo, talvez porque não confie nele, trabalha
para conquistar para si — independentemente de Lira — parte da bancada de Lira.
É jogada arriscada, que se dá num
equilíbrio tenso, em que não faltam desconfiados. Todos têm razão. A tensão faz
subir os preços. Os deputados, por óbvio, são os mesmos. Teríamos uma sobreposição
de bases. Lira tem uma. O governo quer agradá-lo. Quer também, para si, costela
dessa base. A conta é cara e não fecha. Não há costelas para todos. O governo
quer uma saída.
O Planalto quer Lira, mas quer também fatia da base de Lira — sem Lira. A sobreposição, projetada no porvir: o Planalto quer Lira já, com o que ganharia tempo, mas quer também, em conquista progressiva, porção da base de Lira, de modo a poder prescindir de Lira.
Não sei se funcionará. Sei que a existência
de Lira depende de centralização. Ele define o presidente da Câmara — se define
— como um facilitador. O homem faz o trânsito. Para rir, tem de fazer rir.
Serviu bem ao estilo Bolsonaro, até porque o ex-presidente desprezava o
Parlamento.
Servirá a Lula?
Lira é aquele, informam os jornais, que não
pretende fazer oposição, mas que está sempre, informam os jornais, contrariado
por algum movimento do governo. O aborrecimento que antecede o afago. Um
insatisfeito disposto a satisfazer. Para rir, tem de fazer rir. E assim se vai,
ao custo da democracia representativa.
Ao custo da democracia representativa,
representa-se. A alegada independência do Progressistas é teatro que de repente
se encarece no papel — para Oscar — de um Ciro Nogueira, o ex-ministro de
Bolsonaro cuja rara condição de oposicionista qualifica a natureza do partido:
independência comercial.
Essa galera não faz política. E não se
encorpará a atividade política negociando nos termos como o bolsonarismo
transitava no Congresso. O facilitador Lira quer a formalização do arranjo que
lhe fez primeiro-ministro durante o governo Bolsonaro. A tensão está
contratada. Ou serei otimista?
O governo quer uma saída?
Lula fala que a política voltou. Fala em
valorização da atividade política; em combate à criminalização do agente
político. O propósito é nobre. Urgente. Os últimos anos foram devastadores para
a política. A ver somente se a política poderá ser fortalecida sob adesão do
governo ao modo Lira de negociação, elemento decisivo na campanha bolsonarista
de corrosão institucional.
Qual a saída?
A ver também o que significará, para Lula,
combater a criminalização da política. Há definições para todos os gostos.
Jhonatan de Jesus, aprovado na Câmara para Tribunal de Contas da União,
apadrinhado por Lira e apoiado também pelo PT, tem uma, conforme relatou aos
deputados que o escolheram:
— Deram munição para que [o TCU] fosse
utilizado para criminalizar a política. É isso que precisamos combater.
O combatente operará sob a lógica
despachante do padrinho. Trabalhará pela agenda de defesa dos interesses do
Parlamento. A agenda facilitadora. Contra a criminalização da política.
E aí?
Não terá sido pela valorização da atividade
política que Juscelino Filho — elogio e estímulo à lógica distributiva do
orçamento secreto — foi nomeado ministro. Ele incorpora a reencarnação daquele
sistema. Há quase R$ 10 bilhões desse espólio alocados sob ministérios e
amarrados, pela LOA de 2023, ao cumprimento de acordos firmados pelos donos do
Congresso.
O próprio caso de Juscelino Filho exige
atenção: o governo Lula lhe liberará os milhões restantes em apadrinhamentos
para a conclusão do asfaltamento da estrada que serve à fazenda da família?
Juscelino Filho é do União Brasil. O União
Brasil são muitos. Há vários partidos ali dentro. Elmar Nascimento é um partido.
Alcolumbre, um partido. Bivar, um. Essa multiplicidade produz apoio
inalcançável a um governo, mas ilude. A cada votação, uma Codevasf. E, sempre,
um apoio instável.
O União Brasil tem três ministérios, mas
quer mais. É uma miragem. Oásis inatingível. O Planalto entrega, mas não
consolida. Entrega uma Sudene, um FNDE, e então terá feito carinho a um desses
alcolumbres — não ao partido. Não haverá segurança. E não haverá superfície que
chegue, para oferecer em troca dessa segurança.
Veja-se o caso da Funasa. O governo
anunciou, no comecinho de janeiro, o fim do troço, cujas funções seriam
absorvidas pelo Ministério das Cidades. Não sei se a medida era boa
tecnicamente. Pareceu decisão impessoal. Sei que agora o líder do PT na Câmara
clama pela restituição do bicho de modo a contemplar o apetite dos aliados
desejados.
É miragem. Mas o cínico, um pessimista,
observa o cenário considerando a hipótese de que todos saibam.
Pois é.
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