O Globo
A manchete de um grande jornal informou:
“Governo Lula abre mão de verba para Lira distribuir emendas até a deputados de
oposição”. Poderia ter simplificado: “Orçamento secreto continua”. Talvez
pusesse uma pimenta: “Novo governo mantém prática do antigo”. Quem sabe dando
nome aos bois: “Governo Lula dá sequência a esquema de Bolsonaro”. (E, então, o
jornal seria cancelado. Como ousou equivaler o garantidor da democracia ao
capiroto?)
Nada mudou, afinal. (Calma. Nada mudou em
matéria de orçamento secreto.)
Sufocada a rubrica RP9, que classifica a
emenda do relator, a gestão autoritária do orçamento da União driblou o Supremo
e migrou à RP2, mantida a falsa administração dos recursos pelos ministérios. O
orçamento era secreto porque movido por detrás de fachadas. As fachadas se
deslocaram — para que o trânsito orçamentário permaneça na mão obscura de
poucos senhores.
Lembro que a Lei Orçamentária Anual de 2023 veda o cancelamento — sem o aval do relator-geral — de dotações de despesas discricionárias que decorram de indicações do... relator-geral. Ficou tudo amarrado, conforme distribuição dos bilhões definida — sob indicação do relator — quando ainda vigorava o uso pervertido das emendas... do relator.
Não é, portanto, que Lula tenha aberto mão
de verba para Arthur Lira distribuir até a deputados de oposição. O governo
simplesmente não tem o que fazer. Longe, porém, de ser vítima.
A forma como os dinheiros do orçamento
secreto — como os usos desses dinheiros — foram remanejados-recompostos derivou
de acordo que desamarrou a aprovação da PEC da Transição. Lira e sócios mandam
o Planalto pagar — e o Planalto paga. Daí por que contemplados também — como na
época das emendas do relator — parlamentares de oposição. Não por gentileza de
Lula. Mas porque Lira e o consórcio que lidera querem, em nome de interesses
corporativistas. Ao governo cabendo controlar, em troca de votos nas matérias
de seu interesse, o tempo das liberações. Ficam todos felizes, todos
comprometidos entre si.
Nada mudou.
É preciso avaliar a natureza dessa
continuação de práticas. É preciso também avaliar o uso do discurso de “não
criminalização da política” como fachada para que avanços patrimonialistas
sobre a superfície do Estado se perpetuem. Governos democráticos oferecem
espaços na administração para que aliados participem da gestão. É do jogo. No
entanto que jogo fazem governos democráticos que oferecem espaços na
administração para que aliados pretendidos continuem gerindo viciosamente as
mesmas superfícies corrompidas durante o período que o discurso democrático
afirma querer superar?
O problema não está em dividir cargos — em
partilhar o poder. Está em sustentar o esquema de poder lesivo que vigorou no
governo Bolsonaro. O que significará Juscelino Filho ser ministro de Lula,
senão o reconhecimento — o elogio — à capacidade de o orçamento secreto eleger
novos poderosos?
Nada mudou.
Veja-se o caso da Codevasf. É propriedade,
desde o governo Bolsonaro, do deputado Elmar Nascimento. E assim permanecerá; a
Elmar cabendo decidir se manterá o atual presidente da companhia, cujo
alargamento fez com que os vales do São Francisco e do Parnaíba chegassem até o
Amapá do rio Alcolumbre, esse grande afluente.
A Codevasf de Elmar, que é Lira, foi — sob
Bolsonaro — a arena preferencial para o espetáculo do orçamento secreto. Assim
seguirá. Seguirão as irregularidades? Seguirão as irregularidades identificadas
no governo Bolsonaro, mantida a mesma cadeia de comando na empresa? Poderá ser
diferente? Apurações da Controladoria-Geral da União documentaram a transformação
da companhia em fábrica de pavimentação Brasil adentro, com asfalto que
esfarela como farinha. Mesmo no Amapá.
É um complexo perfeito de interesses
alcolúmbricos.
A Codevasf, musa do orçamento secreto, fica
com Elmar, que é Lira, em troca do apoio do União Brasil, que apoia ninguém — e
quer mais sudenes. Que tal? Não haverá miragem maior que esperar o apoio de um
partido que não existe, mas tem votos. Uma máquina de barganha — ou chantagem.
O União Brasil é uma federação de
partidos-personas. Elmar é um. Davi Alcolumbre, um. Luciano Bivar, outro. Há
outros. O governo entrega, entrega pavimentação, pensa se acercar do oásis, mas
o deserto come o asfalto e pede mais e mais chão — mais areia. O governo
entrega. O União, farinha, escapa entre os dedos, a cada votação demandando um
novo Dnocs. Vale?
Não é somente investimento corruptivo,
autoritário e caro. Mas corruptivo, autoritário, caro e inócuo. Areia — farinha
— não faz base.
A grande questão, contudo, impõe-se mesmo à
burrice da escolha contraproducente: se Bolsonaro, o sete-peles, entregou as
codevasfs aos cuidados do consórcio Lira, em que página ficará o governo Lula
ao manter os vales sob controle da República de Elmar?
Num contexto em que Zé Boiada teve mais votos que Marina Silva. E que Biruliro fez o governador de São Paulo. Lula teria condições de acabar com o Orçamento Secreto, moralizar a Codevasf e a Sudene? Uma coisa que devia haver em nosso país seria uma espécie de segunda votação em que o povo confirmasse a primeira. Creio que Zé Boiada seria desvotado.
ResponderExcluirO colunista sabe, conhece o assunto 'pavimentação', 'estradas', 'asfalto' como ninguém.
ResponderExcluirÉ de família, lembra?
Brasileiro vota com convicção,é muito difícil a mudança de votos.
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