sábado, 25 de fevereiro de 2023

Carlos Góes - Juro e crescimento

O Globo

É importante debater a política de juros. Mas demonizar a política econômica não contribui para o crescimento do Brasil

Durante as últimas semanas, o país testemunhou um confronto de visões sobre o papel da taxa de juros no controle da inflação e no crescimento do país. Os termos do debate não foram os usuais.

Além de acadêmicos e colunistas preencherem páginas de jornais, como de costume, a CUT preencheu a entrada dos prédios do Banco Central pelo país em protestos contra a política de juros.

A tese da ala mais à esquerda do governismo parece se resumir na seguinte frase de Gleisi Hoffman, presidenta do PT: “O Banco Central não pode aplicar um remédio errado e comprometer o crescimento do Brasil.” O argumento é que o Brasil não cresce por causa da política de metas de inflação.

Mas não há evidências de que esse argumento seja verdadeiro.

Macroeconomistas tipicamente dividem a história estatística de uma economia nacional ao longo do tempo em dois componentes: uma tendência de longo prazo e variações ao redor dessa tendência.

As variações ao redor da tendência — chamadas em economês de “ciclos” — são as coisas que dominam os noticiários: recessões e expansões. Às vezes, a economia se contrai em relação aos anos anteriores, levando à redução de empregos e outras mazelas sociais. Outras vezes, a economia cresce muito mais rápido que a média, o que gera escassez de fatores de produção, e acaba gerando inflação.

A função social do BC é a de suavização dos ciclos econômicos. Quando a economia está fraca, o BC reduz os juros, para estimular empresas a investirem e consumidores a gastarem.

Quando a inflação está alta, o BC aumenta os juros, desincentivando o consumo e reduzindo a atividade econômica de curto prazo.

Além da inflação alta, o cenário com o qual o BC se confronta é o de um 2022 de crescimento acima da média (provavelmente acima de 3%) e uma taxa de desemprego ao redor de 8%, ajustada por fatores sazonais, que é a mais baixa desde 2015.

Você pode até discordar, mas, no entendimento da diretoria do BC, esses e outros indicadores sugerem um ciclo mais expansivo que recessivo nos últimos trimestres.

Mais importante é o fato de que, no longo prazo, tanto crescimento quanto juros são determinados por fatores estruturais. Por isso, o argumento de Gleisi mencionado no começo desta coluna não faz muito sentido.

A tendência da economia nacional mostra o crescimento da produção econômica por trabalhador ao longo de muitos anos. Historicamente, este crescimento se tornou exponencial perto da revolução industrial e é de cerca de 2% ao ano em muitos países do mundo.

Há muitos fatores que explicam esses crescimento. Essencialmente, todos estão relacionados ao aumento de produtividade — isto é, à capacidade de um mesmo trabalhador conseguir produzir mais utilizando a mesma quantidade de insumos num mesmo intervalo de tempo.

Entre eles estão acumulação de capital físico (máquinas e equipamentos) e humano (educação); abertura para o comércio internacional; desenvolvimento de um setor financeiro; e qualidade de bens públicos, como segurança pública, saúde e garantia de direitos de propriedade.

Esses elementos têm muito pouco a ver com as políticas do BC e muito a ver com o tipo de políticas públicas que diversas gestões do Executivo implementam ao longo do tempo.

Para os juros, também existem motivos estruturais que explicam as taxas de juros em cada país. Por exemplo, um trabalho recente de Laura Elias e Bernardo Guimarães sugere que os juros ao consumidor no Brasil flutuam pouco com as decisões do Banco Central, o que pode forçar o órgão a mover os juros mais intensamente.

Outro trabalho, de Carlos Viana de Carvalho e muitos coautores, mostra que quando as expectativas de inflação estão “desancoradas” (isto é, quando as pessoas acreditam que o BC não vai cumprir a meta futura) os repasses de variações internacionais de preço são maiores.

Ou seja, mesmo quem diz que o BC não deve ficar completamente inerte quando a origem da inflação for internacional parece ter ignorado algumas complexidades.

É importante debater a política de juros, porque ela depende de algo inerentemente impossível de se observar: o ciclo econômico. Pessoas razoáveis podem discordar sobre o estado do ciclo econômico. Contudo, demonizar a política econômica, atribuindo a ela anos de baixo crescimento, é um ataque às instituições que, além de não ter nenhuma base empírica, em nada contribui para melhorar o crescimento no Brasil.

 

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