O Globo
É importante debater a política de juros.
Mas demonizar a política econômica não contribui para o crescimento do Brasil
Durante as últimas semanas, o país
testemunhou um confronto de visões sobre o papel da taxa de juros no controle
da inflação e no crescimento do país. Os termos do debate não foram os usuais.
Além de acadêmicos e colunistas preencherem
páginas de jornais, como de costume, a CUT preencheu a entrada dos prédios do
Banco Central pelo país em protestos contra a política de juros.
A tese da ala mais à esquerda do governismo
parece se resumir na seguinte frase de Gleisi Hoffman, presidenta do PT: “O
Banco Central não pode aplicar um remédio errado e comprometer o crescimento do
Brasil.” O argumento é que o Brasil não cresce por causa da política de metas
de inflação.
Mas não há evidências de que esse argumento seja verdadeiro.
Macroeconomistas tipicamente dividem a
história estatística de uma economia nacional ao longo do tempo em dois componentes:
uma tendência de longo prazo e variações ao redor dessa tendência.
As variações ao redor da tendência —
chamadas em economês de “ciclos” — são as coisas que dominam os noticiários:
recessões e expansões. Às vezes, a economia se contrai em relação aos anos
anteriores, levando à redução de empregos e outras mazelas sociais. Outras
vezes, a economia cresce muito mais rápido que a média, o que gera escassez de
fatores de produção, e acaba gerando inflação.
A função social do BC é a de suavização dos
ciclos econômicos. Quando a economia está fraca, o BC reduz os juros, para
estimular empresas a investirem e consumidores a gastarem.
Quando a inflação está alta, o BC aumenta
os juros, desincentivando o consumo e reduzindo a atividade econômica de curto
prazo.
Além da inflação alta, o cenário com o qual
o BC se confronta é o de um 2022 de crescimento acima da média (provavelmente
acima de 3%) e uma taxa de desemprego ao redor de 8%, ajustada por fatores
sazonais, que é a mais baixa desde 2015.
Você pode até discordar, mas, no
entendimento da diretoria do BC, esses e outros indicadores sugerem um ciclo
mais expansivo que recessivo nos últimos trimestres.
Mais importante é o fato de que, no longo
prazo, tanto crescimento quanto juros são determinados por fatores estruturais.
Por isso, o argumento de Gleisi mencionado no começo desta coluna não faz muito
sentido.
A tendência da economia nacional mostra o
crescimento da produção econômica por trabalhador ao longo de muitos anos.
Historicamente, este crescimento se tornou exponencial perto da revolução
industrial e é de cerca de 2% ao ano em muitos países do mundo.
Há muitos fatores que explicam esses
crescimento. Essencialmente, todos estão relacionados ao aumento de
produtividade — isto é, à capacidade de um mesmo trabalhador conseguir produzir
mais utilizando a mesma quantidade de insumos num mesmo intervalo de tempo.
Entre eles estão acumulação de capital
físico (máquinas e equipamentos) e humano (educação); abertura para o comércio
internacional; desenvolvimento de um setor financeiro; e qualidade de bens
públicos, como segurança pública, saúde e garantia de direitos de propriedade.
Esses elementos têm muito pouco a ver com
as políticas do BC e muito a ver com o tipo de políticas públicas que diversas
gestões do Executivo implementam ao longo do tempo.
Para os juros, também existem motivos
estruturais que explicam as taxas de juros em cada país. Por exemplo, um
trabalho recente de Laura Elias e Bernardo Guimarães sugere que os juros ao
consumidor no Brasil flutuam pouco com as decisões do Banco Central, o que pode
forçar o órgão a mover os juros mais intensamente.
Outro trabalho, de Carlos Viana de Carvalho
e muitos coautores, mostra que quando as expectativas de inflação estão
“desancoradas” (isto é, quando as pessoas acreditam que o BC não vai cumprir a
meta futura) os repasses de variações internacionais de preço são maiores.
Ou seja, mesmo quem diz que o BC não deve
ficar completamente inerte quando a origem da inflação for internacional parece
ter ignorado algumas complexidades.
É importante debater a política de juros,
porque ela depende de algo inerentemente impossível de se observar: o ciclo
econômico. Pessoas razoáveis podem discordar sobre o estado do ciclo econômico.
Contudo, demonizar a política econômica, atribuindo a ela anos de baixo
crescimento, é um ataque às instituições que, além de não ter nenhuma base
empírica, em nada contribui para melhorar o crescimento no Brasil.
Lendo e refletindo.
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