quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Cristiano Romero - Banco Central: vantagens da independência

Valor Econômico

Volatilidade do PIB, inflação e taxas de juros são menores

A independência formal do Banco Central (BC) não é panaceia. Não resolve todos os problemas da economia brasileira, está longe disso, mas a experiência internacional mostra que os países que institucionalizaram a autonomia sempre estiveram em melhor situação do que os que não fizeram isso. Nessas economias, a inflação é mais baixa, a volatilidade do produto, isto é, a variação do Produto Interno Bruto (PIB) ao longo do tempo, é menor e a capacidade de reagir a crises, maior, como ficou comprovado durante a Grande Recessão, como ficou conhecida a crise mundial de 2007-2008.

Mesmo com todas as críticas feitas aos bancos centrais das economias avançadas - especialmente, ao Federal Reserve (Fed), dos Estados Unidos, e ao Banco Central Europeu (BCE) -, a independência das instituições não foi colocada em questão. Fed e BCE foram os principais gestores daquela crise. O papel dos dois BCs foi mais importante que o das políticas fiscais adotadas pelas nações afetadas diretamente pela crise, a mais grave desde a Grande Depressão, de 1929.

A história mostra que existe correlação positiva entre democracia e independência do banco central. Quanto mais democrático um país, maior a independência de seu BC. Isso é particularmente verdadeiro nos EUA, na União Europeia, nos países escandinavos e na Oceania. Mercados emergentes da Ásia, como Tailândia, Indonésia e Índia, e da América Latina (AL), como México, Chile, Colômbia e Brasil, também decidiram fortalecer, nas duas últimas décadas, a independência da autoridade monetária.

No caso da AL, não é coincidência o fato de o BC não possuir independência justamente nas nações onde a democracia é frágil, como Venezuela e Argentina. Nesses países, a volatilidade do produto é bem maior e a inflação, entre as mais altas do planeta.

Em seu processo de modernização econômica, o Brasil ficou no meio do caminho. À quebra dos monopólios estatais, seguiu-se a criação de agências reguladoras independentes. Este é o caminho natural para a transição de uma economia autárquica, em que o Estado é o principal provedor de serviços e de alguns produtos, como combustíveis, para uma economia de mercado. O problema é que, antes mesmo de essas agências se consolidarem como autônomas, criadas para lidar com oligopólios originários da máquina estatal, sucessivos governos fizeram intervenções, entregando seu comando a partidos políticos, sob a alegação de que cabe ao presidente eleito definir políticas públicas.

O resultado do desrespeito à independência pode ser medido na telefonia. O modelo de desestatização das teles contemplava competição entre as três empresas de telefonia fixa privatizadas em julho de 1998 e suas respectivas “espelhos”. Todavia, decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2008, autorizou a fusão de duas das três teles privatizadas (Telemar e Brasil Telecom).

A empresa que resultou da fusão se chama Oi, entrou em recuperação judicial (RJ) em 2016, concluiu-a em dezembro de 2022 e, agora, devendo ainda a “módica” quantia de R$ 29 bilhões a credores, prepara-se para nova RJ. Quem paga a conta de uma prestadora de serviços falida são milhões de brasileiros de Norte a Sul que, com exceção de São Paulo, são seus clientes.

A crítica que se faz às agências é que, se não estão a serviço do governo, são facilmente capturadas pelos entes regulados. Não se tenha dúvida, o risco de captura é real e o poder público deveria cercar-se de garantias para evitar que isso ocorra. As agências deveriam ser mais transparentes no fornecimento de informações ao Congresso e à sociedade. Concentração deveria ser tema prioritário, afinal, economia de mercado só tem legitimidade se houver competição. Democracias, por sua vez, são mais fortes em regimes econômicos abertos, mas sob forte regulação do Estado.

As agências não devem ser comparadas a uma espécie de “Quarto Poder”, num arcabouço em que apenas os três poderes da República podem ser independentes. Numa democracia, o aperfeiçoamento das instituições é tarefa permanente e o Congresso sempre pode mudar o status legal de órgãos públicos.

A experiência internacional não revela casos de bancos centrais independentes atuando como “Quarto Poder”. No modelo de BC legalmente autônomo, é clássica a separação entre Estado e o governo do momento. Os mandatos dos diretores não são coincidentes com os do presidente.

O Brasil passou a conviver com a chamada autonomia “operacional” do BC no início do mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002). O Plano Real tinha seis meses de vida e a autonomia era vista como necessária para o sucesso da estabilização. Autonomia “operacional” é um eufemismo bem brasileiro, afinal, ou o BC é autônomo ou não é. FHC não tinha convicção acerca da importância da independência legal, tanto que não a propôs em oito anos de governo. Lula também nunca gostou da ideia, mas deu “autonomia operacional” em seus dois primeiros mandatos (2003-2006 e 2007-2010), ainda que o BC tenha sofrido enorme pressão.

Nas gestões da presidente Dilma Rousseff (2011-2014 e 2015-2016), o BC passou a ter colegiado integrado apenas por funcionários públicos - uma exceção foi Tony Volpon, economista egrégio do mercado. A presidente interferiu no BC e chegou a afirmar que em seu governo inflação não seria mais combatida com juros.

Na ocasião, decidiu-se que o voto de cada diretor nas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) passaria a ser divulgado, um constrangimento a mais para quem é funcionário do Estado e corre o risco de ser perseguido e ter a carreira prejudicada pelo governo. Revelação de voto sem mandato legal foi sabotagem à autonomia “operacional”.

Há inúmeras vantagens na autonomia formal. Uma delas é o aumento da relevância do canal das expectativas, principalmente sob a vigência do regime de metas para inflação. A atuação independente permite que os outros canais de transmissão da política monetária sejam menos afetados. A garantia de que o BC tem autonomia para fixar os juros reduz o custo da política monetária: o juro sobe menos para o mesmo efeito na inflação, tendo impacto menor sobre câmbio, crédito, demanda, emprego e atividade.

O Brasil era, até 2021, um dos poucos países democráticos sem BC independente. Retrocesso nessa área será um equívoco gigantesco.

 

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