Valor Econômico
Volatilidade do PIB, inflação e taxas de
juros são menores
A independência formal do Banco Central
(BC) não é panaceia. Não resolve todos os problemas da economia brasileira,
está longe disso, mas a experiência internacional mostra que os países que
institucionalizaram a autonomia sempre estiveram em melhor situação do que os
que não fizeram isso. Nessas economias, a inflação é mais baixa, a volatilidade
do produto, isto é, a variação do Produto Interno Bruto (PIB) ao longo do
tempo, é menor e a capacidade de reagir a crises, maior, como ficou comprovado
durante a Grande Recessão, como ficou conhecida a crise mundial de 2007-2008.
Mesmo com todas as críticas feitas aos bancos centrais das economias avançadas - especialmente, ao Federal Reserve (Fed), dos Estados Unidos, e ao Banco Central Europeu (BCE) -, a independência das instituições não foi colocada em questão. Fed e BCE foram os principais gestores daquela crise. O papel dos dois BCs foi mais importante que o das políticas fiscais adotadas pelas nações afetadas diretamente pela crise, a mais grave desde a Grande Depressão, de 1929.
A história mostra que existe correlação
positiva entre democracia e independência do banco central. Quanto mais
democrático um país, maior a independência de seu BC. Isso é particularmente
verdadeiro nos EUA, na União Europeia, nos países escandinavos e na Oceania.
Mercados emergentes da Ásia, como Tailândia, Indonésia e Índia, e da América
Latina (AL), como México, Chile, Colômbia e Brasil, também decidiram
fortalecer, nas duas últimas décadas, a independência da autoridade monetária.
No caso da AL, não é coincidência o fato de
o BC não possuir independência justamente nas nações onde a democracia é
frágil, como Venezuela e Argentina. Nesses países, a volatilidade do produto é
bem maior e a inflação, entre as mais altas do planeta.
Em seu processo de modernização econômica,
o Brasil ficou no meio do caminho. À quebra dos monopólios estatais, seguiu-se
a criação de agências reguladoras independentes. Este é o caminho natural para
a transição de uma economia autárquica, em que o Estado é o principal provedor
de serviços e de alguns produtos, como combustíveis, para uma economia de
mercado. O problema é que, antes mesmo de essas agências se consolidarem como
autônomas, criadas para lidar com oligopólios originários da máquina estatal,
sucessivos governos fizeram intervenções, entregando seu comando a partidos
políticos, sob a alegação de que cabe ao presidente eleito definir políticas
públicas.
O resultado do desrespeito à independência
pode ser medido na telefonia. O modelo de desestatização das teles contemplava
competição entre as três empresas de telefonia fixa privatizadas em julho de
1998 e suas respectivas “espelhos”. Todavia, decreto assinado pelo presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, em 2008, autorizou a fusão de duas das três teles
privatizadas (Telemar e Brasil Telecom).
A empresa que resultou da fusão se chama
Oi, entrou em recuperação judicial (RJ) em 2016, concluiu-a em dezembro de 2022
e, agora, devendo ainda a “módica” quantia de R$ 29 bilhões a credores,
prepara-se para nova RJ. Quem paga a conta de uma prestadora de serviços falida
são milhões de brasileiros de Norte a Sul que, com exceção de São Paulo, são
seus clientes.
A crítica que se faz às agências é que, se
não estão a serviço do governo, são facilmente capturadas pelos entes
regulados. Não se tenha dúvida, o risco de captura é real e o poder público
deveria cercar-se de garantias para evitar que isso ocorra. As agências
deveriam ser mais transparentes no fornecimento de informações ao Congresso e à
sociedade. Concentração deveria ser tema prioritário, afinal, economia de
mercado só tem legitimidade se houver competição. Democracias, por sua vez, são
mais fortes em regimes econômicos abertos, mas sob forte regulação do Estado.
As agências não devem ser comparadas a uma
espécie de “Quarto Poder”, num arcabouço em que apenas os três poderes da
República podem ser independentes. Numa democracia, o aperfeiçoamento das
instituições é tarefa permanente e o Congresso sempre pode mudar o status legal
de órgãos públicos.
A experiência internacional não revela
casos de bancos centrais independentes atuando como “Quarto Poder”. No modelo
de BC legalmente autônomo, é clássica a separação entre Estado e o governo do
momento. Os mandatos dos diretores não são coincidentes com os do presidente.
O Brasil passou a conviver com a chamada
autonomia “operacional” do BC no início do mandato do presidente Fernando
Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002). O Plano Real tinha seis meses de vida
e a autonomia era vista como necessária para o sucesso da estabilização.
Autonomia “operacional” é um eufemismo bem brasileiro, afinal, ou o BC é
autônomo ou não é. FHC não tinha convicção acerca da importância da
independência legal, tanto que não a propôs em oito anos de governo. Lula
também nunca gostou da ideia, mas deu “autonomia operacional” em seus dois
primeiros mandatos (2003-2006 e 2007-2010), ainda que o BC tenha sofrido enorme
pressão.
Nas gestões da presidente Dilma Rousseff
(2011-2014 e 2015-2016), o BC passou a ter colegiado integrado apenas por
funcionários públicos - uma exceção foi Tony Volpon, economista egrégio do
mercado. A presidente interferiu no BC e chegou a afirmar que em seu governo
inflação não seria mais combatida com juros.
Na ocasião, decidiu-se que o voto de cada
diretor nas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) passaria a ser
divulgado, um constrangimento a mais para quem é funcionário do Estado e corre
o risco de ser perseguido e ter a carreira prejudicada pelo governo. Revelação
de voto sem mandato legal foi sabotagem à autonomia “operacional”.
Há inúmeras vantagens na autonomia formal.
Uma delas é o aumento da relevância do canal das expectativas, principalmente
sob a vigência do regime de metas para inflação. A atuação independente permite
que os outros canais de transmissão da política monetária sejam menos afetados.
A garantia de que o BC tem autonomia para fixar os juros reduz o custo da
política monetária: o juro sobe menos para o mesmo efeito na inflação, tendo
impacto menor sobre câmbio, crédito, demanda, emprego e atividade.
O Brasil era, até 2021, um dos poucos
países democráticos sem BC independente. Retrocesso nessa área será um equívoco
gigantesco.
Lendo e aprendendo.
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