O Globo
Terminou o inverno amargo da guerra
posicional de atrito na Ucrânia. A Rússia deflagrou sua ofensiva no Leste, cuja
meta mínima é avançar até os limites das províncias de Luhansk e Donetsk,
ocupando todo o Donbass. A Ucrânia prepara uma futura contraofensiva no Sul,
cujo objetivo é a reconquista de Melitopol, cindindo ao meio as forças russas
na “ponte terrestre” entre Rússia e Crimeia. Lula declarou que quer ajudar a
mediar a paz na Ucrânia. Se fosse verdade, deveria torcer pelo fracasso da
ofensiva russa e pelo sucesso da contraofensiva ucraniana.
A hipotética tomada de todo o Donbass pela potência invasora só prolongaria o conflito, pois uma esmagadora maioria dos ucranianos rejeita a troca da paz pela entrega de um quarto de seu país aos russos. O insucesso da ofensiva putinista seguido por uma retomada ucraniana dos territórios meridionais provocaria um choque político e militar dramático, talvez suficiente para levar o Kremlin à mesa de negociações. Nesse caso, sob pressão de seus aliados ocidentais, o governo ucraniano poderia aceitar uma vitória parcial: o recuo da Rússia até as posições ocupadas em 24 de fevereiro de 2022
A corrente ultranacionalista russa quer um
triunfo total: a derrubada do governo de Kiev e a imposição de um protetorado
informal sobre a Ucrânia. Putin, porém, desistiu do objetivo maximalista depois
de sucessivos fracassos militares. Hoje, ao que tudo indica, persegue uma
vitória parcial: o controle do Donbass e da “ponte terrestre” para a Crimeia.
Se a atual ofensiva funcionar, o chefe do Kremlin tentaria congelar o conflito
por meio de um armistício: um longo interregno antes da próxima invasão. Ele aposta
na quebra da unidade ocidental em defesa da soberania ucraniana. É nesse
contexto que se deve interpretar a retórica de Lula pela paz.
No final de 2019, Lula concedeu uma
entrevista à RT, veículo oficioso do Kremlin. Nela, exprimiu sua visão da
geopolítica global:
— Uma coisa que me deixa orgulhoso é o
papel desempenhado por Putin na História mundial, o que significa que o mundo
não pode ser tomado como refém pela política dos EUA.
A Rússia promovera, cinco ano antes, a
primeira invasão da Ucrânia. O então candidato à Presidência enxergava a Rússia
imperial putinista como fator de equilíbrio geopolítico. Sua cruzada
diplomática por negociações de paz na Ucrânia inscreve-se nessa visão.
Segundo Lula, o “clube da paz” excluiria os
EUA e os países europeus “envolvidos na guerra”. (Registre-se, de passagem, que
a Carta da ONU impugna as palavras do presidente: o auxílio econômico e militar
a uma nação submetida a uma guerra de agressão não transforma os Estados que a
apoiam em partes do conflito.) Contudo, partindo de sua falsa premissa, Lula
sugere que China e Índia figurem como núcleo do tal “clube da paz”, ou como
mediadores entre Moscou e Kiev.
A iniciativa de Lula não tem chance de
prosperar, pois a Ucrânia rejeitará uma mediação conduzida por aliados da
Rússia que se recusam a exigir a integridade territorial ucraniana. Mas o
objetivo dela não é a busca da paz. No lugar disso, busca-se oferecer a Putin
uma vitória diplomática: a exibição da Rússia como nação aberta a negociações
e, no polo oposto, da Ucrânia como obstáculo intransponível à paz. O timing da
proposta lulista, que terá novo capítulo durante a visita à China, ajusta-se à
ofensiva militar russa no Donbass.
Analistas ingênuos imaginam que a retórica
sobre o “clube da paz” reflete apenas a ambição de Lula de emergir como ator
diplomático global. Subestima-se o impulso “anti-imperialista” (na verdade,
antiamericano) da política externa cultivada pelo PT, bem como seu estreito alinhamento
com a orientação geopolítica de Havana. As sentenças proferidas por Lula na RT
não decorrem de desinformação ou da vontade de agradar ao ditador russo. São
expressão precisa de uma visão de mundo.
A “solidariedade” de Bolsonaro a Putin
tinha relevância mínima, devido ao autoimposto isolamento diplomático do
Brasil. A “solidariedade” de Lula a Putin, pelo contrário, tem implicações
significativas.
Excelente análise: Putin e Ji Jinping + milícias identitárias (subproduto do americanismo) = Lula/Boulos
ResponderExcluir"A “solidariedade” de Bolsonaro a Putin tinha relevância mínima, devido ao autoimposto isolamento diplomático do Brasil. A “solidariedade” de Lula a Putin, pelo contrário, tem implicações significativas."
ResponderExcluirRá, Magnoli reconhecendo a nulidade do bozo e a superioridade do Lula, NUM MESMO PARÁGRAFO, não tem preço.
O colunista escolhe os contextos que julga necessários para adequar suas hipóteses ou suposições. Eu só fico pensando em que contexto este enganador foi aceito como capaz de prever ou analisar o complexo mundo atual...
ResponderExcluirPerfeito.
ResponderExcluirO problema da Ucrânia não se resume ao de um país pequeno que foi atacado por uma potência militar. A OTAN devia ter se dissolvido juntamente com o Pacto de Varsóvia que era a "OTAN" do mundo comunista. Mas não só não se dissolveu como resolveu se expandir parece que em "cinco ondas". Abiscoitou uns 20 países da ex-URSS. Quando se abalançou para cima da Ucrânia, Putin deu um freio de arrumação. Henry Kissinger em 2014 escreveu no Washington Post que a OTAN não deveria aceitar a Ucrânia como membro. Na mesma época o chanceler russo Sergei Lavrov dizia que a Rússia não queria ver a Ucrânia "nas mãos do Ocidente e dos neonazistas". Parece que os russos deram um quinau no tal do Batalhão Azov. A guerra persiste às custas de milhões de refugiados e milhares de mortos. E graças ao apoio militar do Ocidente com armas sofisticadas. Hoje um menino de 15 anos coloca uma bazuca no ombro e aperta o gatilho apontando para o céu que o míssil da bazuca se encarrega de localizar o alvo. E o Zebedeu comediante continua pedindo ajuda em bilhões de dólares. Como ele gosta de dinheiro...
ResponderExcluirPerda de tempo tentar explicar essa estapafúrdia que foi este tal clube da paz, este cara de pau mal da conta de entender a taxa de juro do país que ele acha que conhece depois de ficar enjaulado 580 dias e tem a audácia de sugerir acertos entre países dos quais não conhece absolutamente nada nem a geografia. Vai trabalhar cara que aqui já tem problemas demais para tentar resolver. Educação pública de qualidade para todos até o ensino médio, para começar. Pense nisto!!!!
ResponderExcluirA realidade X a interpretação estapafúrdia de Magnoli
ResponderExcluir1) O colunista nega que EUA e União Europeia estejam envolvidos no conflito. Como fornecedores de armas, munições e outros apoios à Ucrânia, qual a chance de eles serem aceitos por Putin como mediadores?
2) Brasil, China e Índia têm muito menor envolvimento no conflito. Podem até ser rejeitados como mediadores, mas é possível que consigam ter uma participação positiva, já que não estão diretamente envolvidos no fornecimento gratuito de armas para as nações em guerra.
3) Na tão frequente tentativa de criticar Lula, o colunista novamente inventa interpretações e argumentos pouco plausíveis.
4) Pode ser que Lula não consiga seu objetivo neste caso, como tanto torce o colunista, mas a tentativa dele está de acordo com as posições históricas da política externa brasileira das últimas décadas. Toda tentativa de pacificar o conflito é meritória, mesmo que contrarie a opinião de analistas incompetentes.
Polêmicas à parte,qualquer guerra sob qualquer prisma é um absurdo.
ResponderExcluirO Brasil tem um longo histórico de política pacifista. Lula, como nosso presidente, tem este lastro a oferecer em sua tentativa.
ResponderExcluir