sábado, 4 de fevereiro de 2023

Eduardo Affonso - Críticas, só amanhã

O Globo

Quantos anos serão necessários para que se possa questionar a complacência com os primeiros escândalos do novo governo?

Com quanto tempo de mandato será possível começar a criticar o governo Lula, sem que isso levante um tsunami de repulsa? Pelo que se viu até agora, ainda não é oportuno mexer nesse vespeiro. Talvez por estarem frescas na memória as cenas de barbárie dos ataques à democracia. Ou para não dar munição a inimigo tão insidioso, é melhor relevar pequenos, médios e grandes deslizes e focar no que interessa: nos livramos do fascismo; o que vier é lucro.

Não há, por enquanto, censura formal — o Ministério da Verdade continua embrionário (o óvulo da Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia e o espermatozoide do Departamento de Promoção da Liberdade de Expressão ainda estão nas preliminares). A tropa de choque da militância é que se encarrega de desqualificar as críticas e buscar motivações escusas para os críticos.

Em editoriais e artigos de opinião, parte da imprensa tem apontado os riscos do flerte com a inflação, das investidas contra a independência do Banco Central, da escolha desastrosa de alguns ministros, da impropriedade de usar canais oficiais (do governo) para propagar versões enviesadas (do partido). Mas a reação dos devotos (muitos deles entrincheirados em veículos de comunicação) é furiosa.

Afinal, Lula não é um presidente como outro qualquer. É um símbolo da luta pela justiça social. O Davi operário e democrata na peleja contra o Golias das elites fascistas. Ou, na sua autodefinição:

— Eu não sou um ser humano. Sou uma ideia.

Como admitir que um símbolo esteja nu, que o herói seja condescendente com maracutaias, que um ser sobre-humano se submeta ao escrutínio dos mortais? Assim como Bolsonaro era indefensável, Lula é inatacável.

Quantos anos serão necessários para que se possa questionar a complacência com os primeiros escândalos de seu governo? Em um mês, já se sabe que o ministro das Comunicações destinou verbas para obras que o beneficiavam, que a ministra do Turismo mantinha relações mais que amistosas com milicianos. O lema “União e reconstrução” poderia ser atualizado para “Governabilidade acima de tudo, conveniência acima de todos”.

É indiscutível que o ar, depois da fuga de Bolsonaro, ficou mais respirável. Pode ser que haja um ataque diário ao mercado, ao liberalismo, às boas práticas de governança — mas não há cheiro de pólvora, investidas contra o meio ambiente, a civilização, os direitos humanos. Com Lula, as ilegalidades serão as de praxe: compra de apoio, obras superfaturadas, financiamentos muy amigos, assistência a ditaduras — mas sem afrontas à Constituição, sem elogio à tortura, sem o perigo de golpe à moda das republiquetas de banana. O autoritarismo continua rondando, mas de forma mais dissimulada.

Sendo Lula quem é — e os lulistas quem são —, haverá momento apropriado para lembrar que a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão, arte, transparência, segurança, ética? Que os erros petistas foram os grandes responsáveis pela ascensão do bolsonarismo, e que novos erros (ou repetição dos erros antigos) poderão trazer o monstro de volta?

Para os militantes, Lula não é apenas inocente: é inimputável. E críticas a ele são como fiado no bar: só amanhã.

(Sabemos que o Brasil é o país do futuro, mas não custa lembrar: amanhã é um lugar que não existe.)

 

9 comentários:

  1. Não existe lulista; existe petralha. Detalhe importante, R.A, o inventor do adjetivo, é apenas mais um.

    MAM

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  2. Anônimo4/2/23 17:12

    Bobagem.
    O próprio Lula pediu pra ser criticado. Conforme Pedro Faria em
    26/01/2023 às 15:15:

    "Ainda em dezembro, em uma reunião da equipe de transição, o presidente Lula pediu que seu futuro governo fosse cobrado: “se vocês não cobram, a gente pensa que está acertando”, disse o presidente. Desde então, a fala do presidente se tornou uma espécie de passe-livre para a reclamação em discussões sobre o governo Lula: basta apresentá-lo e está liberado o acesso ao buffet de reclamações contra o governo, self-service sem balança."

    A desonestidade dos articulistas e do gado q aqui pasta é gigantesca. Fazer o q?
    É da natureza deles, são bolsonaristas...

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  3. Anônimo4/2/23 18:51

    O pedido por críticas é tão sincero que Criticou já é gado...

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    1. Anônimo4/2/23 19:46

      Como disseram, self-service sem balança, podem cobrar. Mas q seja com coerência. Do contrário, é canalhice. Ou bolsonarice. Ou gadisse...

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  4. "Que os erros petistas foram os grandes responsáveis pela ascensão do bolsonarismo, e que novos erros (ou repetição dos erros antigos) poderão trazer o monstro de volta"? Isso que o Affonso diz é verdade em parte. Esse era o discurso de Ciro Gomes. Tal dialética infernal de fato existiu e levou o boçal ao poder. Mas o boçal na presidência era apenas um capítulo parcial da história, era necessário o poder total. E o poder total Biroliro só obteria se desse um golpe clássico. Mas um golpe clássico não encontra base nos dias de hoje. E a proposta do boçal de um golpe "Dentro das quatro linhas" da Constituição só é possível na cabeça de um débil mental. Mas malgrado os fatos o golpe tentado tinha tudo para ser tão sanguinário quanto o nazismo. Um terrorista tentou tocar fogo em 60 mil litros de gasolina de avião, Lula recebeu várias ameaças de milicos ameaçando dar um tiro na cabeça dele, a PF prendeu um candidato a Lee Oswald com um fuzil de longo alcançe. Isso fez de Lula e a frente ampla em objeto de uma nova democracia que terá por objetivo a emancipação do povo brasileiro que esteve representado naqueles personagens que subiram a rampa juntamente com Lula e Alckmin. Affonso não entende isso e é apenas um bolsonarista que repete o velho discurso antipetista.

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  5. Jorge Mariano5/2/23 05:14

    Pois é, Fernando, entender de corruptos é pra poucos... e, por favor, não coloque a realidade em termos binários, uma dialética de extremismos.

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  6. Lula é cheio de defeitos como todo mundo,Bolsonaro está fora de todas as curvas que houver neste mundo,rs.

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  7. Eduardo Affonso, as críticas bem fundamentadas são bem-vindas, para que as institutições democráticas se mantenham e se desenvolvam. Mas as políticas públicas do governo Lula ainda estão sendo elaboradas, Lula tem trabalhado inclusive antes de tomar posse, até para viabilizar o orçamento do governo anterior, que gastou tudo na campanha eleitoral...Lula pode ter errado no discurso aqui e ali. Não concordo com ele sobre o impeachment da Dilma. Mas ele colocou no ministério várias pessoas que também foram a favor do impeachment dela. É na prática até agora o governo mais democrático que tivemos, com muitas mulheres, negros, indígenas, etc. Vc faz acusações a dois ministros do governo. Devem ser apuradas e punidas quaisquer políticas semelhantes. Não tenho ainda uma conclusão sobre as suas acusações, mas verificarei o quanto há de fundamento nelas.

    Por outro lado gostaria de saber sua opinião sobre o seguinte: o Banco Central, como órgão público, deveria ter autonomia em relação tanto em relação ao governo quanto em relação ao mercado financeiro? Ou na sua opinião a autonomia do BC deveria ser apenas em relação ao governo? Você acha legítimo o comportamento do presidente do BC, reunindo-se a portas fechadas com agentes do mercado financeiro, enquanto defende a autonomia em relação ao governo?

    Veja esse depoimento de um especialista no assunto:
    https://youtu.be/hzGaLmMgR04

    Qual é a sua opinião?

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