O Globo
Até o advento do politicamente correto,
apenas à ditadura Vargas tinha ocorrido tentar domesticar o carnaval
Enquanto você lê esta coluna, possivelmente
já houve a utopia do Céu na Terra, em Santa Teresa. O bloco desperta com o dia
e segue os trilhos que levam do Curvelo ao Largo dos Guimarães.
Ali pelas 8h, o Flamengo estará animado,
com os Amigos da Onça — um pouco antes de Copacabana, que só Empolga às 9h.
Nesse horário, o Jardim Botânico já se Escangalha, e irrompe pela Primeiro de
Março, majestoso, o Cordão da Bola Preta, com seu milhão, milhão e meio de
foliões.
Porque é sábado de carnaval, haverá Terreirada em São Cristóvão, Filhos de Gandhi na Saúde, Ciganas Feiticeiras em Olaria. Imponderável como o seu lema, Yolhesman Crisbelles, a veneranda Banda — que já saiu com Leila Diniz, Clementina de Jesus, Aracy de Almeida, Clara Nunes, Grande Otelo, Nélson Cavaquinho, Cartola — tomará Ipanema.
Até quarta-feira, praças, largos, becos,
ladeiras e avenidas do Rio serão do povo, como o céu é dos óvnis chineses.
Foram dois anos sem festa, sem fantasia.
Durante esse recesso, arrefeceu um pouco a patrulha dos justiceiros sociais que
queriam regular a folia. Na trégua forçada, assestaram suas baterias contra
estátuas, pronomes, gêneros não marcados e falsas etimologias — e deixaram em
paz os índios de esparadrapo, as ciganas da Casa Turuna e os homens que rompem
a cortina de veludo para fazer uma saia.
Até o advento do politicamente correto,
apenas à ditadura Vargas tinha ocorrido tentar domesticar o carnaval. Naquela
época, se impôs às escolas de samba o ufanismo dos temas históricos. A
repetição desses enredos, ano após ano, levou Sérgio Porto a compor o hoje
proscrito “Samba do crioulo doido”.
A censura do bem, cria do século XXI, foi
além daquela do DIP varguista. Se o órgão do Estado Novo só queria mudar o
samba dali para a frente, a milícia progressista se impôs a missão stalinista
de apagar os sambas e marchinhas daqui para trás. E dá-lhe cancelar Assis
Valente, Lamartine Babo, Braguinha, Ary Barroso, Haroldo Lobo, Mário Lago, João
Roberto Kelly.
A repulsa dos progressistas a negas
malucas, gueixas e apaches cobertos de glitter não difere muito daquela dos
conservadores diante do golden shower (lembram?). É uma declaração de
superioridade moral. Sai “eu me preocupo com a família brasileira”, volta “eu
me condoo com o sofrimento dos nipo-brasileiros, dos povos originários e dos
afrodescendentes porque você vestiu quimono, botou peruca ou usou cocar”.
Os foliões que desembarcam na Central e
economizam a passagem de metrô, indo a pé até a Primeiro de Março e a
Cinelândia, não querem saber: se vestem de palhaço, cigana, policial, índio,
preto velho. Tudo o que consta do índex.
Uma tese, que está para ser demonstrada
novamente neste ano, é que, quanto mais Fridas e unicórnios houver num bloco,
menos popular (no sentido literal da palavra) ele será. Porque esse “cuidado”
não é empatia. É apropriação tribal da suscetibilidade alheia.
Só que o carnaval é tinhoso. Sobreviveu a
Vargas, ao regime de 64, à pandemia e há de sambar nas cinzas da esquerda
identitária. E segue democrático: na segunda-feira, há um ótimo bloco de gente
desconstruída, o Filhes da Martins; na terça, um de gente libertária, o das
Quengas. Só no segundo será possível cruzar com uma drag que veio, “montada”,
de São Gonçalo — ou com um pirata com uma Janja no ombro.
👏🏿👏🏾👏🏽👏🏼👏🏻👏
ResponderExcluirSerá que o colunista já estava aembriagado antes de "redigir" isto?
ResponderExcluirembriagado
ResponderExcluiro anônimo é um covarde; o daqui também é um FDP.
ResponderExcluirMAM
Este colunista cada vez mais nos mostra que está mais capacitado pra participar dum BBB do que pro colunismo sério.
ResponderExcluir"Politicamente correto é uma merda!", já dizia a Madre Superiora
ResponderExcluirE todo quase anônimo marcos é quase covarde.
ResponderExcluirNão basta conhecer as palavras e usá-las com alguma lógica. Tem que ter o que dizer! E aí o caro colunista fica se repetindo, combatendo os mesmos moinhos de sempre. Quanta diferença entre um colunista de verdade e um enfileirador de palavras!
ResponderExcluirNada a declarar.
ResponderExcluirExcelente texto! O Carnaval resiste aos tempos: sejam os de Vargas, os de 64 ou o dos politicamente corretos.
ResponderExcluirMuito bem! E o índio ainda quer apito! E o Zezé?
ResponderExcluirNão gostar de carnaval, como ocorre comigo, é uma coisa; tentar controlá-lo , reivindicando a propriedade da virtude, desde viés maníaco, é outra. Turma abominável , que seus integrantes se explodam, e sejam enterrado em buraco de fezes.
ResponderExcluirJerônimo o "Herói do sertão, é D'oxum!!!
ResponderExcluirPostado por Silvio Luiz fevereiro 20, 2023
ResponderExcluirC A R N A V A L
“E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música” ~ Friedrich Nietzsche.
Eu li e vi ontem no UOL um manual ou sei lá o que posso dizer daquilo, algo policialesco mesmo, do que NÃO PODE e do que PODE usar no C A R N A V A L. "Carnaval" com letras em caixa alta e separadamente para reforçar-nos o significado disso.
Sei la, carnaval é o avesso, o profano, "o que não pode", a descarga mental e completa manifestação corporal (tanto é que a nudez, ou a quase nudez, é muito comum), as expressões musicais, a irreverência, o humor e tudo mais que nos faça desligar do cotidiano, da nossa vida desmascarada pelo resto dos 360 dias do ano - e no carnaval a gente usa as máscaras.
Ou, filosoficamente às avessas, os 360 dias a gente vive de máscara para uma vida relativamente chata, corrida, cíclica e rotineira; e quando no Carnaval, a gente tira essa máscara e liberamos desejos contidos e pulsões retidas que, por meio da arte, da criatividade, extravasamos: homeagemos o que na rotina achamos belo, ou digno, e que não alcançaríamos no dia-a-dia; louvamos o que nos é dito o ano inteiro que é profano, baixo e imoral - louvamos desde o lixo até ao resto do luxo (como diz a faixa da foto acima); tornamos o que é dito da loucura a nossa régua medidora; adotamos imagens daquilo que não somos, mas que queríamos ser - ao menos um dia; produzimos uma bela cópia do que os grandes artistas (famosos e anônimos) fazem nas avenidas, ou melhor, nos Sambódromos, desfilando oficialmente por uma Escola de Samba, mas o fazemos de modo caseiro, a nossa maneira. Carnaval é isso! Nos fantasiamos e saímos às ruas em busca das notas 10 em todos os quesitos. Portanto, rendemos e louvamos à diversidade, ao múltiplo e à ímpar e peculiar característica que possuimos: - repito - criatividade, senso de humor e irreverência.
E o que nos dizem ser o certo, o moral, o sagrado, o justo, pelos 360 dias do ano, nós - no carnaval - debochamos, fazemos críticas humorísticas, piadas, paródias, fantasias cômicas, beirando o ridículo, justamente por que isso é C A R N A V A L - a festa da carne, do humano ele mesmo, do indivíduo escondido lá dentro de si mesmo pelo resto dos 360 dias.
Fora isso, esta imposição politicamente correta - esta "censura do bem" -, não é carnaval. Não é o cidadão que espera, muitas vezes, 360 dias para a chegada do tão sonhado Carnaval. O que há agora e mais forte a cada ano, é uma ditadura do que se deve ser ou não ser; é querer controlar a vida alheia em prol de sua pequena vontade utópica, birra de criança, por fim, é o ressentimento das pessoas pobres de espírito.
Jerônimo, governador da Bahia, pediu que baianos não se fantasiassem de mulher, pois seria ofensa aos trans. Que não se fantasiassem de índios , pois seria também ofensivo, esquecendo dos blocos de índio . Que não se fantasiassem de Nega maluca, pois seria racismo. Ele estava na Bahia ou em Nárnia? Pura demagogia!
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