Para economista, debate sobre juros e inflação precisa ser aprofundado
Joana Cunha / Folha de S. Paulo
SÃO PAULO
- O
economista Luiz Gonzaga Belluzzo, que tem defendido a queda dos juros,
inclusive em abaixo-assinado,
ecoando as falas de Lula nas últimas semanas, afirma que o debate precisa
ser aprofundado para não se restringir ao clima de torcida pró ou contra o
Banco Central. "Isso só é verdadeiro na arquibancada de futebol",
diz.
Ele vê insumos para o debate na história
dos banco centrais e analogias globais.
Amigo de Lula desde os anos 1970, Belluzo
não comenta se tem conversado com o presidente sobre o tema.
O sr. tem
apoiado a defesa da queda na taxa de juros, inclusive em abaixo-assinado. Como
avalia o debate hoje?
Vamos aprofundar as discussões para que o
debate não fique restrito ao nós contra eles ou ao Banco Central contra Lula. A
Austrália está submetendo a questão da independência do BC a um debate mais
profundo. Há um questionamento global em relação à política de metas de
inflação.
Desde o surgimento do [BoE] Banco da
Inglaterra, em 1694, foram várias formas de atuação dos bancos centrais. Estou
falando em uma economia monetária financeira capitalista. Ao longo da história,
ela assumiu várias formas de coordenação, mas algumas são bem consolidadas.
Temos o aparecimento da dívida pública como
instrumento de riqueza privada, que propagou as relações monetárias, quando a
Inglaterra transitava do feudalismo para o capitalismo, transformou as relações
econômicas, de relações do domínio da riqueza fundiária para a monetária. Essa
gestão assumiu várias formas.
O exemplo clássico é o funcionamento dos
bancos centrais e dos sistemas bancários no pós-Segunda Guerra, em que a França
e a Itália adotaram sistemas de coordenação e de regulação muito diferentes do
que observamos agora. Eles usavam o controle de crédito e muito menos a taxa de
juros para não causar dano aos tomadores de crédito, por exemplo, ao mesmo
tempo em que regulavam para não haver exagero.
Funcionou bem, depois saiu da moda no choque do petróleo e do choque de juros de 1979. Agora, está havendo uma espécie de inconformidade com a política de metas. Não é só no Brasil.
Qual é a
questão central?
Estamos observando um desacordo dos
instrumentos de política econômica, sobretudo no que diz respeito ao combate da
inflação em relação a preservar uma certa indenidade das economias, do seu
crescimento diante das políticas monetárias.
São muitos os economistas que não perfilham
essa sabedoria de alguns, sobretudo os mais ligados ao mercado, como o [Joseph]
Stiglitz. Ele escreveu vários artigos recentemente sobre a inadequação da
política monetária para combater esse tipo de inflação que temos aí. Não só
ele. O que eles dizem é que isso é um choque de oferta, que tem uma capacidade
de difusão pela economia, porque foi decorrente de uma contração da oferta e de
uma subida de preços dos combustíveis fósseis.
Então, a questão é essa: um choque de um
insumo universal que atravessa a economia como um todo e não preserva nenhum
setor. A energia é um insumo universal. O preço dela não é como o preço da
mexerica ou de um sapato, que afeta pouca gente quando sobe. Mas a energia
afeta a tudo e provoca uma transformação do sistema de preços.
O sistema de preços é uma coisa nessa economia monetária financeira tão suscetível a mudanças, distorções e degradações, que exige, às vezes, a intervenção, quando o choque é muito intenso. E nós já observamos essa reação, na saída da Segunda Guerra, para fazer a coordenação de preços, dada a assimetria da saída dos setores, isso provocou choque de oferta etc.
Os economistas, inclusive Nouriel Roubini,
estão considerando isso, fazendo a crítica do uso da política monetária de
maneira tão intensa, você abrindo mão de outros instrumentos que se podem usar
e que foram usados.
Por
exemplo?
Aqui houve uma discussão
sobre o fundo de estabilização do petróleo. A ideia é que se fizesse uma
coordenação de preços, e não controle, mantendo a rentabilidade da empresa e,
ao mesmo tempo, cumprindo esse papel de um combustível fóssil, que na verdade é
de interesse público. A energia é um insumo de interesse público.
Voltando à questão da inflação, houve um
debate muito amplo no passado. Eu falei do pós-guerra, os alemães, sobretudo,
que sofriam as lembranças da grande inflação, fizeram sistema de coordenação de
preços na negociação entre trabalhadores e empresários. O banco central da
Alemanha, Bundesbank, só decidia a taxa de juros depois de ter auscultado a
negociação entre eles. É uma organização social. Se negociava salários e depois
o Banco Central decidia a taxa de juros.
Aliás, os bancos centrais usavam pouco a
taxa de juros. Usavam muito mais o controle quantitativo do crédito. O que eu
quero dizer é que é um problema mais complexo do que está posto aí de a favor
do Banco Central ou contra ele. Isso só é verdadeiro na arquibancada de futebol.
É torcida de um contra outro.
O debate entrou nessa área da torcida pelos
sinais do presidente do BC com o bolsonarismo, não?
Sem dúvida. O problema é que, em geral, se
parte do princípio de que a economia é uma ciência restrita a considerações
técnicas. A política faz parte da vida da sociedade. O BC é uma instituição de
Estado. A construção dessas instituições faz parte do jogo de regulação do
mercado. Elas são também instituições políticas.
Se está falando dessa convivência do presidente
do BC, que, aliás, foi escolhido pelo Bolsonaro, mas ele, sobretudo, devia
fidelidade ao Paulo Guedes, que é um economista com origem de formação da
Escola de Chicago, quantitativista. O caráter técnico do BC também está em
questão.
O mercado é uma entidade mesmo. Eles
repetem esses mantras e isso reflete o poder que os mercados financeiros têm na
economia e na sociedade hoje. Não estou falando que é do mal ou do bem.
Funciona assim porque em uma economia monetária financeira, a alocação de
recursos, a distribuição, é feita através da avaliação dos mercados
financeiros, que determinam o destino do crédito e cumprem o papel de regular a
valorização ou impedir a desvalorização dos ativos financeiros, que nascem do
crédito, porque quando você faz um empréstimo, cria uma dívida, e ela tem
mensuração nos mercados. Então, tem um poder enorme.
É uma das razões pelas quais, no
pós-guerra, depois da crise de 1929, se fez repressão financeira, ou seja, um
controle dos mercados financeiros que não permitam, por exemplo, que se tenha
maluquices como a crise de 2007 e 2008.
Se observarmos os 30 anos depois da Segunda
Guerra, houve raras crises. Depois que se soltou o bicho, é do instinto dele,
começa a acumular riqueza monetária de maneira, às vezes, alavancada, abusiva.
Por isso o controle da finança é importante. E o que prevalece hoje é a ideia
de que os mercados são eficientes. Depois dos anos 1980, tivemos uma sucessão
enorme de crises.
O que estamos vendo agora é que nós temos o
risco de uma crise de crédito. E ela surge por muitas razões, inclusive uma em
que você alavanca o endividamento, e a renda das pessoas e a receita das
empresas não acompanha. Vai
se acumulando uma condição de inadimplência.
Tem muitas pequenas e médias empresas ameaçadas. Acho que isso está começando a
transparecer mesmo nos mercados.
O sr. tem
proximidade com o presidente Lula. Chegou a conversar sobre isso com ele?
Não posso falar essas coisas em entrevista.
Há muitas
interpretações sobre as intenções dele e o resultado, não?
Eu tenho notado que o clima deu uma
esfriada. Acho que essa conversa
do Haddad com o pessoal do mercado foi colocando as coisas em um nível
mais razoável.
*Formado em direito pela USP, o economista foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda durante o governo José Sarney. No estado de São Paulo, passou pelo cargo de secretário de Ciência e Tecnologia (1988-1990). Além de professor titular de economia da Unicamp, foi um dos fundadores da Facamp
"O mercado é uma entidade mesmo. Eles repetem esses mantras e isso reflete o poder que os mercados financeiros têm na economia e na sociedade hoje."
ResponderExcluirFaltou dizer a quantidade de colunistas e supostos "técnicos" que repetem esses mantras! Só entre os mostrados neste blog, passam de meia dúzia...