Valor Econômico
Executivo vai elencar prioridades e deve
fortalecer base
Mantida a tradição iniciada em 1890 por
Deodoro da Fonseca, o presidente Lula envia nesta semana a mensagem anual do
Executivo ao Congresso e inaugura, com o gesto, nova etapa do mandato. A
expectativa é que apresente no texto sua visão do atual estado econômico,
político e social do país e, mais do que isso, as prioridades do governo para o
ano legislativo que se inicia. Porém, desta vez, o homem que assinará o documento
não será o mesmo Luiz Inácio Lula da Silva que discursou no Congresso no dia da
posse, um mês atrás, antes da tentativa de golpe do dia 8 de janeiro. Tal como
pontuou Heráclito.
Não Heráclito Fortes, aquele experiente ex-parlamentar do Piauí conhecido pelas tiradas inteligentes, eficientes articulações de bastidor e ferrenha oposição a Lula nos primeiros governos do PT. Mas o filósofo pré-socrático Heráclito, que deixou como marca a famosa metáfora do rio: ninguém se banha duas vezes no mesmo rio, já que, ao imergir em uma segunda oportunidade, tanto o próprio sujeito passou por transformações como as águas não são as mesmas que o banharam durante o mergulho anterior.
Hoje, Lula está mais forte. Os atentados do
dia 8 de janeiro elevaram o capital político do presidente, o qual poderá ser
utilizado para promover uma agenda legislativa de seu interesse. E lhe deram,
também, um discurso para atrair aqueles que estiveram ao lado do ex-presidente
Jair Bolsonaro (PL), mas não querem ser identificados como bolsonaristas
radicais.
Lula elegeu-se no segundo turno com uma
vitória apertada, alcançando apenas 50,9% dos votos válidos, e começou o ano
com o desafio de liderar um país dividido. A frente ampla encabeçada pelo
petista mobilizou importantes setores da sociedade contra a reeleição de
Bolsonaro, no entanto, até agora, não se reverteu numa base ampla no
Parlamento.
Lula está diante de uma rara oportunidade.
A reação institucional aos atos do dia 8 aproximou as cúpulas dos três Poderes.
Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), integrantes da equipe econômica e
influentes parlamentares citam, de forma unânime, a reforma tributária como o
objetivo comum a ser alcançado a curto prazo. O mesmo se diz em relação à
construção de um arcabouço fiscal que contenha metas factíveis e, em paralelo,
não tolha a capacidade de ação do Estado na área social.
Hábil político e adepto do diálogo, Lula
reúne as características necessárias para liderar esse processo de concertação.
Teria mais facilidade, é verdade, se fizesse uma calibragem no discurso:
pegasse a rota de saída do palanque eleitoral e aproveitasse o momento de maior
união nacional para aprovar no Congresso, logo de cara, as matérias mais
espinhosas.
Mas, observando-se a metáfora do rio, o
Congresso que recebe a mensagem presidencial nesta semana também é outro,
quando comparado com o Parlamento de semanas atrás.
No Senado, o PL de Bolsonaro tenta
construir uma trincheira para fazer oposição. Os articuladores políticos do
Planalto sabem que não podem deixar a candidatura do senador Rogério Marinho
(PL-RN) prosperar, uma vez que a bancada conservadora já havia crescido no
pleito de outubro.
Do outro lado, o atual presidente e
favorito à reeleição, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), emite sinais de que
quer trabalhar em conjunto com o governo. Vencendo a disputa, pretende
reunir-se logo com Lula e seus ministros para debater a agenda prioritária do
Planalto.
Na Câmara, também há perspectivas positivas
para a construção de uma agenda econômica conjunta. Existe no governo, contudo,
a certeza de que haverá atrito com a cúpula da Casa em relação ao controle das
verbas orçamentárias. O presidente Arthur Lira (PP-AL) também é candidato à
reeleição e amplo favorito. Sempre defendeu que os parlamentares tenham maior
poder sobre a gestão dos recursos do Orçamento, como forma de não depender dos
ministérios para levar investimentos para seus redutos eleitorais.
Na Câmara dos Deputados, o governo ainda
não possui os votos necessários para aprovar propostas de emenda à Constituição
(PECs). Esse fato será levado em conta nas negociações entre governo e Centrão.
Diante da inevitável disputa por espaços e
verbas, aliados do presidente da República fazem uma sugestão.
Eles lembram que uma pesquisa do instituto
Datafolha revelou que 93% dos entrevistados se posicionaram de forma contrária
à invasão e destruição das sedes dos três Poderes da República pelos
bolsonaristas radicais. De acordo com sondagens internas, acrescentam esses interlocutores
de Lula, o patamar de pessoas indignadas com o que ocorreu em Brasília já
chegou a 95% da população. Esse cacife político poderia ser usado para a
realização de trocas no primeiro escalão capazes de afastar o governo de
escândalos e, ao mesmo tempo, viabilizar a ampliação da base aliada no
Legislativo.
Toda reforma ministerial deixa
insatisfeitos. E só um presidente forte pode dar-se ao luxo de promover
mudanças desse tipo antes que uma crise surja.
PSD e MDB foram contemplados com ministérios
fortes. São partidos com comando e indicaram ministros que agradaram, em geral,
a cúpula do governo. Fazem parte da solução e não do problema.
Os partidos à esquerda podem até cobiçar
mais espaço na máquina federal, mas esbarrarão nos limites impostos pelo PT.
Não terão vida fácil para expandir seus domínios.
Sem rumo, o PSDB tenta encontrar um espaço
na oposição para sobreviver. Mas PP e Republicanos estão na mira dos
articuladores políticos do governo. No Executivo, trabalha-se, inclusive, com a
perspectiva de que parlamentares do PL não alinhados ao bolsonarismo possam
aderir em um segundo momento. As pastas comandadas pelo União Brasil, que não
garantiu ainda unidade em torno do governo no Congresso, são as principais
candidatas a ficarem sob ataque especulativo: Comunicações, Turismo e
Integração e Desenvolvimento Regional.
Excelente coluna!
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