quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Fernando Exman - Uma visão sobre o destino de Ibaneis

Valor Econômico

Para o meio político, afastamento é precedente perigoso

Golpistas começavam a vandalizar o interior do Congresso Nacional na tarde do dia 8 de janeiro, quando uma mensagem da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, tirou o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), do que depois ele classificou a um interlocutor ser “quase” uma soneca. A exclamação era mesmo daquelas capazes de fazer qualquer um pular da cama: “Já entraram no Congresso!”.

Rosa Weber se referia aos terroristas que atentavam contra o estado democrático de direito. Ibaneis, contudo, tentou tranquilizá-la. Respondeu de forma sucinta, assegurando que todas as forças de segurança estavam nas ruas. Mas elas não estavam. O destino político do governador do Distrito Federal começava, ali, a ser selado.

Diálogos semelhantes ocorreram entre Ibaneis e outras autoridades dos Poderes Executivo e Legislativo. Suas palavras foram interpretadas como omissão. Horas depois, o ministro do STF Alexandre de Moraes afastava o emedebista por um prazo inicial de 90 dias.

Ocorre que hoje, pouco mais de um mês depois, é crescente o incômodo no meio político com esse desfecho: lideranças consideram um precedente perigoso afastar um governador eleito dessa forma. E argumentam que ele teria sido enganado por auxiliares, o que, pelo menos em tese, pode se repetir em outros casos país afora. Há um temor com a jurisprudência que pode surgir. E quando isso acontece, a classe política costuma se unir.

De acordo com esse ponto de vista, corroborado pela tese jurídica da defesa, o preocupante é que aplicou-se uma medida alternativa à prisão sem que ninguém tivesse pedido a prisão. Em segundo lugar, a decisão não foi remetida para chancela do Legislativo local. Em 2017, por exemplo, o plenário do Senado rejeitou a decisão do Supremo de afastar o então senador Aécio Neves (PSDB-MG) e mantê-lo em recolhimento noturno, após denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). Ibaneis não teve essa chance.

Diz-se, também, que um governador deveria ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), e não pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Isso porque a competência constitucional do júri deveria prevalecer sobre a competência por conexão da suposta empreitada criminosa.

Além das questões jurídicas, aliados fazem considerações fáticas. Ibaneis teria parabenizado Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pela vitória no segundo turno, o que afastaria a tese de que seria um golpista. Seu governo ajudou na organização da bem-sucedida posse do dia 1 de janeiro, e nos dias 7 e 8 recebeu os mesmos informes que outras autoridades. Seus subordinados garantiram que tudo transcorria dentro da mais absoluta normalidade.

Isso, claro, mostrou-se depois uma mentira. Ainda que tardiamente, o governador deu uma ordem expressa para tirar “esses vagabundos do Congresso” e prender “o máximo possível”. Mas o cumprimento dessa determinação demorou. Teria havido sabotagem, segundo aliados. “Teve uma mão invisível que operou para a ineficácia do dispositivo de segurança”, diz seu advogado, Alberto Zacharias Toron.

Ibaneis pagou pelas palavras de tranquilidade que distribuiu a diversas autoridades e pelo fato de ter recontratado o ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Agora, também enfrenta uma CPI na Câmara Legislativa do DF.

No dia 7 de janeiro, disse a uma jornalista que manifestações pacíficas seriam permitidas na Esplanada dos Ministérios. À noite, o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), compartilhou com o emedebista a preocupação da Polícia do Senado sobre possibilidade de invasão ao Legislativo, mas o governador lhe disse que o efetivo de segurança pública estava mobilizado e com todas as forças na rua.

Um hora depois, o ministro da Justiça, Flávio Dino, encaminhou ao governador do DF ofício solicitando bloqueio de circulação de ônibus na Esplanada. Ibaneis encaminhou, em resposta, uma mensagem de áudio do responsável pela Secretaria de Segurança Pública em exercício e um informativo. Sem considerar suficiente a explicação, o ministro da Justiça insistiu, já na madrugada do dia 8: “Governador, não entendi bem qual será a sua orientação para a Polícia do DF”. E acrescentou: “Onde será o ponto de bloqueio e de que forma?”.

A resposta de Ibaneis só veio às 11h21 do próprio dia 8, com novo informe tranquilizador vindo da Secretaria de Segurança. Às 14h30, mais um áudio foi enviado ao ministro assegurando que os bolsonaristas radicais haviam aceitado, em uma negociação, descer rumo à Esplanada de forma pacífica, ordeira e organizada. “Oremos para que tudo acabe bem”, respondeu Dino.

Instalou-se o caos pouco depois. Foi quando, às 15h30, a presidente do STF enviou a mensagem a Ibaneis falando sobre a invasão do Congresso. Dino então tentou completar uma ligação para o governador, mas não teve sucesso na empreitada. Quando Ibaneis respondeu, notadamente sem o controle da situação, destacou que seria preciso o emprego do Exército.

Como se sabe, Lula optou por decretar uma intervenção no Distrito Federal limitada à área de segurança pública. Todo esse longo processo fez com que a Polícia Militar demorasse a retomar o controle das sedes dos três Poderes. Quando o fez no Palácio do Planalto, onde, é bem verdade, o Batalhão da Guarda Presidencial do Exército também deveria ter agido com mais veemência, já encontrou um cenário de destruição: bolsonaristas radicais furaram quadros, destruíram relíquias, inutilizaram móveis de escritório usados no dia a dia por servidores e dilapidaram itens do mobiliário histórico.

Projetada por Oscar Niemeyer, a mesa de Juscelino Kubitschek foi usada como barricada pelos golpistas. A peça, segundo um especialista que trabalhou no departamento histórico do Planalto, tem como uma de suas características a ausência de gavetas para simbolizar que um presidente nada deve guardar em sua mesa de despachos.

Na semana passada, a defesa de Ibaneis protocolou pedido no STF para que o emedebista retorne ao Palácio do Buriti. Lideranças políticas monitoram com atenção quanto tempo o processo permanecerá nas gavetas da Suprema Corte.

 

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