O Globo
O futuro de vidas preservadas depende de
políticas públicas de habitação, saneamento, mobilidade urbana e
desenvolvimento
O dicionário define resiliência como a
propriedade que corpos — nem todos — apresentam de retornar à forma original
depois de submetidos a uma deformação elástica. Há também o sentido figurado de
um indivíduo se recobrar sem dificuldade ou, pior, se resignar com a má sorte
ou com mudanças, por óbvio, negativas. Leio e penso no desenho animado do
Papa-Léguas, em que o Coiote era sistematicamente achatado pela armadilha que
montava para aprisionar o desafeto. Reconfigurado, jamais aprendia a lição.
Resiliência é tudo o que vem sendo exigido da natureza e dos humanos afetados pela crise decorrente da exploração vil dos recursos naturais e da violação contumaz do direito dos vulneráveis à vida digna. Paciência é a qualidade que está chegando ao fim para uns e outros. O ponto de inflexão para o Brasil compreender que há limite para tudo pode ter sido a tragédia que se abateu sobre o Litoral Norte de São Paulo entre a noite de sábado e a madrugada do domingo de carnaval.
Sobre os municípios de São Sebastião e
Bertioga desabaram, em 24 horas, mais de 600 milímetros de chuva fortíssima. Na
série histórica do Cemaden, o órgão de alerta para riscos de desastres
naturais, nunca caiu tanta água, em tão pouco tempo, num só território. O
recorde anterior (534mm) era de abril de 2022, em Petrópolis, município da
Região Serrana do Rio de Janeiro, semanas depois de uma chuvarada carregar
vegetação, automóveis e construções e ceifar 241 vidas. Foi a maior tragédia na
cidade, que já tinha sido afetada também por deslizamentos e inundações que
mataram mais de 900 pessoas em sete municípios fluminenses, em 2011.
São Paulo passou a semana resgatando e
contando corpos, desobstruindo estradas, restabelecendo serviços, angariando
ajuda, contabilizando prejuízos. Nenhuma tarefa chegou ao fim. Como no Rio há
12 anos ou 12 meses atrás, na Bahia no ano retrasado, em Minas Gerais e no
Paraná em 2022, avolumam-se notícias sobre redução ou mau uso dos recursos para
prevenção de desastres, ocupação irregular de encostas, falta de planejamento
urbano, desassistência.
— O bioma Mata Atlântica, que alcança tanto
o litoral de São Paulo quanto a Costa Verde fluminense, a Região Serrana e a
capital, vem sendo muito tensionado por processos acelerados de urbanização e
desmatamento. Cito ambos, porque é possível acelerar a urbanização sem desmatar
e impermeabilizar o solo. São fundamentais os investimentos em tecnologia da
resiliência, educação ambiental, planejamento urbano — diz a arquiteta e
urbanista Tainá de Paula, recém-empossada secretária municipal de Meio Ambiente
no Rio.
Moradores do litoral de São Paulo estão
sofrendo o que 4 milhões de brasileiros e brasileiras que habitam qualquer dos
14 mil pontos do território nacional com alto risco de desmoronamento
enfrentariam se 600mm de chuvas desabassem num só dia. A maior parte dessas
áreas — São Paulo inteiro, por exemplo — não conta com sistema de alerta por
sirenes, instalado em 103 comunidades cariocas há um punhado de anos, com
resultados satisfatórios em poupar vidas.
O conceito de mortes evitáveis foi usado —
e compreendido — durante o período mais letal da pandemia. Pela Comissão
Parlamentar de Inquérito, soubemos que 400 mil das quase 700 mil vítimas da
Covid-19 ainda estariam vivas se as medidas sanitárias (distanciamento,
máscara, isolamento) fossem cumpridas com rigor e se a vacinação começasse, sem
resistência, em fins de 2020. O mesmo raciocínio cabe para o total de óbitos,
verão sim, verão também, pelos efeitos de chuvas cada vez mais frequentes e
intensas, em decorrência da emergência climática.
A tragédia em São Sebastião detonou um
bem-vindo ambiente de diálogo e cooperação entre prefeitura local, governo do
estado e Executivo federal, há muito não visto. O presidente Lula visitou
a região no dia seguinte à tragédia, se reuniu e deu entrevista com Tarcísio de
Freitas, o bolsonarista que governa São Paulo, Felipe Augusto, prefeito eleito
pelo PSDB que também apoiou a reeleição do ex-presidente. Ver autoridades
juntas no enfrentamento a tragédias nacionais deveria ser natural, mas os
últimos quatro anos mostraram quão improvável pode uma banalidade se tornar.
A responsabilidade compartilhada entre
municípios, estados e União é absolutamente necessária. Tragédia consumada, há
urgência no resgate de mortos e sobreviventes, na assistência e acolhimento a
feridos, desalojados e desabrigados, na recuperação da infraestrutura viária e
de serviços, no restabelecimento de atividades econômicas e laborais, em ações
de reparação patrimonial e financeira. Para evitar novas catástrofes, investir
em prevenção. É bom ter em mente que prevenir é também dimensão de
responsabilidade fiscal, uma vez que remediar é mais caro e doloroso.
O futuro de vidas preservadas depende de
políticas públicas de habitação, saneamento, mobilidade urbana e
desenvolvimento atravessadas pela proteção ao meio ambiente e pelo respeito aos
direitos humanos. E de uma elite econômica e intelectual humanizada. Já não há
espaço para o bem-estar de uns poucos em meio à desgraça de tantos. A
emergência climática abate os mais pobres, que são pretos e pardos e indígenas
e favelados e ribeirinhos. Mas não poupará os privilegiados. Resiliência e
paciência estão no fim.
Que texto ridiculo, embora típico da mulata GloboNews.Enquanto houver espaço para "brasileiros e brasileiras" e/ou frases como "A emergência climática abate os mais pobres, que são pretos e pardos e indígenas e favelados e ribeirinhos. Mas não poupará os privilegiados. Resiliência e paciência estão no fim." não resolveremos nada. Quer acelerar? Lute por mais democracia e mais política. Por exemplo:voto distrital simples,recall, referendo e parlamentarismo.Lute por educação básica e técnica para os mais pobres e não para os mais negros. Lute para acabar com a estabilidade do barnabé. LUte para acabar com a PM e CB.
ResponderExcluirMAM
Recentemente uma reportagem discutiu problemas no Ártico e pela 1ª apresentou nº: 68% é culpa do homem e 32% de Deus. Se extrapolarmos para todos os problemas do meio ambiente, sempre sobrarão os 32% que não se discute por que a direita não discute as crueldades do seu deus e a esquerda não sai da ladainha do eterno culpado, o capitalismo, e a eterna solução,o socialismo.
ResponderExcluirO resto é clique,visibilidade, poder, grana e sexo.
MAM