Valor Econômico
Causa estranheza que um governo que se diz
preocupado com o social advogue uma inflação mais alta
As manifestações de Lula sobre o Banco Central e as pressões crescentes sobre a instituição por parte de integrantes da base política do governo colocaram a política monetária sob o signo da incerteza, que vem se juntar à incerteza preexistente sobre o regime fiscal brasileiro. Muito embora algumas manifestações oficiais descartem qualquer interferência no mandato do atual presidente do Bacen, na verdade a autoridade monetária está sob constante ataque de pessoas muito próximas ao governo, delineando um contexto de incerteza que afeta não apenas as expectativas como também o próprio dia a dia da política monetária.
Como se sabe, o regime de metas de inflação
tem como pedra angular a ancoragem das expectativas dos agentes econômicos. A
meta de inflação deve servir de âncora para as expectativas sobre a inflação
futura, tendo em vista o princípio, reconhecido amplamente na literatura
econômica e também comprovado empiricamente, de que essas expectativas afetam a
própria trajetória futura da inflação. Contudo, a capacidade de ancoragem das
expectativas pela meta de inflação depende da credibilidade da política
monetária. Assim, situações que ameacem a perda dessa credibilidade podem levar
à desancoragem das expectativas, tornando mais custosa a ação do Banco Central
para controlar as pressões inflacionárias. Por custosa, entenda-se aqui, a
necessidade de aplicação por mais tempo e com maior intensidade do remédio
amargo da taxa de juros.
Se quiser que os juros caiam de forma mais
acentuada, governo deve construir e seguir uma nova âncora fiscal crível
Por sua vez, a credibilidade da política
monetária depende fundamentalmente da crença de que o Banco Central tem
compromisso e capacidade técnica e política para fazer cumprir a meta de
inflação num horizonte de tempo relativamente curto. Por isso, aliás, é
fundamental no regime de metas a plena transparência dos objetivos e das ações
do Bacen, por meio de mecanismos tais como as atas do Copom e o Relatório
Trimestral de Inflação.
Parece óbvio que a artilharia pesada contra
a instituição afeta a credibilidade da política monetária, tanto porque sua
independência é ameaçada, como também porque torna explícito que setores
majoritários do governo são mais tolerantes à inflação, como mostra a discussão
sobre o aumento da meta de inflação pelo Comitê Monetário Nacional (CMN).
A propósito, caso o CMN decida elevar a
meta de inflação em junho próximo, seguindo estritamente as regras vigentes,
essa nova meta se referirá apenas ao ano de 2026, portanto, ao último ano do
atual mandato de Lula. Apesar de teoricamente 2026 exceder o horizonte de foco
da execução da política fiscal em 2023, esse movimento já deve afetar as
expectativas de inflação para os anos anteriores porque não faria muito sentido
esperar do Bacen a busca ativa do atingimento da meta de 3% em 2024 e 2025,
para vê-la subir no ano seguinte. Nesse sentido, na prática o que se estaria
fazendo é subindo a meta para todo o horizonte 2024-2025.
Por outro lado, ter o CMN quebrando as
regras e mudando as metas já estabelecidas para o biênio 2024-2025 pode se
mostrar até mais prejudicial, pois pareceria que o Brasil estaria introduzindo
a novidade jabuticaba das “metas flexíveis de inflação” que seriam modificadas
de acordo com os decibéis da gritaria dos políticos contra os juros altos.
Seria trazer para o âmbito monetário a má prática que, infelizmente, já se
consagrou na área fiscal, em que o teto constitucional de gastos se tornou
mutável na proporção do volume do vozerio da demanda por aumento de subsídios,
transferências, emendas parlamentares, etc.
Apesar de todos os inconvenientes acima
apontados, há economistas que defendem que países com as características do
Brasil deveriam ter uma meta de inflação mais alta e, portanto, mudar as metas
anteriormente fixadas seria fundamentalmente a correção de um erro cometido em
gestões anteriores.
Não compartilho dessa opinião por duas razões
principais. A primeira é que a principal justificativa para uma meta mais
elevada se refere à natureza menos hígida do regime fiscal brasileiro,
explicitada em indicadores como a relação entre a dívida pública e o PIB. Desse
modo, o afrouxamento da meta significaria, em termos práticos, sancionar um
regime fiscal menos responsável, situação que pode implicar maiores
desequilíbrios macroeconômicos no futuro.
A segunda razão, de natureza social, é que
a inflação é nada mais do que um imposto que empobrece muitos e enriquece uns
poucos. Lembrando Milton Friedman “inflação é taxação sem legislação”. Por
isso, não deixa de causar estranheza que um governo que se diz preocupado com o
social advogue uma inflação mais alta.
Nesse ambiente de incertezas, não é surpresa
o tom cauteloso da ata da última reunião do Copom, na qual o Bacen praticamente
descarta a possibilidade de iniciar um movimento de queda dos juros nos
próximos meses. Se quiserem que os juros caiam antes e de forma mais acentuada,
as autoridades políticas devem cessar os ataques ao Banco Central e se
dedicarem a construir e a seguir uma nova âncora fiscal crível.
*Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo.
Muito didático e esclarecedor, espero que seja lido pelos adoradores do “novo cercadinho”
ResponderExcluirNova âncora fiscal indispensável à redução gradual da taxa básica de juros. Bom artigo do Gustavo Loyola, ex-presidente do BC.
ResponderExcluirNesse ambiente de incertezas, a única certeza é que o presidente do Banco Central é BOLSONARISTA, não cumpriu as metas e não foi independente do genocida!
ResponderExcluir