segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Gustavo Loyola* - Política monetária sob o signo da incerteza

Valor Econômico

Causa estranheza que um governo que se diz preocupado com o social advogue uma inflação mais alta

As manifestações de Lula sobre o Banco Central e as pressões crescentes sobre a instituição por parte de integrantes da base política do governo colocaram a política monetária sob o signo da incerteza, que vem se juntar à incerteza preexistente sobre o regime fiscal brasileiro. Muito embora algumas manifestações oficiais descartem qualquer interferência no mandato do atual presidente do Bacen, na verdade a autoridade monetária está sob constante ataque de pessoas muito próximas ao governo, delineando um contexto de incerteza que afeta não apenas as expectativas como também o próprio dia a dia da política monetária.

Como se sabe, o regime de metas de inflação tem como pedra angular a ancoragem das expectativas dos agentes econômicos. A meta de inflação deve servir de âncora para as expectativas sobre a inflação futura, tendo em vista o princípio, reconhecido amplamente na literatura econômica e também comprovado empiricamente, de que essas expectativas afetam a própria trajetória futura da inflação. Contudo, a capacidade de ancoragem das expectativas pela meta de inflação depende da credibilidade da política monetária. Assim, situações que ameacem a perda dessa credibilidade podem levar à desancoragem das expectativas, tornando mais custosa a ação do Banco Central para controlar as pressões inflacionárias. Por custosa, entenda-se aqui, a necessidade de aplicação por mais tempo e com maior intensidade do remédio amargo da taxa de juros.

Se quiser que os juros caiam de forma mais acentuada, governo deve construir e seguir uma nova âncora fiscal crível

Por sua vez, a credibilidade da política monetária depende fundamentalmente da crença de que o Banco Central tem compromisso e capacidade técnica e política para fazer cumprir a meta de inflação num horizonte de tempo relativamente curto. Por isso, aliás, é fundamental no regime de metas a plena transparência dos objetivos e das ações do Bacen, por meio de mecanismos tais como as atas do Copom e o Relatório Trimestral de Inflação.

Parece óbvio que a artilharia pesada contra a instituição afeta a credibilidade da política monetária, tanto porque sua independência é ameaçada, como também porque torna explícito que setores majoritários do governo são mais tolerantes à inflação, como mostra a discussão sobre o aumento da meta de inflação pelo Comitê Monetário Nacional (CMN).

A propósito, caso o CMN decida elevar a meta de inflação em junho próximo, seguindo estritamente as regras vigentes, essa nova meta se referirá apenas ao ano de 2026, portanto, ao último ano do atual mandato de Lula. Apesar de teoricamente 2026 exceder o horizonte de foco da execução da política fiscal em 2023, esse movimento já deve afetar as expectativas de inflação para os anos anteriores porque não faria muito sentido esperar do Bacen a busca ativa do atingimento da meta de 3% em 2024 e 2025, para vê-la subir no ano seguinte. Nesse sentido, na prática o que se estaria fazendo é subindo a meta para todo o horizonte 2024-2025.

Por outro lado, ter o CMN quebrando as regras e mudando as metas já estabelecidas para o biênio 2024-2025 pode se mostrar até mais prejudicial, pois pareceria que o Brasil estaria introduzindo a novidade jabuticaba das “metas flexíveis de inflação” que seriam modificadas de acordo com os decibéis da gritaria dos políticos contra os juros altos. Seria trazer para o âmbito monetário a má prática que, infelizmente, já se consagrou na área fiscal, em que o teto constitucional de gastos se tornou mutável na proporção do volume do vozerio da demanda por aumento de subsídios, transferências, emendas parlamentares, etc.

Apesar de todos os inconvenientes acima apontados, há economistas que defendem que países com as características do Brasil deveriam ter uma meta de inflação mais alta e, portanto, mudar as metas anteriormente fixadas seria fundamentalmente a correção de um erro cometido em gestões anteriores.

Não compartilho dessa opinião por duas razões principais. A primeira é que a principal justificativa para uma meta mais elevada se refere à natureza menos hígida do regime fiscal brasileiro, explicitada em indicadores como a relação entre a dívida pública e o PIB. Desse modo, o afrouxamento da meta significaria, em termos práticos, sancionar um regime fiscal menos responsável, situação que pode implicar maiores desequilíbrios macroeconômicos no futuro.

A segunda razão, de natureza social, é que a inflação é nada mais do que um imposto que empobrece muitos e enriquece uns poucos. Lembrando Milton Friedman “inflação é taxação sem legislação”. Por isso, não deixa de causar estranheza que um governo que se diz preocupado com o social advogue uma inflação mais alta.

Nesse ambiente de incertezas, não é surpresa o tom cauteloso da ata da última reunião do Copom, na qual o Bacen praticamente descarta a possibilidade de iniciar um movimento de queda dos juros nos próximos meses. Se quiserem que os juros caiam antes e de forma mais acentuada, as autoridades políticas devem cessar os ataques ao Banco Central e se dedicarem a construir e a seguir uma nova âncora fiscal crível.

*Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo. 

3 comentários:

  1. Muito didático e esclarecedor, espero que seja lido pelos adoradores do “novo cercadinho”

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  2. Nova âncora fiscal indispensável à redução gradual da taxa básica de juros. Bom artigo do Gustavo Loyola, ex-presidente do BC.

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  3. Nesse ambiente de incertezas, a única certeza é que o presidente do Banco Central é BOLSONARISTA, não cumpriu as metas e não foi independente do genocida!

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