O Estado de S. Paulo.
Urge fazer um esforço consistente no resgate da cidadania e integridade dos Yanomamis
A tribo Yanomami foi tema de reportagem de
capa da revista Veja em setembro de 1990. No texto, o jornalista Eurípedes
Alcântara discorre sobre a riqueza cultural dos indígenas brasileiros, ao mesmo
tempo que alerta sobre as doenças e mortes provocadas pelo garimpo ilegal. A
legenda sob o retrato de uma família Yanomami enumera: “75% de anêmicos, 50%
com infecção respiratória e 90% com doenças na epiderme”. O subtítulo da
matéria resume o enredo: “A febre do ouro está dizimando velozmente os
yanomami”.
Em três décadas o enredo Yanomami se transformou em tragédia. Uma reportagem assinada por Ana Maria Machado, Talita Bedinelli e Eliane Brum, publicada em 20 de janeiro deste ano no site Sumaúma, contabiliza 570 mortes de crianças Yanomamis por causas evitáveis. As fotos que acompanham o texto chocaram o mundo.
Entre a capa da Veja e a reportagem da
Sumaúma os indígenas de Roraima trilharam o caminho entre a esperança e a
tragédia. Dois anos depois da matéria de Eurípedes Alcântara, o presidente
Fernando Collor de Mello demarcou o território Yanomami e expulsou os
garimpeiros ilegais da região. Eles voltaram sorrateiramente, no entanto, à
medida que corrompiam os poderes constituídos.
A derrocada final se deu a partir de 2016,
quando o garimpo ilegal e o tráfico de drogas passa ram a atuar em parceria. “A
principal rota do tráfico, em Ponta Porã, foi dominada pelo PCC”, diz Renato
Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “A
facção rival, o Comando Vermelho, buscou o caminho alternativo de Roraima,
justamente onde vivem os Yanomamis.” Renato Sérgio é entrevistado no
minipodcast da semana.
O governo Bolsonaro tem enorme
responsabilidade na escalada criminosa. Relatório divulgado pelo Estadão
mostrou que o Executivo federal ignorou várias recomendações de órgãos
internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Na
segunda-feira, o Supremo Tribunal Federal determinou que se apurasse a
participação de integrantes do governo Bolsonaro em crimes de “genocídio,
desobediência, quebra de segredo de Justiça, e delitos ambientais relacionados
à vida, à saúde e à segurança de diversas comunidades indígenas”.
Além da atuação do crime organizado e da
responsabilidade do Executivo federal, faltou coordenação entre poderes e
instâncias de governo, na visão de Renato Sérgio. Urge fazer um esforço
consistente no resgate da cidadania e integridade dos Yanomamis – sob pena de,
daqui a mais 30 anos, não ser possível escrever reportagens sobre a riqueza
cultural dos povos originários brasileiros.
*Escritor, professor da Faap e doutorando
em Ciência Política na Universidade de Lisboa
Verdade.
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