Correio Braziliense
No mesmo dia em que foram reconduzidos, o
Supremo reiniciou seus trabalhos, sob a presidência da ministra Rosa Weber, que
reiterou seu empenho na defesa da Constituição e da democracia
A reeleição de Rodrigo Pacheco (PSD) à
presidência do Senado, por 49 votos a 32, ontem, foi uma grande derrota imposta
ao ex-presidente Jair Bolsonaro, cujo candidato era Rogério Marinho, senador
potiguar eleito pelo PL. O resultado da eleição mostrou que forças políticas
que deram sustentação ao ex-chefe do Executivo permanecem ativas e organizadas,
com grande poder de influência e contam com apoio dos grupos bolsonaristas de
extrema direita, organizados em redes sociais, que protagonizaram a tentativa
de golpe de Estado em 8 de janeiro.
O principal significado da eleição de Pacheco, que presidirá o Congresso, é a garantia de um clima de mais harmonia entre os Poderes, sinalizada também pela postura de diálogo e negociação do presidente da Câmara, o deputado alagoano Arthur Lira (PP), que foi reeleito com 464 votos, recorde para uma votação na Câmara. Lira superou os 434 votos dos ex-presidentes da Câmara João Paulo Cunha (PT), em 2003, e Ibsen Pinheiro (PMDB), em 1991, que foram candidatos únicos. Votaram 509 dos 513 deputados. Chico Alencar (PSol-RJ) obteve 21 votos e Marcel Van Hattem (Novo-RS), 19. Houve cinco votos em branco.
Ao discursar após a eleição, Lira exibiu
músculos de primeiro-ministro. Fez uma defesa enfática da democracia, atacou a
extrema direita, advertiu os deputados bolsonaristas que não toleraria ameaças
aos demais Poderes, mandou recado para o Supremo Tribunal Federal (STF) de que
não aceitará interferências monocráticas de seus ministros na vida parlamentar
e apresentou uma agenda própria para os trabalhos legislativos, que
contingenciará fortemente a atuação do governo.
O projeto de Marinho era claramente
transformar o Senado num bastião bolsonarista contra o Supremo, em confronto
com a clara aliança proposta por Pacheco com o Supremo e o Palácio do Planalto,
cujo apoio foi decisivo para sua vitória. Ao contrário, a recondução de Lira
foi uma grande demonstração de força e independência política, pois não
dependeu do governo para ser eleito. Ao mesmo tempo, o apoio de 20 partidos, do
PL ao PT, também revela capacidade de diálogo e de negociação.
Entretanto, ninguém se iluda: serão duras
as negociações entre o governo federal e o presidente da Câmara, principalmente
na elaboração do Orçamento e na aprovação de medidas provisórias. De igual
maneira, ao anunciar que “poder moderador” da República é o Legislativo, Lira
sinalizou a disposição de confrontar o Supremo quando julgar necessário. Mesmo
assim, pode ser um ator importante para restabelecer o primado da política e
pacificar o país.
Freios e contrapesos
No mesmo dia em que Pacheco e Lira foram
reconduzidos, o Supremo Tribunal Federal (STF) reiniciou seus trabalhos, sob a
presidência da ministra Rosa Weber, que reiterou seu empenho na defesa
“diuturna e intransigente” da Constituição e do Estado Democrático de Direito.
A presidente da Corte afirmou que “aqueles que conceberam, praticaram,
insuflaram e financiaram os atos antidemocráticos serão punidos”.
A presença do presidente Lula na sessão de
abertura do Judiciário pôs um ponto final no contencioso do Executivo com o
Supremo, que fora protagonizado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, com objetivo
de subjugar a Corte. Na sua saudação ao Supremo, Lula foi muito assertivo ao
destacar “o papel decisivo do STF e do TSE na defesa da sociedade brasileira
contra o arbítrio”.
O procurador-geral da República, Augusto
Aras, que alimentava as críticas de Bolsonaro ao Supremo, resta quase isolado
como um polo de poder que ainda tem alguma conexão com o ex-presidente, mas
está sob forte pressão interna do próprio Ministério Público. Seus pares cobram
uma atuação mais firme contra a extrema direita bolsonarista. Aras é aliado de
Lira. Seu discurso na reabertura dos trabalhos do Supremo foi protocolar. O
vice-presidente Geraldo Alckmin também acompanhou a sessão da Corte.
As origens da separação de Poderes remontam
a Aristóteles, Locke e, principalmente, Montesquieu, em sua célebre obra O
espírito das leis. Essa separação não é engessada. Enquanto o poder político do
Estado brasileiro é uno e indivisível à luz da Constituição, a separação se dá
nas funções estatais. Ao falar em Três Poderes, a Constituição de 1988 se
refere a funções distintas de seu próprio Poder: a legislativa, a executiva e a
judiciária.
Essa separação flexível adotada pelos
constituintes de 1988 é um fator de fortes tensões entre os Poderes,
principalmente depois da Operação Lava-Jato. Harmonia significa colaboração,
cooperação; visa garantir que os Poderes expressem uniformemente a vontade da
União. A independência entre os Poderes não é absoluta, é limitada pelo sistema
de freios e contrapesos, de origem norte-americana.
Esse sistema prevê a interferência legítima
de um Poder sobre o outro, nos limites estabelecidos constitucionalmente. É o
que acontece, por exemplo, quando o Congresso Nacional fiscaliza os atos do Executivo.
Ou, então, quando o Supremo controla a constitucionalidade de leis elaboradas
pelo Congresso. Na teoria, o sistema é quase perfeito. Na prática, porém,
quando o sistema de freios e contrapesos é acionado, as relações entre os
Poderes passam por um grande estresse.
Perfeito.
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