Ainda segundo Faoro, por processos de modernização devem-se entender os que derivam das ações de elites políticas que intentam conduzir sociedades retardatárias, por meio do controle autocrático do poder político, no sentido de acelerar sua expansão econômica e intervir no sentido de fortalecê-las em termos da competição internacional pelo controle de mercados, como nos casos clássicos da Alemanha, da Itália e do Japão. Tem origem, portanto, em processos políticos que operam por cima da sociedade entre suas elites, e, como tais, impõem vias artificiais de desenvolvimento para uma sociedade que apenas padece dos seus efeitos.
O processo eleitoral, com a vitória da candidatura
Lula-Alkmin cortou a possibilidade de ainda mais se radicalizar essa ruptura,
embora os males já feitos sejam de difícil reparação inclusive por que o campo
derrotado não só perdeu por uma quantidade pequena de votos, mas, sobretudo,
por manter forte presença nas câmaras legislativas e em importantes estados da
federação, inclusive São Paulo.
Nos quatro anos de destruição sistemática
das instituições e da cultura política que criava raízes sob regime democrático
em que se empenhou o governo Bolsonaro, degradando a memória da obra e de
empreendimentos que nos serviam de orientação, como no caso de Paulo Freire que
se tornou paradigmático, entre tantos, deixando um vazio no lugar que ocupavam
na imaginação dos brasileiros sobre como pensar e agir nas suas circunstâncias.
A campanha eleitoral vitoriosa que derrotou
o fascismo, possivelmente por cálculos que se demonstraram acertados, contornou
a agenda dos temas político-culturais sem fornecer respostas para a sanha
destrutiva do governo Bolsonaro nesse terreno, fixando-se nos temas da
desigualdade, e aí nas questões da pobreza, das mulheres submetidas a um
patriarcalismo secular, e das regiões desfavorecidas no capitalismo brasileiro,
como o Nordeste, pauta que lhe abriu o caminho do êxito, embora lhe prometa um
terreno de pedras.
A primeira tentação para o vencedor é a de
retomar o antigo repertório, revalorizando obras e instituições de provada serventia
no passado. Mas o Natal mudou, a crença disseminada de que, apesar dos pesares,
a sociedade estava animada por uma contínua, embora lenta, movimentação em
sentido progressivo rumo a um desenvolvimento menos desigual em termos sociais
e mais afluente na economia, está em franca dissipação. Os antigos partidos que
sustentavam tais crenças já não existem mais, sepultados por uma aluvião de
organizações sem alma e meramente fisiológicas, fora os sobreviventes como o PT
e alguns poucos e minoritários como o PSOL, Rede e Cidadania, todos com baixa
representação orgânica nos setores subalternos.
De outra parte, os intelectuais, antes
inclinados a uma participação na vida pública se acham confinados a seus nichos
especializados e desencontrados de sustentação social, e apenas alguns artistas
renomados esporadicamente furam o isolamento em relação ao público. A cognição
se desertifica num momento em que mais que nunca é necessária nesse momento de
moda das concepções distópicas.
Em horas aziagas como essas, em que parecem
estar fechadas as portas do futuro, convém abrir as arcas do passado com seus
tesouros escondidos dos quais podem vir a inspiração para a retomada do impulso
criativo que nos atualize no agir na hora presente, ali estão os nossos maiores
a que devemos devolver vida, retomando os elos presentes em suas criações. Com
eles e a partir deles extrair vantagens do que foi a nossa modernização sem
perder de vista que é o moderno o que desejamos.
*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio
Muito bom o artigo.
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