Valor Econômico
Ministro costura trégua com Lula e com o
mercado
Quarenta e cinco dias depois do início do
governo, Fernando Haddad tomou posse pela segunda vez como ministro da Fazenda.
Ao contrário do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o fez ao demitir o
comandante do Exército, a segunda posse de Haddad não aconteceu por uma
canetada. Deu-se ao longo desta semana por sucessivos sinais - desde a volta de
Washington, onde conversou com Lula sobre a trégua, à reunião desta quinta no
Conselho Monetário Nacional.
A segunda posse também teve discurso. Ao
contrário daquele de 2 de janeiro, desprovido de plateia expressiva do PIB ou
do primeiro escalão do governo, o desta quarta se deu sob a presença dos
grandes gestores da dívida pública do país. Três deles - Luis Stuhlberger
(Verde), André Jakurski (JGP), Rogério Xavier (SPX) - administram mais de R$
100 bilhões. Precederam a fala do ministro e convergiram na crítica aos
defensores “dogmáticos” da meta de inflação - “São os mesmos que aplaudiram
quando o juro foi a 2%”, disse Xavier, que acusou o Banco Central de Roberto
Campos Neto de “barbeiragem” e teve a anuência de seus pares.
Xavier dirigiu-se a Haddad, que, àquela altura já estava sentado à plateia, e disse: “Não é o meu caso, mas ninguém tem coragem de dizer que não sente segurança fiscal no que está sendo proposto, ministro”. Antes mesmo de Haddad começar a falar, sua gestão já tinha sido identificada pelos donos do dinheiro como vítima do dogmatismo do mercado e das barbeiragens da política econômica do bolsonarismo.
Ao anfitrião que, na transição, foi um dos
focos de resistência ao nome de Haddad para a Fazenda, só restou lhe estender
tapete vermelho. “O ministro tem sido uma voz de serenidade e compromisso como
Brasil”, disse o presidente do Conselho de Administração do banco, André
Esteves, ao apresentá-lo, emendando elogios ao pacote fiscal e à sua
“disciplina e responsabilidade”, com menção ao grau de investimento obtido pela
Prefeitura de São Paulo sob sua gestão.
Quando Haddad começou a falar, ficou claro
por que Lula, em seu primeiro compromisso depois de Washington, emudeceu sobre
economia. No aniversário de 43 anos do PT na noite de segunda, o presidente
chorou três vezes ao longo de um discurso de 18 minutos. Estava de volta ao
palanque, mas nenhuma lágrima foi provocada pela inflação, pelos juros ou pelo
Banco Central. O tema, na trégua combinada, ficaria com Haddad, ou com os bodes
na sala, como a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, que, naquela noite,
monopolizou a pancadaria.
Naquela mesma noite, Campos Neto foi ao
Roda Viva. Além de não ter esclarecido a razão de ter votado de verde-amarelo
ou o risco fiscal que pautou a ata do Copom, só faltou pedir desculpas a Haddad
por ter custado a reconhecer os esforços fiscais de sua gestão. A evidência de
que o jogo era combinado viria no dia seguinte quando o ministro confirmou a
ausência da mudança da meta de inflação da reunião do CMN sinalizada por Campos
Neto.
O jogo só não foi combinado com André Lara
Resende que, ao Valor,
antecipou muitas das críticas ouvidas no BTG à política monetária e até no
discurso de Haddad. Pelo tom habitual, porém, o economista, paradoxalmente,
acabou servindo aos propósitos da segunda posse do ministro. Lara Resende
acertou no diagnóstico sobre a ausência de críticos, no governo, à política
monetária, que levou Lula a se expor na tarefa. Tanto que personagens
inesperados, como o vice Geraldo Alckmin, agora se apresentaram para a tarefa.
Ao assumir a ofensiva e instigar outros a fazê-lo, Lara Resende acabou por valorizar
o apelo conciliatório de Haddad.
Foi este o papel no qual o ministro se
esmerou na manhã desta quarta. Sem as ironias que marcam seu discurso, Haddad
distribuiu, com habilidade, os recados. Não se arvorou a mandar um para o
presidente da República, mas sinalizou os termos da trégua ao dizer que, ao
aceitar o convite para o cargo, havia dito a Lula que seu plano de voo era
resgatar os oito anos da política econômica de seu governo. Sinalizou à sua
plateia que pretende ir além. “Não acertou em tudo, mas nesses 40 anos em que
acompanho política econômica, aqueles oito foram os mais virtuosos”.
O ministro fez questão de sublinhar que,
neste resgate, não esquecerá as maldades: “Ele tomou medidas impopulares,
inclusive em relação ao salário mínimo e à Previdência, mas colheu rapidamente
os frutos de uma política que favoreceu os vulneráveis sem desfavorecer nenhum
segmento”.
Depois respondeu a Stuhlberger, para quem o
Brasil está por merecer estadistas que mirem o longo prazo. No conceito de
Haddad, é a aceitação, com dignidade, de uma derrota que define, numa
democracia, o estadista.
Convergiu ipsis literis no diagnóstico de
Lara Resende de que é preferível focar na taxa de juros a chamar a atenção para
a meta de inflação, mas emendou num recado que serviria de carapuça para o
economista: “Não me lembro de nenhum prêmio Nobel convidado para o Tesouro
americano. Há outros atributos em jogo”.
Depois respondeu a Campos Neto - “Temos
matriz fiscal, creditícia e regulatória para destravar o investimento, mas com
taxa de 8% ex-ante fica difícil navegar” - mas assim como o presidente do Banco
Central reconheceu os esforços fiscais de sua proposta, também o fez com sua
política monetária: “Ninguém cumpre meta no mundo. Quem mais se aproximou fomos
nós, mas a um custo enorme depois da irresponsabilidade que foi tentar reverter
uma eleição com gasto”.
Emendou numa estocada nas mesas de
operação, mas sem a virulência de outros tempos: “Entendo a ansiedade do
mercado e da meninada que fica dando ordem de compra e venda, mas as telas
tiram a concentração”.
E, finalmente, buscou desfazer a reputação
“professor-de-deus”. Não apenas abusou de expressões como “não sou dono da
verdade”, “temos que ser humildes diante do objeto [a economia]”, “tem que ter
sangue frio”, como atribuiu à ministra do Planejamento, Simone Tebet, a ideia
de antecipar de abril para março a apresentação das novas regras fiscais com o
propósito de ampliar o prazo de discussão.
A trégua tem chance de se estender até lá.
Haddad não vai ganhar todas. Já está contratada sua derrota no reajuste do
salário mínimo e na tabela do Imposto de Renda. O acordo sobre o Carf no
Supremo ainda corre risco no Congresso. Não deixa de ser alvissareiro, porém,
que, depois de quatro anos de bolsonarismo, o vetor dos conflitos volte a
apontar para o lugar de onde nunca deveria ter saído.
Sensacional esta coluna! Parabéns à autora e ao blog por divulgar este texto excepcional!
ResponderExcluirDiferentemente de leitões e rosas que pululam e palpitam no jornalismo econômico, Maria Cristina Fernandes sabe o que está dizendo, sabe como dizer e sabe explicar, encantar e orientar o leitor, desmistificando o assunto
ResponderExcluirJustamente.
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