O Globo
Novas leis e normas, operações de comando e
controle e os sinais do governo Lula alimentam a esperança de vitória sobre o
garimpo ilegal
O que parecia impossível começa a acontecer
em pouco mais de um mês, o combate ao ouro ilegal. A ida do presidente Lula à
Terra Indígena Yanomami deflagrou um processo virtuoso, mas o caminho é longo.
A Receita Federal, o Congresso, o Supremo e o Banco Central têm trabalho a
fazer para limpar o ambiente de crime nesse mercado. Os ministros da Justiça,
Defesa e comandantes militares avaliaram, na quinta-feira, que a desintrusão na
Terra Yanomami está quase no fim. E isso é um passo.
— Eram 40 aviões circulando por dia, agora,
um ou dois. Havia milhares de garimpeiros, agora são centenas em cinco pontos.
Para um trabalho que começou há praticamente um mês é um bom resultado — disse
o ministro da Justiça Flávio Dino.
Mesmo assim, quem acompanha o assunto, como o diretor executivo do Instituto Escolhas, Sérgio Leitão, permanece cético:
— No mundo do Diário Oficial, que é o mundo
em que a minha nordestinidade manda acreditar, não aconteceu nada ainda.
E o que precisa acontecer? Primeiro,
precisa cair a instrução normativa da Receita Federal de 2001 que permite que o
garimpo emita nota fiscal em papel e manuscrita. Há 15 dias, Flávio Dino
conversou com o ministro Fernando Haddad sobre o assunto. A nota passará a ser
eletrônica.
Segundo, acabar com o “princípio da boa
fé”, que foi incluído pelo deputado Odair Cunha (PT-MG) numa MP de 2013. Esse
absurdo é o seguinte: o comprador do ouro, a DTVM, foi desobrigado de perguntar
ao vendedor de onde vem o ouro. O que ele disser está dito. Isso acabou sendo
usado pelas DTVMs para lavarem as mãos, e o ouro. Elas fazem receptação de
produto de crime e fica por isso mesmo.
O ministro Flávio Dino tem esperança de que
o Congresso aprove o projeto de autoria de Joênia Wapichana. O projeto, aliás
excelente, da então deputada, hoje presidente da Funai, regulamenta o mercado
de ouro, estabelecendo a rastreabilidade.
Sérgio Leitão acha que o melhor seria mudar
por MP esse ponto da “boa fé”, o que não conflitaria com a tramitação do
projeto mais amplo:
— O assunto sequer chegou ainda na Casa
Civil, e quando chegar lá será preciso ouvir o Ministério das Minas e Energia e
eventualmente outros ministérios.
Há um outro caminho para acabar com essa
distorção. Está no STF uma Arguição Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que
contesta esse ponto da “boa fé” dos garimpeiros. O relator é o ministro Gilmar
Mendes, e os autores, a Rede e o PSB. Na época do governo Bolsonaro, a
Advocacia-Geral da União (AGU) foi contra mudar essa lei. Até agora, a AGU, sob
nova direção, não se manifestou.
— Do ponto de vista do Diário Oficial, não
entramos ainda no novo governo, no que toca ao ouro — diz Sergio Leitão que,
como sempre explico quando o entrevisto, não é meu parente.
O Banco Central tem a incumbência de
fiscalizar instituições financeiras, e, portanto, as DTVMs. O BC explicou que
fiscaliza a origem dos recursos. No caso das DTVMs, o “princípio da boa fé”,
sempre ele, impede o trabalho porque nas operações feitas nas distribuidoras,
elas sempre dizem que a lei as obriga a acreditar nos vendedores.
Se a Receita fizer seu trabalho, a MP for
baixada, o STF considerar essa lei inconstitucional, o BC fiscalizar, o Brasil
verá o começo do fim desse mar de criminalidade do garimpo que contamina o meio
ambiente e mata indígenas.
O garimpo na TI Yanomami criou uma crise
humanitária que vem sendo enfrentada com o socorro aos indígenas e a
desintrusão. Eles estão saindo, mas ficarão impunes? Dos sete garimpeiros
presos por atacar policiais e fiscais do Ibama, na quinta-feira, seis foram
liberados. Em fevereiro a Polícia Federal fez três operações contra o ouro
ilegal em Roraima. BAL, Avis Aurea, Sisaque. E tem ainda a operação Libertação
na Terra Yanomami que mobiliza o Ibama, PF, Força Nacional e Forças Armadas.
Novas leis e normas, quando forem editadas,
as operações de comando e controle e, principalmente, o novo governo alimentam
a esperança de vitória sobre esse inimigo. Pelo menos lá em Roraima. Mas o
garimpo está em outras terras, como a Munduruku e a Kayapó, entre outras. O
lobby do ouro ilegal continua forte.
Para se ter uma ideia do tamanho do roubo,
o Instituto Escolhas calcula que de 2015 a 2020 mais de 200 toneladas de ouro
foram comercializadas com indícios de irregularidade. Em 2021, aumentou para
52,8 toneladas, um recorde anual e mais da metade da produção nacional. E 61%
desse ouro saiu da Amazônia.
Míriam Leitão.
ResponderExcluirTexto muito informativo! Parabéns à autora e ao blog!
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