Folha de S. Paulo
Religião é disfarce para que a moralidade
privada se torne matéria de Estado e de opressão
Quase dois meses após a posse presidencial,
permanece aceso o instante em que Janja, durante
os cumprimentos diplomáticos, se afastou de Lula para evitar o aperto de mão
dos iranianos. Aliás, uma nota da embaixada do Irã reaviva
o episódio, dizendo que eles mesmos haviam pedido ao cerimonial para contornar
a saudação às damas.
Se real, a nota é um pioramento da atitude poluta dos que fazem cortesia diplomática ser a ruína do que foi ou, como se diria no tempo do Barão do Rio Branco, passar de porqueiro a porco. A viravolta poderia permanecer como bizarrice, mas se trata mesmo de dissonância de segunda mão, primordialmente política. É que os descorteses são paus-mandados dos mulás, líderes religiosos que controlam um aparelho de Estado regido pelo ódio à condição feminina.
Nenhum exagero nesta afirmação, quando se
considera a perspectiva do politólogo alemão Carl Schmitt, para quem a política
não tem substância própria, seria um fenômeno relacional, fundado na distinção
entre amigo e inimigo. Uma diferença sujeita a práticas odientas, apesar da
eventual convergência de determinados propósitos.
Schmitt é ícone intelectual do pensamento
de direita. A sua visão ressoa no caso das ditaduras islâmicas, em que a
contraposição homem/mulher é tão radical em termos ontológico-existenciais que
funda uma política própria, pois ali a dicotomia de gênero equivale à de
amigo/inimigo. Religião é disfarce para que a moralidade privada se torne matéria
de Estado e de opressão. Mata-se uma mulher por fios de cabelo soltos.
O fenômeno agrava-se em regiões como
o Afeganistão,
onde jovens ou idosas, soterradas por burcas, não andam nas ruas sem escolta
masculina, não podem estudar, trabalhar, nem frequentar consultórios médicos.
Também não podem cantar. Curiosamente, essa é a versão troglodita da
companheira virtual no ultracivilizado aplicativo de inteligência artificial,
que não sente, não pensa e não vê.
No grau zero da feminidade, o amor
evaporou-se como chuva no deserto: mantém-se, claro, a urgência reprodutiva com
as injunções do estupro caseiro. Mas o ódio como substrato das relações
evidencia-se politicamente na máquina estatal-patriarcal de apagamento da
mulher no espaço islâmico.
Nos termos de Schmitt, a fricção violenta
da dicotomia é propriamente bélica. Daí a guerra das iranianas contra a
misoginia dos mulás. Sem armas: o que não impede assassinatos, prisões e
enforcamentos. Assim, o drible de Janja na fraca-gente diplomática foi metáfora
de mão estendida às guerreiras do Irã. Não é mão que mate carpas para catar
moedas em laguinho. É mão de outra estirpe humana em Brasília.
*Sociólogo, professor emérito da UFRJ,
autor, entre outras obras, de "A Sociedade Incivil" e "Pensar
Nagô"
O grosso do petróleo do mundo nas mãos de mulas aiatoladas. Vamos torcer para que o petróleo vá para o museu da história em virtude da energia verde, eólica, ou solar. Isso diminuirá o poder da misóginia internacional. Vivam as mulheres!
ResponderExcluirViva Janja!
ResponderExcluirTem sempre um aiatolá pra atolar,alá...
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