terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

STF precisa rever decisão que criou tributos retroativos

O Globo

Precedente aberto no caso da CSLL poderá ser aplicado a outros impostos, agravando a insegurança jurídica

O Supremo Tribunal Federal (STF) precisa rever uma decisão tomada na semana passada sobre a cobrança de tributos de empresas. Ela contribuirá para aumentar a insegurança jurídica, com consequências econômicas negativas difíceis de estimar. O tema em pauta na Corte era a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), mas a decisão tem alcance sobre vários outros impostos.

Na questão do mérito, o STF não surpreendeu e acertou. Um contribuinte pode entender que a cobrança de um tributo não está certa e entrar com ação pedindo autorização para deixar de pagá-lo. Ao ganhar a causa, passa a ter uma vantagem em relação aos competidores que não entraram com a mesma ação ou sofreram decisão contrária. Do ponto de vista concorrencial, tal situação é inaceitável. Portanto era esperado que, em nome da isonomia, a Corte decidisse pelo cancelamento de decisões judiciais. Se o STF decidir a favor da cobrança de um imposto, os contribuintes que porventura foram beneficiados perderão esse direito.

O ponto que causou perplexidade foi outro. No mesmo julgamento, os ministros permitiram que o Fisco cobre a CSLL que não foi paga (ainda há dúvidas sobre a aplicação de multa e correção). Empresas que tinham parado de recolher o tributo amparadas por decisões judiciais terão de pagá-lo retroativamente. O certo seria que houvesse “modulação de efeitos”, ou, na prática, que a cobrança passasse a valer a partir da decisão da semana passada.

Numa votação apertada (seis a cinco), os ministros optaram por não aplicar a modulação. É justamente isso que precisa ser revisto. Se o Supremo não corrigir o erro, estará criada insegurança jurídica para todas as empresas que tiverem parado de pagar algum imposto depois de decisão judicial. Impossível prever quando o Fisco poderá recorrer ao STF. Antes, a Receita Federal pleiteava a reversão de decisões por meio de um instrumento chamado ação rescisória, que tem prazo de dois anos para ser usado. Passado esse período, as empresas respiravam com mais tranquilidade. A opção do Fisco por recorrer ao Supremo muda a prática.

Com o julgamento da semana passada, permissões para interromper pagamentos se transformaram em potenciais bombas futuras, algo que só piora diante da lentidão do Judiciário no julgamento de matéria tributária. O caso da CSLL chegou a Brasília em 2016. Se os ministros tivessem dado ao tema a urgência que ele exigia, o problema seria menor.

O GPA, dono da rede de supermercados Pão de Açúcar, informou na semana passada que o impacto da CSLL nos seus resultados será da ordem de R$ 290 milhões. A conta da mineradora Samarco pode chegar a R$ 6 bilhões. A da Vale, R$ 1 bilhão. Desde a semana passada, empresas de diferentes setores examinam sua contabilidade para estimar o tamanho do buraco deixado pela CSLL e risco sobre outros tributos.

O sistema tributário brasileiro é caótico, incentiva a judicialização e carece de uma reforma. Mas o STF tem o dever de não piorar o que já está ruim. Sem tempo a perder, a Corte deveria rever a decisão da semana passada. Como afirmou o ministro Luiz Fux, a Corte precisa ter em mente as “consequências jurídicas” das decisões e o “abalo” que provocam ao risco Brasil.

Censo detalhado deve ser primeiro passo para desarmar a população

O Globo

Depois do revogaço do início do governo Lula, é preciso agora saber com precisão quem tem armas ilegais

No dia de sua posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva impôs diversas restrições a compra, posse e uso de armas. Suspendeu a transferência de armas por Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores (CACs) e proibiu novos registros nessa categoria. Com a medida, Lula pôs fim à política permissiva da gestão Jair Bolsonaro com armas e munições, que fez disparar o armamentismo no Brasil.

As armas de fogo licenciadas saltaram 473% de 2018, ano da eleição de Bolsonaro, a junho passado — de 117.467 para 673.818. Só com os 674 mil CACs cadastrados em 2022 havia 1 milhão de armas. No segundo semestre, as vendas e registros de armamentos aumentaram, com a perspectiva da possível vitória de Lula, crítico do armamentismo. Entre setembro e novembro, segundo o portal UOL, mais de 2 mil armas foram registradas por dia por CACs, mais que o dobro do período de janeiro a agosto.

Agora, recadastrar o armamento em poder da população é peça-chave para a nova política de armas. O recadastramento dará a dimensão do que aconteceu nos últimos quatro anos e permitirá comparações com os dois únicos sistemas de registros: o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da Polícia Federal (PF), que registra armas compradas para autodefesa, e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), do Exército, responsável por conceder registros aos CACs.

Os dois bancos de dados não estão conectados. Para resolver o problema, a PF fará o censo das armas, passará a ser responsável pela concessão de qualquer registro, receberá o acervo de informações do Exército sobre os CACs e centralizará as informações. Será enfim possível saber quem está nos dois sistemas e quantas armas legais possui.

O armamentismo se espalhou pela sociedade a partir dos CACs. Sob Bolsonaro, eles foram autorizados a ter até 60 armas, metade de uso restrito (como fuzis) e a comprar mil munições por ano para cada uma. Bandidos passaram a se armar munidos da carteira de CAC, tamanha a facilidade de se inscrever no Exército.

Como ninguém precisa de 30 fuzis, a não ser chefe de milícia ou traficante, é esperado que boa parte do arsenal dos CACs tenha sido vendida. O recadastramento trará pistas a respeito e permitirá preencher lacunas nas informações sobre os CACs. O próprio Exército reconheceu no ano passado não conseguir, com seu banco de dados, especificar o tipo de arma que cada um possui.

Depois do recadastramento, a PF terá de fazer um pente-fino nos dados, para, com mandados de busca e apreensão, ir atrás do armamento que passou a ser ilegal. O trabalho terá de começar o mais rápido possível, para reduzir as chances de desvios e evitar a escalada de violência, previsível quando há mais armas em circulação.

Saga tributária

Folha de S. Paulo

Governo precisa de articulação e informação para enfrentar lobby contra reforma

A ideia de promover uma reforma tributária ampla tem mais de um quarto de século. Desta vez, mesmo com uma proposta de mudança paulatina, há risco de que possa mais uma vez ser adiada.

Crises econômicas e falta de dinheiro para compensar eventuais ou autointitulados prejudicados impediram a mudança até aqui. Os lobbies mais importantes foram decisivos, como estados que temiam perder receita ou setores receosos de pagarem mais —muitas vezes por perderem privilégios.

Um novo tiro contra a atual tentativa de reforma foi dado por Eduardo Paes (PSD). O prefeito do Rio de Janeiro escreveu em redes sociais que o secretário da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, é "autoritário".

Em evento público, Appy disse que os prefeitos terão de aceitar o fim do Imposto sobre Serviços (ISS), que seria dissolvido no novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA) —arrecadado ou exclusivamente pela União ou por União e estados. A receita do tributo seria compartilhada, mas o município perderia o poder de alterá-lo.

Prefeitos temem perder arrecadação para a União e autonomia política. O receio é compreensível, mas, sem simplificação e uniformização de normas, não há reforma.

Agropecuária e serviços já voltam a combater a padronização de alíquotas. Setores que recebem benefícios excessivos do Simples e de outros regimes especiais, como empresas da Zona Franca de Manaus, também.

Há ainda objeções como a do secretário de Governo do estado de São Paulo. Segundo Gilberto Kassab (PSD), a reforma tributária deve vir acompanhada da reforma administrativa —a de mais improvável realização sob o atual governo.

Dado que o sistema de impostos é estruturalmente fragmentado, a frente contra a reforma é grande. O interesse geral, difuso e com pouca representação organizada, terá dificuldade contra os lobbies.

A alteração da legislação sobre tributos depende de ampla articulação política do governo e, também, de grande campanha de informação. Foi o que ocorreu com a reforma da Previdência. Somente após anos de debates e de difusão de dados, a mudança pareceu razoável e teve menor oposição ativa.

No caso dos impostos, a explicação sobre distorções do atual sistema mal começou. O fato de que a transição será longa (até demais, talvez meio século) está ainda menos claro. A implementação lenta evita choques e permite correções —embute, pois, mecanismos de prevenção de injustiças.

No entanto nada disso foi esclarecido para a parte da opinião pública mais interessada no debate. Desse modo, a reforma tem ainda menos chances de vingar.

Diálogo retomado

Folha de S. Paulo

Não se justifica decepção com saldo da visita de Lula a Biden na pauta ambiental

Seria equívoco avaliar o saldo ambiental do encontro de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com Joe Biden, em Washington, só pela ausência de uma quantia específica de doação para o Fundo Amazônia. Claro está que um aporte volumoso teria impacto simbólico, mas não era imprescindível para marcar a reabertura da parceria.

Mais importante foi retomar a colaboração entre dois gigantes territoriais das Américas em prol do clima planetário. Grupos de trabalho dos governos voltam a reunir-se para traçar iniciativas conjuntas. E os EUA prometem dar contribuição financeira, inclusive um depósito inicial para o fundo.

Biden não tinha por que comprometer-se com investimento bilionário num programa de combate ao desmatamento que ainda está em preparo por uma administração que havia assumido apenas sete semanas antes. Ele sabe, assim como Lula, que de pronto não falta dinheiro no Fundo Amazônia.

Há mais de R$ 3 bilhões estacionados ali, após a paralisação pelo então ministro Ricardo Salles, subserviente ao nacionalismo antiambiental de Jair Bolsonaro (PL). A dupla não se limitou a hostilizar doadores, como Noruega e Alemanha, e terminou por inviabilizar a governança dos recursos pelo BNDES.

O busílis, doravante, está em desfazer o estrago ocasionado pelo governo Bolsonaro, que deliberadamente desmontou as instituições de fiscalização e incentivou o quanto pôde grileiros, garimpeiros e madeireiros ilegais.

No período da mais acentuada redução de desmatamento, de 2005 a 2014, iniciado na primeira passagem de Marina Silva (Rede) pela pasta do Meio Ambiente, decisivas foram não só as verbas, mas medidas como restrições de crédito para infratores. Os valores só começaram a fluir para o Ibama quando já se colhiam resultados.

Recompor os quadros desses órgãos e coordenar as diversas pastas envolvidas num plano operacional exequível são os desafios mais urgentes de Marina.

Novos aportes ao Fundo Amazônia farão efeito mais à frente, financiando projetos de desenvolvimento sustentável na Amazônia que possam gerar e distribuir renda na região a ponto de rivalizar com a exploração imediatista e predatória dos recursos naturais.

Até lá, haverá tempo para Biden ou outro presidente americano demonstrar seu real engajamento numa aliança global pelas florestas e pelo clima.

Lula precisa começar a governar

O Estado de S. Paulo.

Definir as metas de inflação nesta semana é melhor forma de encerrar um assunto que tem dominado o noticiário e servido de desculpa para o governo não apresentar nova âncora fiscal

A primeira reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) deste ano será na próxima quinta-feira. Será o primeiro encontro do órgão em sua nova composição, com os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, e o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. E depois da saraivada de críticas que o presidente Lula da Silva disparou sobre a autonomia da instituição, o atual nível da taxa básica de juros e as metas de inflação, a reunião, que tinha tudo para ser rotineira, será acompanhada com muita expectativa pelo mercado.

Responsável por formular a política monetária e creditícia, o CMN tem várias atribuições, entre as quais a definição das metas de inflação para os próximos anos. Elas são anunciadas, tradicionalmente, em junho, mas é inegável que Lula antecipou esse debate. Quando o presidente critica as metas atuais e não anuncia as novas, os investidores veem no discurso um aumento da percepção de risco e perdem as referências com as quais trabalhavam para nortear seus negócios. A essa incerteza eles respondem com a proteção de seus investimentos. Assim, ainda que o BC tenha mantido a Selic em 13,75% ao ano, a curva de juros futuros, que precificava uma redução no médio prazo, voltou a subir, e o dólar, que chegou a ser cotado a menos de R$ 5, retomou a valorização ante o real.

Em uma entrevista no mês passado, Lula mencionou ser favorável a uma meta de 4,5%, que vigorou na maior parte de seus dois primeiros mandatos. Não foi um porcentual aleatório. Entre 2005 e 2010, quando a meta estava neste patamar, o governo nunca deixou de cumpri-la – nem mesmo após a crise de 2008, quando o BC, sob a presidência de Henrique Meirelles, passou a operar com taxas de juros mais baixas para aquecer a economia. As condições da economia mundial, no entanto, eram em tudo muito diferentes da situação atual. Nos últimos dias, enfim, o governo sinalizou ter a intenção de elevar a meta de 2024 e de 2025 de 3% para 3,5%. Tal mudança contaria, inclusive, com o apoio de Campos Neto.

Como já dissemos inúmeras vezes neste espaço, o importante neste debate não é exatamente o porcentual. O mais relevante é que o País tenha uma meta de inflação crível – seja de 3% ou de 3,5%. Embora haja metas fixadas para os próximos dois anos, elas perderam valor de face quando Lula passou a considerá-las rígidas demais. No CMN, o presidente da República tem dois dos três votos garantidos; ademais, o governo tem prerrogativa e legitimidade para ajustar esses objetivos.

Seria muito positivo, portanto, que o CMN adiantasse essa decisão de uma vez e anunciasse as novas metas já nesta semana. Não se trata apenas de traçar referências para guiar o mercado e ancorar expectativas. Seria a melhor forma de encerrar um assunto que tem dominado o noticiário econômico há semanas e servido como desculpa para o governo não apresentar aquilo de que o País realmente precisa. Já se passou um mês e meio desde a posse de Lula, mas não há nem sinal sobre a âncora fiscal que a equipe econômica vai propor para substituir o surrado teto de gastos.

No Brasil, ter um mecanismo para controlar o avanço das despesas públicas é fundamental para conter a deterioração das expectativas sobre a evolução da dívida pública e, consequentemente, sobre a curva de juros futuros. Metas de inflação, juros, gastos fiscais e endividamento são temas interligados e que geram impacto sobre câmbio, bolsa, crédito, emprego e o Produto Interno Bruto (PIB).

É conveniente, para Lula, culpar Campos Neto – e o ex-presidente Jair Bolsonaro – pelo provável desempenho ruim da economia neste ano. Em parte, ele até tem alguma razão. Há que reconhecer o mérito do governo anterior em destruir o arcabouço fiscal e as duradouras consequências da gastança desenfreada sobre a economia. Mas a eleição acabou e um novo mandato se iniciou. Recolocar o País na rota do desenvolvimento depende das ações e sinalizações do governo atual, sobretudo de Lula, que precisa abandonar a estratégia de criar conflitos e começar a governar.

O dever de não espernear

O Estado de S. Paulo.

Por lei, ministros do STF só devem falar de casos nos autos. Ao expressar fora da Corte sua contrariedade com a decisão sobre a coisa julgada, Fux prejudica a autoridade do Supremo

No dia 8 de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento de um processo extremamente controvertido. Segundo a Corte, uma ação com repercussão geral sobre matéria tributária deve prevalecer sobre decisões judiciais definitivas. O ponto mais polêmico, sobre o qual não houve consenso entre os ministros do Supremo, foi a definição de que, nesses casos, as decisões anteriores perdem imediatamente seus efeitos.

Dois dias depois, num evento de um sindicato paulista de empresas de contabilidade, o ministro do STF Luiz Fux – que foi voto vencido na questão dos efeitos concretos da ação com repercussão geral sobre a coisa julgada prévia – criticou duramente a decisão tomada pela maioria de seus colegas na Corte. “Nós tivemos uma decisão que destruiu a coisa julgada, (...) que criou a maior surpresa fiscal para os contribuintes”, disse o ministro.

Fux disse que tinha “legitimidade para falar sobre isso” por ter manifestado sua contrariedade “publicamente”, isto é, durante o julgamento. O ministro declarou ter ficado tão incomodado com a decisão que sua insatisfação “é perene”. Em seguida, Fux descreveu um comentário da internet sobre a decisão: “Eu li um meme que era mais ou menos o seguinte: a segurança jurídica convida a todos para o enterro da coisa julgada; vedada a presença de investidores”. A plateia aplaudiu o ministro.

Infelizmente, a crítica pública contra julgamento em que foi voto vencido não é uma novidade no Supremo. Não é inédita, mas é rigorosamente ilegal. “É vedado ao magistrado manifestar, por qualquer meio de comunicação, (...) juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério”, estabelece a Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar – LC – 35/1979), em seu art. 36, III.

Os ministros do STF têm de cumprir a lei. Trata-se de ponto fundamental para o prestígio e a autoridade da mais alta Corte do País. Não há que falar em exceções ou em circunstâncias especiais. Todos os juízes, também os do Supremo, estão sujeitos à LC 35/1979.

Integrar um órgão colegiado no Judiciário exige a capacidade de ser voto vencido em silêncio: de não espernear perante a derrota. O magistrado tem a oportunidade de expor suas razões e seus argumentos durante o julgamento. Se, ao final, não convenceu seus pares, se foi posição minoritária, tem de acolher a decisão vencedora, sem criticá-la. Qualquer outra atitude, manifestando juízo depreciativo sobre a orientação final, descumpre a Lei Orgânica da Magistratura.

Além de desrespeitar a lei, a crítica pública a decisões judiciais por parte de ministros do STF é extremamente prejudicial à autoridade do Judiciário. Concorde-se ou não com ela, toda decisão judicial deve ser respeitada e cumprida por todos. No entanto, como esperar que uma decisão seja respeitada pela população se o próprio magistrado que participou do julgamento faz pouco dela?

O descumprimento do art. 36, III da LC 35/1979 faz com que todo o Supremo fique desgastado, como se suas decisões fossem absurdas, sem fundamentação jurídica, sem ponderação dos efeitos. Em casos como o da semana passada, em que a decisão contraria os interesses de muitas empresas, é fácil jogar para a plateia. Dificílimo é reconstituir a autoridade da Corte.

Como dissemos nesta página, no editorial Caso no STF resume mazelas nacionais (10/2/2023), a decisão sobre a coisa julgada em matéria tributária é controvertida, mas não é absurda. Trata-se de firme defesa do princípio da igualdade de todos perante a lei, o que protege a maioria dos contribuintes, além de desestimular a judicialização. Mas como exigir racionalidade se há ministros do STF que incentivam o desprezo à decisão?

O funcionamento do Estado Democrático de Direito exige outra compostura. Para o Judiciário ser capaz de pacificar os conflitos sociais, o juiz que foi voto vencido tem de saber perder.

Entre a lei e o dever humanitário

O Estado de S. Paulo.

Remoção de barracas em SP respeita a ordem, mas não pode ignorar a tragédia da população de rua

A tragédia social da população de rua está à vista de qualquer um que se disponha a circular pela capital paulista com olhos e coração abertos às dores alheias. Espalhadas por toda a cidade, embora concentradas, principalmente, na região da Sé, famílias inteiras, muitas com crianças de colo, vivem ao abrigo das intempéries e da violência em barracas de camping que representam a única coisa que podem chamar de lar.

Se para qualquer paulistano é impossível ficar indiferente ao padecimento dos 32 mil de nossos concidadãos que vivem nas ruas, a maioria contra a vontade, ao Poder Executivo municipal cabe muito mais que inconformismo. É imperativa a ação da Prefeitura para assegurar que essas pessoas tenham condições de vida minimamente dignas, ao mesmo tempo que deve zelar pela ordem na ocupação do espaço público.

Foi nessa delicada posição, equilibrando-se entre a imposição legal e o dever humanitário, que o prefeito Ricardo Nunes (MDB) ordenou a desmontagem das barracas de camping na região da Sé durante o dia. “A gente precisa ter uma ordenação na cidade, uma organização”, disse Nunes ao Estadão. “Nunca pôde ter barraca”, afirmou o prefeito, referindo-se à legislação municipal. “Houve uma exceção durante a pandemia. A Prefeitura está dando as condições para as pessoas se deslocarem para os locais de acolhida com dignidade.”

A bem da verdade, o movimento de transferência das pessoas das ruas para os abrigos da Prefeitura é um tanto mais complexo do que sugere a fala do prefeito. Na sua própria decisão – correta – de permitir a remontagem das barracas para o pernoite, está implícita a dificuldade de acolher todos. Não há vagas suficientes. “Essas pessoas (fora dos abrigos) estão perambulando e mudando de local. Elas não têm para onde ir”, disse o padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo.

Este jornal espera que a desmontagem das barracas – seja na região da Sé ou em qualquer outra – não seja, por óbvio, uma ação descolada de políticas públicas voltadas ao atendimento das necessidades mais prementes dos desvalidos. A Prefeitura precisa garantir que os seus centros de acolhida estejam, de fato, preparados para acomodar todos os que precisam da ajuda estatal nos seus momentos de aflição.

Os agentes da Prefeitura devem, ainda, cumprir as suas atribuições com todo cuidado e respeito às pessoas em situação de rua, principalmente o respeito ao seu direito de propriedade sobre seus bens pessoais. A Prefeitura nega recolher os pertences pessoais nas operações de remoção de barracas, mas há relatos de que esse direito, assegurado pela Constituição, é reiteradamente violado.

O prefeito não tem a responsabilidade direta de solucionar os problemas de fundo que, nos últimos dois anos, fizeram a população de rua crescer 31% em São Paulo. Mas Ricardo Nunes tem de cuidar da zeladoria sem descuidar dos milhares de munícipes que perambulam pela capital paulista contando apenas com o Estado, com a caridade alheia ou com a sorte para comer e dormir em segurança.

Desaceleração da economia só deve poupar agropecuária

Valor Econômico

A política monetária restritiva vai ser determinante nas projeções para o PIB

Dados recentes sobre o nível de atividade esquentam o debate a respeito do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que indústria, varejo e serviços desaceleram no fim do ano passado e devem iniciar o ano em ritmo lento, reflexo da política monetária restritiva.

Os efeitos mais visíveis são nos setores mais dependentes do crédito. Juros e inflação em alta frearam o consumo. Por isso, as vendas no varejo caíram 2,6% em dezembro sobre novembro, pelo segundo mês consecutivo, fechando o ano com módico crescimento de 1%, o menor desde 2016, quando houve queda, e inferior ao nível registrado antes da pandemia.

Em dezembro, o varejo restrito teve queda de 2,6% em relação a novembro, com recuo nas vendas de hiper e supermercados, alimentos e bebidas, que representam 47% da categoria, apesar das festas de fim de ano, ficando 1,1% do patamar pré-pandemia. Já o varejo ampliado, que inclui veículos e motos e suas partes e peças, e material de construção, subiu apenas 0,4% em dezembro sobre o mês anterior e ficou 1,5% abaixo do nível pré-pandemia.

As perspectivas dos economistas é que o varejo deve andar de lado neste ano, apesar do impulso positivo para a demanda com a concessão de benefícios sociais, que deve estimular o varejo restrito. Mas o ampliado, que inclui o restrito, reflete mais a dependência do crédito e a influência negativa dos juros, que devem continuar elevados. Alguma melhoria pode ocorrer no segundo semestre, dependendo do andamento das discussões fiscais.

O comportamento do varejo influencia a produção industrial que ficou estagnada em dezembro e fechou o ano passado com queda de 0,7% em relação a 2021. Com o resultado, a indústria brasileira encontra-se 2,2% abaixo do patamar pré-pandemia da covid-19 (fevereiro de 2020) e 18,5% abaixo do nível recorde da série, de maio de 2011. A elevação dos juros e da inflação, a inadimplência e o endividamento devem influenciar o desempenho negativo da indústria também neste ano. Setores ligados à exportação, como a indústria extrativa de petróleo e minério de ferro, poderão ter um desempenho melhor, favorecido entre outros fatores pela reabertura da economia chinesa e pela perspectiva de que a recessão global será mais amena do que se esperava.

Já os dados do setor de serviços refletem a mudança na cesta de consumo das famílias percebida no ano passado com a volta das atividades presenciais. Com a gradual reabertura da economia e relaxamento das restrições de mobilidade, a demanda voltou-se mais para os serviços, segmento que representa 70% do Produto Interno Bruto (PIB) e cerca de 60% do mercado de trabalho. Os serviços fecharam o ano passado com alta de 8,3% atingindo o maior patamar da série histórica iniciada em 2011. Foi o segundo ano seguido de crescimento. O setor opera 14,4% acima do volume apresentado em fevereiro de 2020.

O resultado foi determinado pelo grupo de transportes, serviços auxiliares aos transportes e correio, que cresceu 13,3%. Desde 2020 o segmento está na liderança, inicialmente pelo aumento da demanda de serviços de entrega com as restrições às atividades presenciais. Agora, segue na liderança, mas pelo motivo inverso e também pelo aumento do transporte de cargas e retomada do transporte de passageiros movido por viagens inclusive de turismo. Outro destaque foi a expansão de 24% dos serviços prestados às famílias, terceira maior influência no indicador, como restaurantes, hotéis, buffet, catering e condicionamento físico, também determinado pela volta das atividades presenciais.

No entanto, nem mesmo o recém recuperado setor de serviços está imune à alta dos juros e mostra variações decrescentes ao longo do ano passado e perda de dinamismo: de 9,5% de crescimento no primeiro trimestre na comparação com o mesmo período de 2021, para 8,3% no segundo trimestre, na mesma base de comparação, 8,1% no terceiro trimestre, e 7,3% no quarto.

Mais influenciada pelo cenário internacional, a agropecuária deve ter um bom desempenho neste ano dada a perspectiva de que a alta dos juros americanos vai desacelerar e a demanda aumentar com a flexibilização da política de covid zero na China. A safra agrícola promete novos recordes. Nas demais atividades, porém, inclusive mais importantes para o mercado de trabalho, a política monetária restritiva vai ser determinante nas projeções para o PIB (Valor 3/2) e estará no centro do debate político.

 

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