Congresso tem como consertar erro do Supremo
O Globo
Projeto de Lei tenta restabelecer segurança
jurídica depois de decisão que gerou incerteza tributária
A Câmara deveria aprovar regime de urgência
para a tramitação do Projeto de Lei (PL) 508/2023, do deputado Pedro Paulo
(PSD-RJ), protocolado na última terça-feira. O texto propõe mudanças nas regras
para cobrança de tributos menos de uma semana depois que uma decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF), tomada no último dia 8, criou enorme insegurança
jurídica em matéria tributária.
Provocados pelo Fisco, os ministros julgaram um caso envolvendo a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). De forma unânime, os 11 derrubaram decisões judiciais beneficiando empresas que entraram com ação pedindo isenção da contribuição. O embasamento foi o princípio da isonomia. A Corte entendeu, corretamente, não poder compactuar com um desarranjo na concorrência. Quem ganha o direito de não pagar passa a ter uma vantagem desleal diante dos concorrentes que não entraram na Justiça ou que entraram e não foram atendidos.
Nesse ponto, não houve polêmica. O Supremo
despertou celeuma, porém, ao permitir que o Fisco cobrasse de forma retroativa
a CSLL que não tivesse sido recolhida depois de uma decisão judicial tendo
permitido a isenção. Num placar de seis votos a cinco, os ministros decidiram
que não haveria “modulação” nos efeitos do julgamento para lidar com o passado
tributário.
Como a decisão cria um precedente que não
fica restrito à CSLL, ela acaba por criar um ambiente de insegurança jurídica
para todas as empresas que pararam de pagar alguma contribuição ou imposto
depois de passar pelos degraus da Justiça. Em vez de alívio, decisões
favoráveis se transformam agora em potenciais problemas contábeis no futuro.
Até mesmo contratos de operações de fusão e aquisição foram afetados. Novos
cálculos sobre quanto vale uma empresa são agora necessários diante do possível
aumento da conta com a Receita.
Uma questão ainda em aberto é se o
julgamento da CSLL no Supremo permitirá cobrança de multa e correção monetária.
É esperado uma posição contrária dos ministros, pois o Código Tributário prevê
expressamente que o contribuinte que tenha seguido decisão posteriormente
reformada não deve pagar multa e juros.
O PL do deputado Pedro Paulo tenta acabar
com a indefinição e a insegurança jurídica. Caso aprovado, o contribuinte que
tiver conquistado na Justiça o direito de não recolher um imposto não poderá
pagar nem um centavo de forma retroativa, mesmo que o Supremo reverta a
decisão. Nessas situações, o PL determina que seja dado à decisão o mesmo
tratamento dispensado a tributos novos. Se for uma contribuição, a empresa terá
90 dias para começar a pagar. Se for imposto, o pagamento terá início no
exercício seguinte. Pedro Paulo protocolou também na terça-feira um Projeto de
Lei Complementar (PLP) propondo que não sejam cobradas multas. A expectativa é
que não seja necessário desde que o Congresso dê atenção e imprima urgência ao
PL.
Força-tarefa contra crime organizado no
Vale do Javari é medida oportuna
O Globo
PF fez bom trabalho ao investigar
assassinato de Bruno e Dom. É preciso agora tirar as quadrilhas da região
Foi oportuna a decisão do governo de criar
uma força-tarefa envolvendo quatro ministérios e órgãos como Polícia Federal
(PF) ou Ibama para combater o crime organizado no Vale do Javari, Amazonas,
onde há oito meses foram assassinados o indigenista Bruno Pereira e o
jornalista britânico Dom Phillips. Ainda que não seja suficiente para conter a
escalada de violência, pelo menos assegura a presença do Estado numa região que
se transformou em território sem lei.
Segundo a PF, o assassinato de Bruno e Dom
foi encomendado por Rubens Villar Coelho, conhecido como Colômbia, chefe de uma
quadrilha de pesca ilegal que atuava livremente na área. Apontado desde o
início das investigações como suspeito de ser o mandante, ele já responde a um
processo por pesca ilegal e está preso desde dezembro. O superintendente da PF
no Amazonas, delegado Eduardo Fontes, afirmou ter provas de que ele fornecia
munição aos executores. Colômbia também pagou o advogado de defesa para um dos
suspeitos de matar Bruno e Dom. “Há fortes convicções de que Colômbia teria
sido o autor intelectual dos crimes”, disse. De acordo com as investigações,
ele planejou as mortes por estar insatisfeito com a fiscalização de atividades
ilegais promovida por Bruno.
Bruno e Dom: Vale do
Javari terá megaoperação contra invasores oito meses após mortes
A PF fez um bom trabalho. Menos de uma
semana depois do crime, prendeu Amarildo da Costa de Oliveira, que confessou
ter participado do assassinato. Depois foram detidos Jefferson da Silva Lima e
Oseney da Costa de Oliveira (irmão de Amarildo), suspeitos de envolvimento.
Colômbia já fora encarcerado em julho, acusado de chefiar uma quadrilha de
pesca clandestina. Em outubro, pagou fiança de R$ 15 mil e foi solto. Como não
respeitou as normas estipuladas para a liberdade provisória, voltou à cadeia.
O assassinato de Bruno e Dom numa expedição
pela Amazônia expôs a violência que impera na região e a negligência do Estado
em combatê-la. Os criminosos não apenas tomaram conta do território, mas também
impuseram suas leis perversas. Bruno, licenciado da Funai, já denunciara
quadrilhas de pesca ilegal. Nada foi feito. Os bandidos estavam investidos de
autoridade. Pouco antes de ser assassinado, Bruno recebeu um bilhete com uma
ameaça de morte. Não era blefe. Os detalhes do crime revelam uma história de horror.
Os corpos foram esquartejados, queimados e enterrados na floresta.
A despeito da eficiência da PF para desvendar o crime em menos de um ano, a parte mais difícil começa agora: expulsar da região as quadrilhas que operam à margem da lei. A nova força-tarefa é um bom começo. Em vez de se perder nos debates estéreis que costumam assombrar organismos dessa natureza, precisa adotar um plano prático rapidamente — e começar a agir logo. É o mínimo a fazer pela memória de Bruno e Dom e pelo futuro da Amazônia.
Minha Casa de volta
Folha de S. Paulo
Nova versão do programa deve superar
carência de recursos e problemas do passado
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) relançou o
Minha Casa, Minha Vida, que criara em 2009, em seu segundo mandato. Uma medida
provisória deu as novas diretrizes do programa habitacional. No Orçamento,
revisto na transição de governo, elevaram-se os recursos para o MCMV de quase
nada para cerca de R$ 9,5 bilhões em 2023.
Há novidades importantes, embora as normas
de sua implementação ainda dependam de regulamentação do Ministério das
Cidades, o que pode levar ao menos três meses. A fonte dos recursos para
financiar o programa a partir de 2024 é um mistério, mesmo porque a atual
gestão ainda não dispõe de um plano fiscal.
A intenção é contratar 2 milhões de
moradias até 2026, metade delas destinada à faixa 1 do MCMV, que atende
famílias com renda bruta equivalente a até dois salários mínimos,
excluídos benefícios sociais. De 2016 a 2022, som Michel Temer (MDB) e Jair
Bolsonaro (PL), o atendimento subsidiado dessas pessoas foi praticamente
extinto.
Na versão de 2023, será permitido o
financiamento de reformas de imóveis e compra de habitações usadas, de lotes
urbanizados ou locação social. Suas diretrizes, ao menos, determinam que as
moradias sejam próximas da vida real das cidades, com mais infraestrutura,
transporte e possibilidades de emprego.
Uma das grandes críticas ao programa foi a
construção de conjuntos
habitacionais padronizados, mal adaptados ao contexto regional, em locais
distantes, sem serviços públicos básicos.
Além de dificultar sobremaneira a vida
social e econômica de seus moradores, a distância exigia, em tese, caras obras
de extensão de infraestrutura, um efeito da horizontalização desnecessária ou
antissocial das cidades. Isolados, vários conjuntos habitacionais foram
assolados pelo crime.
Apesar de quase 6 milhões de residências
contratadas, o déficit habitacional do país pouco se alterou.
A alternativa seria procurar integrar os beneficiários do programa às zonas
mais centrais das cidades, em imóveis ou terrenos sem uso ou por meio de
reformas e outros arranjos, como urbanização de favelas ou de assentamentos
indignos.
Em suas linhas gerais, a medida provisória
parece ter prestado atenção a tais críticas. Resta saber se a regulamentação
vai permitir que os problemas possam ser superados ou atenuados.
Potencialmente relevante para a atividade
econômica e o emprego, o MCMV precisa ser mais do que uma fábrica de casas em
massa em conjuntos habitacionais periféricos, que podem produzir uma nova
rodada de exclusão social.
Mais armas, menos razão
Folha de S. Paulo
Bolsonarismo gerou aumento do número de
armas, mas novo governo retoma sensatez
Entre os piores legados da passagem de Jair
Bolsonaro (PL) pelo poder está a escalada do número de armas de fogo em poder
da população. O ex-presidente facilitou, de modo irresponsável, o acesso a
esses artefatos —desvirtuando o Estatuto do Desarmamento, que desde 2003
restringe fortemente a posse e o porte no país.
Como resultado, o número de armas nas mãos
de civis mais que dobrou nos últimos cinco anos. Segundo levantamento do
Instituto Sou da Paz, em 2022
haviam 2.965.439 artefatos registrados; em 2018, eram 1.320.582.
O perfil do proprietário também mudou. Um
ano antes da posse de Bolsonaro, 47% das armas estavam com membros de
instituições militares, enquanto CACs (caçadores, atiradores desportivos e
colecionadores) detinham 27%.
Já no final do ano passado, CACs passaram a
ter 42,5% —um crescimento de 259%. Na região Norte, os números
dispararam: de 6.693 para 56.473, durante o mesmo período. Nada
menos que 743,8% de alta.
Dada a ausência de serviços de segurança
pública em áreas remotas e atividades como garimpo e extração de madeira, a
Amazônia é, historicamente, uma zona conturbada. Em 2021, a taxa de mortes
violentas chegou a 30,9 por 100 mil habitantes —38,6% superior à média nacional
(22,3 por 100 mil).
Facilitar e estimular a posse de armas,
inclusive de grosso calibre, nesse contexto, é como acender um rastilho de
pólvora.
O argumento bolsonarista é o da dissuasão,
conhecido como "mais armas, menos crimes": potenciais agressores
inibiriam suas ações ao considerar que as vítimas poderiam estar armadas.
Contudo, levantamento feito pelo economista
Thomas Conti, professor do Insper, mostra que 90% da revisão de literatura
(análises das pesquisas já realizadas sobre o tema) publicada entre 2013 e 2017
não comprova essa hipótese.
Assim, fez bem Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) ao revogar normas que, por exemplo, permitiam a compra de até 60 armas, 30
de uso restrito e 30 de uso permitido, por parte de CACs. Agora, o
limite é de 3 artefatos apenas de uso permitido. A emissão de novos
certificados para CACs foi interrompida e todas as armas no país devem ser
registradas na Polícia Federal.
Segurança pública é área complexa na qual
populismo e imediatismo podem produzir efeitos contrários ao esperado. Ao lidar
com vidas humanas, medidas baseadas em racionalidade e perseverança ainda são
as mais indicadas.
A ameaça de Bolsonaro
O Estado de S. Paulo.
Ex-presidente diz que voltará para liderar oposição. A direita civilizada deve ver essa promessa como ameaça a seus valores mais caros e um risco de que a esquerda se fortaleça no poder
Jair Bolsonaro disse ao Wall Street Journal
que voltará ao Brasil para liderar a oposição. Se não quiser perpetuar a
dialética infernal que recolocou no Planalto o lulopetismo – responsável pelos
maiores escândalos de corrupção e a pior recessão da Nova República – nem a
espiral de degradação que desembocou no 8 de Janeiro – o maior atentado à
democracia desde a ditadura –, a direita, seja a liberal, seja a conservadora,
deve fugir desse “líder” que nega todos os seus valores mais caros.
A direita civilizada deve se opor tão
energicamente a Bolsonaro quanto a Lula. Em certo sentido, até mais. Seu
enfrentamento ao lulopetismo é um combate corpo a corpo. Até as derrotas podem
ser revigorantes, se servirem para reconduzi-la às fontes de sua potência e de
seu dinamismo. Como disse Winston Churchill, “o sucesso não é final; o fracasso
não é fatal; é a coragem de continuar que conta”. A luta com o bolsonarismo é
de outra natureza. Não tanto contra um adversário em pé de igualdade, mas
contra um patógeno, um parasita que suga suas energias a ponto da putrefação.
Bolsonaro não é conservador nem liberal, só
reacionário e autoritário. O liberalismo crê na potência do livre-arbítrio e
sua contrapartida, a responsabilidade individual. Daí a ênfase nas liberdades
fundamentais, na igualdade ante a lei, na meritocracia, no livre mercado. O
conservadorismo reverencia a sacralidade da família e a experiência acumulada
pela sociedade nas tradições e materializada nas instituições. Ambos desconfiam
da húbris humana. Por isso, creem no progresso rumo a uma sociedade mais justa
e próspera por meio da distribuição, não da concentração do poder; do debate,
não da imposição de ideias; da reforma, não da ruptura das instituições.
Não é liberal quem faz carreira insultando
minorias; acumulando privilégios para sua família e clientela política;
opondo-se a reformas e defendendo o intervencionismo estatal. Não é conservador
quem desdenha tão orgulhosamente do princípio moral e religioso do amor ao
próximo, especialmente lá onde ele é mais testado e necessário: na compaixão
pelos desvalidos, os vulneráveis, os marginalizados e mesmo, sim, os marginais.
Não é nem liberal nem conservador quem promove o culto à própria personalidade;
quem vê a luta política não como um embate entre adversários, mas como a
aniquilação de inimigos; quem violenta a separação dos Poderes e busca
submetê-los ao seu tacão.
A direita, se quiser manter seu vigor e
promover seus valores, deve combater esse corpo estranho. Mas não com seus
mesmos meios. O bolsonarismo deve ser desmoralizado sem violência.
Não será fácil. Primeiro, porque liberais e
conservadores precisam expiar seus próprios pecados, a começar pela
complacência com as desigualdades sociais, e recobrar a convicção em seus
ideais e sua capacidade de articulação. Mas também porque a facção da esquerda
no poder fará de tudo para oxigenar esse parasita que corrói a direita e no
qual os esquerdistas encontraram sua nêmesis ideal. Lula tem feito tudo menos
cumprir suas promessas de conciliação e está redobrando a aposta no
ressentimento, colando em toda oposição os rótulos de “elitista”, “fascista”,
“golpista”, “genocida”, “terrorista”. Essa esquerda também deve ser
desmoralizada. Mas não com seus mesmos meios.
Conservadores e liberais não devem buscar
desmoralizar os eleitores de Lula ou Bolsonaro, mas ouvi-los, humildemente
questioná-los, influenciá-los e, enfim, representá-los. Aos primeiros, precisam
provar que antes que antagonizar seus ideais mais preciosos, a igualdade e a
inclusão, só desconfiam dos instrumentos da esquerda e oferecem outros mais
eficazes. Já as ansiedades dos eleitores de Bolsonaro – ante o crime, ante as
intromissões estatais, ante as coerções das militâncias identitárias, ante a
corrupção do “sistema” político – podem ser passíveis de distorções, mas
exprimem, no fundo, um anseio pela lei e a ordem e pela preservação de valores
universais. O desafio é mostrar que Bolsonaro, antes que liderá-los rumo à
satisfação desses desejos, só os afastará dela, como os afastou, ainda mais.
Pacote fiscal lanhado
O Estado de S. Paulo.
Enquanto aceita ganhar menos do que
esperava em processos no Carf, o governo trabalha para aumentar ainda mais os
gastos; não é à toa que o mercado projeta inflação mais alta
O governo fechou acordo com a Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) sobre o retorno do voto de qualidade no Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Quando houver empate nos julgamentos
do conselho, os contribuintes poderão se livrar dos juros e multa sobre dívidas
tributárias, desde que aceitem pagar o valor principal do débito e não levem a
disputa à Justiça. A negociação não foi exatamente um gesto de boa vontade do
governo, mas uma forma de evitar o desmonte de um dos pilares do pacote fiscal
anunciado em janeiro pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Câmara e Senado já haviam deixado claro que
resistiam a essa medida, e a OAB havia entrado com ação no Supremo Tribunal
Federal (STF) para derrubá-la, de forma que a chance de o governo ser derrotado
não era desprezível. Embora ainda seja preciso aguardar o Congresso dar aval ao
texto acordado, Haddad considerou a negociação positiva, por entender que ela
garantiu a volta do voto de qualidade, como ele desejava.
Na posição em que o ministro está, é
compreensível que ele tenha de manter um discurso otimista. Haddad, inclusive,
reafirmou a estimativa de arrecadação que viria das medidas relacionadas ao
Carf, de R$ 50 bilhões. A meta já era considerada fantasiosa antes mesmo do
acordo, mas o ponto não é esse. O episódio é mais um, entre muitos, a reforçar
o quão irreal é esperar que o governo entregue as contas públicas em um nível
um pouco mais equilibrado.
Antes mesmo de tomar posse, a equipe do
presidente Lula da Silva contratou um considerável aumento de gastos com a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição. Muito além da
recomposição da verba de programas sociais, o texto elevou a projeção do
déficit primário a R$ 231,55 bilhões. Haddad se disse incomodado com o número
e, por isso, imaginava-se que ele atuaria para conter o ímpeto gastador de seus
correligionários. Ledo engano. Em pouco mais de 45 dias, o governo sinalizou
apoio a novas despesas e disposição de abrir mão de mais receitas.
Já de início, o Executivo desistiu de
reonerar os combustíveis. O salário mínimo – piso dos benefícios da Previdência
Social e um dos principais dispêndios obrigatórios da União – já teria aumento
real de 1,4% e seria elevado a R$ 1.302 a partir de maio, mas agora irá a R$
1.320. A tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), que não é atualizada
desde 2014, será reajustada para isentar quem receber até dois salários mínimos
em 2024. A justeza das medidas é indiscutível, bem como seus impactos sobre as
contas públicas. Por outro lado, até agora, o governo não apresentou a âncora
fiscal que pretende adotar no lugar do teto de gastos, tampouco começou a
trabalhar pela aprovação de uma reforma tributária que venha a compensar essas
perdas.
Lula tem preferido gastar toda a sua verve
para atacar a autonomia do Banco Central (BC), o atual nível da taxa básica de
juros e a rigidez das metas de inflação. E, ao contrário do que o presidente
tem pregado, parte do mercado concorda com suas críticas. Muitos acham que as
metas de inflação são inalcançáveis e precisam ser mais realistas. Vários
acreditam que o BC errou ao reduzir a Selic a 2% em 2020 e demorou a desfazer
esse equívoco. Há quem diga que o governo Bolsonaro legou uma involução ao País
em termos de gastos públicos permanentes. E quem diz isso não é a “meninada que
fica no computador dando ordem de compra e venda”, como Haddad ironizou em
evento do BTG, mas Rogério Xavier e Luis Stuhlberger, gestores de alguns dos
fundos de investimentos mais bem-sucedidos do mercado.
Na mesma conferência, Xavier explicou
aquilo que, aparentemente, ninguém havia contado ao governo. Não é a eventual
mudança nas metas – medida que, aliás, o gestor fez questão de dizer que apoia
– que fez com que os investidores voltassem a apostar em uma inflação mais
elevada. As incertezas vêm das muitas evidências a confirmar a completa falta
de credibilidade da política fiscal do governo. Seria muito bom que Haddad e
Lula assimilassem integralmente essa mensagem.
Futebol não é um mundo à parte
O Estado de S. Paulo.
Enfim a CBF decidiu que racismo é
intolerável; espera-se punição efetiva, sem os tradicionais arranjos do futebol
Demorou muito, mas, enfim, a Confederação
Brasileira de Futebol (CBF) decidiu endurecer a punição aos clubes que tiverem
seus torcedores envolvidos em episódios de racismo. Era inaceitável assistir ao
aumento desses casos de violência racial nos estádios sem que nada de concreto
fosse feito pela entidade para coibi-los. As punições começarão a ser aplicadas
já a partir do início da Copa do Brasil, no próximo dia 22.
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela
cor da sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as
pessoas precisam aprender. E se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a
amar.” Nas palavras inspiradoras de Nelson Mandela subjaz a ideia de que a
educação é fundamental para que as sociedades superem ódios e preconceitos.
No mundo ideal, a educação humanitária
adviria, primordialmente, do diálogo no âmbito das famílias e das escolas em
torno de valores universais. Mas há vezes, porém, em que a educação de gente
adulta só vem pela força sancionadora, seja do Estado, judicialmente, seja de
entidades privadas, na esfera administrativa. Nesse sentido, a decisão da CBF
foi correta.
Além da perda de pontos na tabela de
classificação, os clubes podem ter de pagar multas de até R$ 500 mil pela
incivilidade criminosa de seus torcedores. Podem ainda perder o mando de campo
e ter de jogar sem a presença de sua torcida. Quem sabe esses prejuízos
esportivos e financeiros impostos aos clubes não sirvam de estímulo para
campanhas educacionais mais incisivas voltadas aos seus fãs violentos?
É lamentável que seja assim, mas a
experiência internacional já provou que sanções administrativas impostas aos
clubes, sobretudo a perda de pontos nos campeonatos, têm o condão, se não de
acabar, ao menos de conter os ímpetos racistas de alguns membros mais radicais
de suas torcidas.
Estádios de futebol, é óbvio, não são zonas
fora do alcance da Constituição e das leis do País. As emoções suscitadas pelo
esporte não autorizam ninguém a expelir seu racismo e seus preconceitos das
arquibancadas. Se queremos ser uma sociedade civilizada, para começar, há que
ter respeito aos direitos humanos. Não é possível tolerar o intolerável a
depender do contexto em que as barbaridades ocorrem. O futebol não é um mundo à
parte.
A decisão de combater o racismo nos
estádios por meio da punição administrativa aos clubes – sem prejuízo da
eventual persecução criminal de indivíduos, pois as súmulas dos jogos em que
ocorrerem ataques racistas serão encaminhadas ao Ministério Público – foi
incluída pela direção da CBF no Regulamento Geral de Competições (RGC) e apenas
comunicada aos clubes, sem possibilidade de debate ou recurso. Não havia mesmo
o que discutir.
Passava da hora de a CBF agir com mais rigor para conter o aumento dos casos de racismo no futebol. Muitos atletas e seus familiares sofreram a dor e a humilhação provocadas por racistas até que a entidade resolvesse se mexer. Agora é esperar que tanto a CBF como os clubes cumpram o novo regulamento com o máximo rigor, sem os tradicionais arranjos e jeitinhos do futebol.
Novos e velhos desafios para a política
externa
Valor Econômico
A política externa brasileira terá de ser
virtuosa para caminhar em um terreno minado
Falta apenas a viagem à China para
completar a volta inaugural da política externa do presidente Lula. Ao reabrir
portas entrefechadas com Pequim, principal parceiro comercial brasileiro que
foi de início hostilizado pelo governo de Jair Bolsonaro, em seguida a seu
encontro com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, Lula demonstra a
princípio equilíbrio no tratamento de duas potências em conflito que se
aprofunda, com consequências econômicas e geopolíticas de enorme envergadura,
que podem vir a se tornar duradouras. A política externa brasileira terá de ser
virtuosa para caminhar em um terreno minado.
Ao suceder Bolsonaro na Presidência, Lula
ganhou um bônus de trânsito internacional. A ressurreição da defesa do ambiente
e da democracia entre os objetivos da política externa mudaram da água para o
vinho a percepção de todos os atores globais em relação ao Brasil. Não há
qualquer tema sério da política global que ignore as mudanças climáticas. O
Brasil é protagonista de primeira linha no combate ao aquecimento da Terra.
O gesto de otimismo inicial, para
persistir, necessitará de ações concretas do governo brasileiro. Há problemas e
eles começam perto de casa, no Mercosul. A Argentina, primeiro destino de Lula
após ser eleito, continua em falência. O governo brasileiro prometeu oferecer
crédito a um credor sem capacidade de pagamento, com o truque de uma moeda
contábil e financiamento do BNDES, ambos duvidosos. Lula e o presidente
argentino Alberto Fernández, que, como todo peronista, é protecionista,
uniram-se para questionar o acordo do Mercosul com a União Europeia, que levou
duas décadas para chegar à conclusão - sinalizam, assim, com mais uma década de
discussões.
Lula dá prioridade ao acordo com a UE, mas
o Uruguai, governado pelo conservador Lacalle Pou, prefere um entendimento
comercial com a China, que, por sua vez, ofereceu a mesma coisa para o Brasil,
com ou sem Mercosul. Acordos individuais ferem a carta de constituição do
bloco, que ameaça se romper. A dupla protecionista de Lula e Fernández ameaça
prorrogar impasses.
A reaproximação do bloco da Venezuela,
patrocinada pelo Brasil, é outra fonte de problemas. O enorme êxodo de
venezuelanos exige um relacionamento diplomático entre todos os países da
região, algo que o ideólogo Bolsonaro sepultou. Mas os motivos desse êxodo - a
desastrosa política do ditador Nicolás Maduro -, tendem a ser escamoteados por
Lula, que incensa outros autocratas.
Não se trata de política de não ingerência
em assuntos de outros países, mas de predileção seletiva. Mais de uma vez, como
presidente, Lula manifestou apoio a Chávez, e depois Maduro, em eleições e
nunca fez uma crítica séria à agonia da democracia no país. Da mesma forma,
apoiou Alberto Fernández para presidente e inocentou previamente a vice
Cristina Kirchner, que enfrenta vários processos de corrupção, como se a
perseguição de que se diz vítima no Brasil fosse suficiente para invalidar
acusações semelhantes contra aliados ideológicos.
O governo brasileiro mantém polido
distanciamento dos EUA. Clima e combate aos radicais de direita
circunstancialmente o aproximaram de Biden. Suas declarações durante a campanha
eleitoral que colocavam culpa equivalente em Vladimir Putin e Volodymyr
Zelenski pela guerra na Ucrânia causaram constrangedores ruídos. Lula reviu sua
posição e sancionou comunicado conjunto com Biden condenando a invasão russa. E
propôs um “clube da paz” para negociar o fim do conflito, ignorado pelos EUA.
Adepto de relações mais estreitas com o Sul
global, Lula deve ser bem recebido pelo ditador Xi Jinping, seu parceiro também
nos Brics. As tratativas para ampliar a pauta comercial - basicamente
commodities - seguirão no papel, dada a baixa competitividade geral da
indústria brasileira. Terá apoio para o pleito de ampliação do Conselho de
Segurança da ONU e para acordos tecnológicos vários.
Já os Brics estão em encruzilhada. Ao apoiar a Rússia, a China busca liderar um polo geopolítico oposto aos EUA, que não tem apoio da Índia ou simpatia ativa da África do Sul. A independência da política externa brasileira terá neste conflito entre as duas maiores economias do mundo - uma, a que mais compra seus manufaturados, outra, a que mais compra suas commodities - um teste permanente nos próximos anos. Há espaço de manobras, mas ele requer propósitos muito claros e pragmatismo.
"Congresso tem como consertar erro do Supremo
ResponderExcluirO Globo"
Texto tão ruim e tendencioso que parece ter sido encomendado ao WWaack
O Globo não tem como consertar seu próprio erro... E repete em poucos dias a mesma lenga-lenga.
ResponderExcluir