domingo, 26 de fevereiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Desafio de regular inteligência artificial não tem paralelo

O Globo

Sistemas que simulam atividades criativas terão impacto profundo nos negócios, na política e na vida

É uma piada antiga entre cientistas da computação traduzir a sigla IA por “imbecilidade automatizada”. Nos últimos tempos, a brincadeira perdeu a graça, tamanho o avanço nos sistemas de “inteligência artificial”. É verdade que não é muito adequado chamar um software de “inteligência”. Mesmo assim, nos últimos anos a IA ultrapassou barreiras críticas que a tornaram mais acessível — e se tornou o ramo mais promissor e desafiador da tecnologia digital.

A principal das barreiras é um teste atribuído ao matemático britânico Alan Turing: a partir do momento em que um observador não seja mais capaz de distinguir respostas do computador e dos humanos, dizia Turing, será possível afirmar que a máquina é dotada de inteligência. Tal questão filosófica ainda deverá permanecer sem solução por um bom tempo, mas vários sistemas de inteligência artificial lançados recentemente são hoje capazes de enganar os observadores desavisados.

É o caso do robô de bate-papo ChatGPT, desenvolvido pela californiana OpenAI e incorporado pela Microsoft a seu mecanismo de busca Bing. Ou de concorrentes desenvolvidos pelo Google e pela Meta. Ou ainda do Dall-E, programa que gera imagens a partir de descrições em textos. Cada um desses sistemas oferece resultados com um grau desconcertante de semelhança aos produzidos por humanos e levanta questões sobre como o mercado e as leis lidarão com o avanço da IA. Tais questões não são novas. Povoam a ficção científica e as discussões acadêmicas há décadas. O que a nova onda da IA fez foi torná-las urgentes.

Nos anos 1990, ficou claro que não haveria páreo para os computadores em jogos como o xadrez, onde a vitória depende apenas da análise exaustiva de uma quantidade gigantesca, mas finita, de possibilidades. Mas havia ainda um ceticismo fundamentado sobre a capacidade de máquinas suplantarem seres humanos em atividades criativas, como artes visuais, composição de música, de textos ou a própria programação dos computadores.

A inovação determinante para a evolução da IA nas duas últimas décadas foi uma técnica conhecida como “rede neural”. Por meio dela, os sistemas podem ser treinados com quantidades enormes de exemplos e aperfeiçoam suas respostas aos desafios. É como se as máquinas pudessem aprender. Foi esse “aprendizado de máquina” que permitiu aos computadores derrotar seres humanos em jogos de estratégia mais sofisticados, como o Go, e aventurar-se em atividades criativas, como produção de textos e imagens.

A simulação da criatividade oferecida pelo ChatGPT e correlatos se baseia em sistemas capazes de aprender e reproduzir linguagens naturais, conhecidos como “modelos de linguagem ampla” (LLM na sigla em inglês). Eles trazem ao alcance dos computadores todo tipo de manipulação simbólica, em terrenos tão díspares quanto desenho, escrita, programação, música ou projetos de moléculas para a indústria farmacêutica. O tempo da “imbecilidade automatizada” ficou definitivamente para trás.

Os resultados impressionam. Desde que o ChatGPT foi lançado ao público, em novembro passado, escolas e universidades enfrentam dificuldades para lidar com o uso da IA em redações, provas e trabalhos. Um repórter do New York Times foi surpreendido com um diálogo atordoante em que o robô simulava estar apaixonado por ele. A quantidade de informações falsas e erros flagrantes cometidos em várias respostas levou a própria Microsoft a limitar seu uso. Autoridades do mundo todo estão perplexas, preocupadas com o uso da IA em campanhas de desinformação.

As empresas, em contrapartida, estão animadas com a perspectiva trazida a seus negócios. De acordo com a consultoria McKinsey, mais de 50% das corporações já incorporaram robôs de IA em suas operações. No ano passado, grandes companhias americanas adquiriram 52 empresas emergentes do setor, e a quantidade de postos de trabalho para especialistas no aprendizado de máquina foi dez vezes maior que em 2020. O temor é que a IA tenha sobre as atividades criativas o mesmo efeito que outras tecnologias tiveram sobre empregos de natureza mecânica e repetitiva.

Há, é certo, tarefas em que os robôs de IA ainda deixam muito a desejar — instado a produzir o texto de um editorial para esta página, o ChatGPT entregou um resultado impublicável sob qualquer ponto de vista. Mas outras ocupações estão prestes a passar por um período profundo de transformação — o mesmo robô produziu programas de computador corretos, capazes de resolver problemas de complexidade razoável. O mais provável é que, uma vez que evoluam e os riscos sejam mitigados, os robôs de IA sejam auxiliares facilitando o trabalho de profissionais que lidam com conhecimentos técnicos. Não só programadores de computador, mas também médicos, engenheiros, advogados ou jornalistas.

A nova realidade tornará mais salientes os dilemas éticos inerentes à IA. Que acontecerá se ela for usada para cometer crimes? A quem devem pertencer os direitos sobre o que for produzido? Como zelar por um ambiente competitivo que não reproduza a ameaça dos monopólios digitais? Como garantir a evolução da tecnologia com o mínimo de riscos para seus usuários, para a sociedade e para as instituições? Essas são apenas as questões mais evidentes. Juridicamente, será preciso adotar critérios sensatos para regular os direitos autorais, a responsabilidade civil (e mesmo criminal) e o modelo de negócios subjacente ao uso dos robôs. Tal regulação impõe um teste inédito para a inteligência humana.

Pouco a pouco

Folha de S. Paulo

Número de partidos cai; ajuste gradual é mais realista do que reforma profunda

Quase a metade dos 31 partidos políticos do país estará excluída, neste ano, do rateio das verbas do fundo orçamentário —dinheiro público— destinado a manter tais agremiações. Essa é uma boa notícia.
Se o pluripartidarismo costuma ser um sinal de vitalidade de uma democracia, a existência de mais de três dezenas de siglas constitui uma anomalia que resulta de distorções do sistema político-eleitoral brasileiro e as agrava.

Resultante de normas por demais permissivas, a proliferação de siglas em nada ajuda os eleitores na hora de decidir o voto. Grande parte delas opera como meros escritórios especializados em amealhar recursos públicos, seja diretamente do fundo partidário, seja negociando cargos e verbas por meio de seus membros eleitos.

A fragmentação dificulta a governabilidade. Presidentes precisam cercar-se de uma miríade de legendas médias e pequenas, a custos elevados, para formar maiorias no Legislativo e aprovar seus projetos —ou, ao menos, para evitar CPIs e ameaças de impeachment.

O país só agora começa a colher os resultados de reformas aprovadas a duras penas para lidar com o problema. A primeira, de 2015, fixou exigências maiores para a coleta de assinaturas necessária para a criação de partidos.

Depois, em 2017, a chamada cláusula de desempenho impôs votações mínimas, crescentes a cada pleito até 2030, para que as siglas tenham acesso ao fundo partidário e à propaganda eleitoral paga com dinheiro do contribuinte.

Desde o início das mudanças, a quantidade total de legendas, graças a fusões e incorporações, diminuiu de 35 para as atuais 31. A cifra deve recuar em breve para 29, com dois processos ainda em análise na Justiça Eleitoral.

Mais importante, o número de agremiações representadas na Câmara dos Deputados caiu do recorde de 30, em 2018, para 23 agora, com perspectiva de recuo para 20. Se consideradas as federações, nas quais as siglas se unem por prazo limitado para cumprir a cláusula de desempenho, a cifra pode chegar a 16 forças em atuação.

Obviamente, não se está diante de alguma panaceia. Falta muito, ainda, para que mais partidos busquem se estabelecer em bases mais duradouras, com coerência programática e inserção na sociedade. Nesse sentido, o financiamento público de campanhas também deveria ser reexaminado.

De todo modo, a estratégia de aperfeiçoamentos graduais parece mais realista e promissora do que alguma tentativa de reviravolta total das normas eleitorais do país.

Riscos lá fora

Folha de S. Paulo

Com EUA e Europa instáveis, Brasil precisa ser responsável na economia doméstica

Mesmo após o ciclo de alta de juros mais rápido das últimas décadas, ainda não se sabe se a ameaça de inflação persistente está debelada nos EUA e na Europa. É possível que o arrocho prossiga, aumentando o risco de recessão.

O americano Federal Reserve subiu a taxa básica de zero para o intervalo entre 4,5% e 4,75% anuais nos últimos 12 meses —uma mudança no padrão que vigorou entre a crise de 2008 e a pandemia, período em que a ameaça mais premente era de deflação.

O custo do capital elevado também vem sendo complementado por uma reversão gradual do chamado afrouxamento quantitativo, a expansão de dinheiro na praça usada na década passada. Na prática, cerca de US$ 95 bilhões mensais em liquidez estão sendo retirados.

O padrão europeu é similar, com juros em 3% ao ano, podendo atingir quase 4% nos próximos meses.

O problema é que o legado da pandemia e mudanças na economia mundial —política industrial baseada em segurança nacional, menor tolerância à globalização da produção a baixo custo e preços altos de energia— sugerem pressão inflacionária mais persistente.

A economia americana, por ora, mostra resistência. Há alguns sinais de desaceleração, casos do setor imobiliário e da indústria, mas ainda são localizados.

Nos últimos meses, acelerou-se a criação de empregos e os salários ainda crescem em torno de 4,5% ao ano, muito acima da produtividade. Estima-se que as famílias americanas tenham cerca de US$ 1 trilhão em poupança oriunda dos programas de estímulo da pandemia, o que franqueia amplo espaço para o crescimento do consumo.

A inflação ao consumidor, enquanto isso, se manteve em torno de 6,4% nos 12 meses encerrados em janeiro. Um progresso ante os 9,1% registrados em meados de 2021, mas ainda muito distante da meta de 2% do Fed.

A persistência da atividade e da inflação sugere, portanto, que o aperto dos bancos centrais pode ter de continuar. As projeções atuais de mercado contam com alta para até 5,25% nos EUA, mas com cortes a partir de 2024 —perspectiva que pode ser frustrada.

Já a retomada na China é um alento. A economia do país asiático deve acelerar de 3%, em 2022, para até 5%, neste ano. Ademais, não há pressão inflacionária.

Com esse cenário internacional ainda conturbado, o Brasil precisa ser cuidadoso. Flertar com irresponsabilidade orçamentária, em tal contexto externo, pode abortar as já declinantes chances de retomada no ano que vem.

Espírito republicano

O Estado de S. Paulo.

Lula e Tarcísio superam divergências políticas ante a catástrofe no litoral de SP, num respiro de civilidade depois de quatro anos em que o extremismo superou o interesse público

A tragédia climática que se abateu sobre os municípios do litoral norte de São Paulo durante o carnaval, provocando dezenas de mortes, desalojando milhares de moradores e turistas e deixando um rastro de destruição material, reavivou na memória coletiva do País a importância capital da coordenação entre as três esferas de governo, especialmente nos momentos em que a população mais precisa do poder público.

Foi com um misto de alívio e esperança que o País assistiu à superação das divergências políticas entre o presidente Lula da Silva (PT); o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos); e o prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto (PSDB), em prol do atendimento às vítimas das chuvas torrenciais no fim de semana passado. Assim se constrói uma sociedade civilizada: pelo exemplo. Líderes políticos devem sobrepor imperativos morais às suas eventuais diferenças político-ideológicas.

Já nas primeiras horas após o desastre, na madrugada de sábado para domingo, a prefeitura de São Sebastião, município mais afetado pelas chuvas, o governo estadual e o governo federal articulavam ações conjuntas e complementares de amparo à população local, tanto os moradores da região como os milhões de turistas que desceram para as praias durante o feriado prolongado.

Lula agiu bem ao interromper seu descanso na Base Naval de Aratu, na Bahia, e ir pessoalmente se encontrar com Tarcísio e Felipe Augusto em São Sebastião. “Nós estamos juntos. Acabou a eleição”, disse o presidente ao lado dos dois mandatários. Em momentos assim, a voz do chefe de Estado e de governo é importante para confortar as vítimas e para mobilizar os recursos, humanos e financeiros, necessários para a superação de crises.

Tarcísio, por sua vez, também acertou ao transferir seu gabinete de trabalho para São Sebastião, onde promete permanecer até a normalização da situação. O governador agradeceu o apoio de Lula e reforçou o compromisso de governar São Paulo em parceria com o governo federal em defesa dos interesses do Estado. Ainda é preciso apurar o que poderia ter sido feito para evitar tantas mortes, mas é certo que, irrompida a tragédia, não faltou governo para mitigar seus efeitos.

Em tempos normais, a parceria entre entes federativos seria uma obviedade, até por se tratar de uma obrigação constitucional. Historicamente, divergências políticas entre presidentes, governadores e prefeitos sempre foram suspensas em momentos que clamavam pela ação conjunta em assistência à população. Porém, quase nada pareceu normal no País nos últimos quatro anos, de modo que foi reconfortante ver as três esferas de governo voltarem a atuar em conjunto.

Passado o desditoso mandato de Jair Bolsonaro na Presidência da República, ao longo do qual não faltaram oportunidades para o ex-presidente atacar o pacto federativo insculpido na Constituição e manifestar seu mais profundo desprezo pela vida e pelo bem-estar dos brasileiros, o País estava saudoso da primazia do interesse público, da cooperação entre os governantes, independentemente de suas afiliações ideológicas e partidárias.

É lamentável, no entanto, que essa lição de solidariedade e republicanismo dada por Lula, Tarcísio e Felipe Augusto não tenha sido compreendida por mais gente. Bolsonaro passou, mas os danos que causou para a democracia brasileira ainda perdurarão por muito tempo, como revelaram as agressões físicas e morais sofridas pelos repórteres Renata Cafardo e Tiago Queiroz, do Estadão, enquanto ambos cobriam a tragédia no litoral norte de São Paulo. Xingados e classificados como “comunistas e esquerdistas” por bolsonaristas em um condomínio de luxo em Maresias, os jornalistas foram derrubados e quase perderam seus equipamentos de trabalho.

Por um lado, a tragédia no litoral norte de São Paulo revelou esse Brasil que volta à sua normalidade institucional, há muito ansiado. Por outro, deu a dimensão do enorme desafio que é superar a irracionalidade que prevaleceu no País durante os últimos anos.

A intolerável pobreza infantil

O Estado de S. Paulo.

Estudo traça panorama desolador sobre as vulnerabilidades de milhões de crianças no Brasil. Há algo de muito errado quando um país descuida desse jeito de suas novas gerações

É intolerável que pelo menos 32 milhões de meninos e meninas no Brasil vivam na pobreza, como acaba de estimar o Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef). Esse número representa 63% da população com idade até 17 anos no País. São seis em cada dez, a maioria absoluta desta nova geração. Por óbvio, há algo de muito errado quando uma nação descuida de suas crianças e de seus adolescentes. O que dizer, então, quando a desatenção chega a esse ponto?

Não é segredo que os primeiros anos de vida são decisivos para o ser humano, seja em termos físicos, cognitivos ou emocionais. É na infância que o cérebro se forma, e as vivências nessa fase têm peso enorme na trajetória de cada indivíduo. A adolescência, por sua vez, marca a transição para a vida adulta. Uma etapa que requer cuidados e apoio para o que vem pela frente − jamais descaso, menos ainda em tal proporção.

Deixar milhões de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade é tirar-lhes a possibilidade do desenvolvimento pleno. Uma privação que não compromete apenas seu futuro pessoal. Evidentemente, as consequências de relegar tamanha parcela de meninos e meninas à pobreza impactam o destino do País. A pergunta é simples (e a resposta, claro, perturbadora): qual projeto de nação resiste a uma realidade em que mais da metade das crianças e dos adolescentes é negligenciada?

O cálculo do Unicef, acertadamente, não se limita ao critério de renda.

Embora seja determinante das precárias e indignas condições de vida de milhões de famílias, a baixa renda está longe de ser a única causa de vulnerabilidades estruturais. A pobreza tem múltiplas dimensões, e o levantamento analisou dados sobre renda, alimentação, moradia, saneamento básico, educação, trabalho infantil e acesso à internet. A soma de crianças e adolescentes em situação desfavorável, em uma ou mais variáveis, resulta no inaceitável universo de 32 milhões de excluídos.

A estimativa diz respeito a 2019, ano mais recente com dados para todos os indicadores analisados. Mas o estudo do Unicef, intitulado As múltiplas dimensões da pobreza na infância e na adolescência no Brasil e elaborado com apoio da Fundação Vale, traz informações mais atuais para algumas dessas variáveis. Em 2021, por exemplo, 13,7 milhões de crianças e adolescentes viviam em famílias cuja renda não era suficiente para garantir alimentação adequada. Já a falta de saneamento básico, grave risco para a saúde, era o problema mais abrangente, penalizando 21,2 milhões de meninos e meninas em 2020.

Na educação, 4,3 milhões de crianças e adolescentes estavam fora da escola, apresentavam atraso escolar ou ainda não tinham sido alfabetizados após os 7 anos, quadro que se agravou durante a pandemia de covid-19. Um número maior − 4,6 milhões − sofria com moradias inadequadas: lares cujas paredes são feitas de material inapropriado ou que têm quatro ou mais pessoas por dormitório. Pior: as históricas desigualdades raciais e regionais do País continuaram expondo parcelas da população a situações ainda mais preocupantes. Um efeito tipo bola de neve, em que uma privação não raro se sobrepõe a outras, reduzindo infinitamente as chances de que milhões de brasileiros possam superar a pobreza e ter aspirações concretas de mobilidade social.

As diferentes dimensões analisadas no relatório indicam falhas de todo tipo. Vale notar que o Brasil dispõe de legislação avançada, a começar pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, nos quais é notória a proteção aos direitos da infância e da adolescência. Entre a teoria e prática, porém, o País tropeça em ineficiências crônicas e na renitente miopia que o impede de perseguir metas de longo prazo. Não haverá presente nem futuro melhor sem investimento nas novas gerações.

Quanto a isso, é acertada e bem-vinda a intenção do atual governo de pagar um adicional do Bolsa Família a quem tem filhos de até 6 anos. O dinheiro público deve ir para quem mais precisa, e não resta dúvida de que as crianças, assim como os adolescentes, têm que estar no topo das prioridades.

Vitória da ciência

O Estado de S. Paulo.

Há 3 anos o País entrava no mapa da covid; 700 mil mortos depois, começamos a sair dele por causa da vacina

Há exatos três anos, em 26 de fevereiro de 2020, o Brasil confirmava seu primeiro caso de covid-19: um morador de São Paulo que regressara dias antes de uma viagem à Itália. Depois disso, o País mergulhou na tragédia de hospitais cheios, pacientes agonizantes e famílias em luto por mortos que totalizam hoje quase 700 mil. Infelizmente, as consequências da pandemia se farão sentir por muito tempo. Mas o período de UTIs lotadas, escolas fechadas e isolamento social ficou para trás − como bem ilustram as imagens do carnaval de rua deste ano.

Isso só foi possível graças à vacina, verdadeiro divisor de águas na história da covid-19. Eis um fato inconstestável e uma lição a ser repetida exaustivamente nestes tempos em que ondas de desinformação semeiam dúvidas quanto à segurança e à eficácia dos imunizantes. As vacinas estão entre os maiores avanços da humanidade na área da saúde, e seus resultados contra a covid-19 reforçam tal constatação.

De acordo com a plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford, já foram aplicados mundialmente mais de 13 bilhões de doses contra o coronavírus, com efeitos impressionantes. O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Alexandre Naime Barbosa, afirmou ao Valor que se trata da “vacinação em massa que mais salvou vidas na história da medicina”. Um marco até mesmo na rapidez com que os cientistas desenvolveram o imunizante.

No Brasil, em face da desídia do governo federal à época, coube ao governo paulista liderar o esforço na busca da vacina − um feito digno de reconhecimento. Vale recordar que o então presidente Jair Bolsonaro dava voz ao negacionismo científico, promovendo aglomerações, desdenhando do uso de máscaras e recomendando remédios ineficazes. Bolsonaro chegou ao cúmulo de desestimular a imunização, um mau exemplo que contrariava a tradição brasileira de respeito pela vacinação em geral.

A vacina foi aplicada pela primeira vez no País em 17 de janeiro de 2021, na cidade de São Paulo. Dois anos depois, 186 milhões de habitantes já tomaram uma dose, número que cai para 169 milhões na segunda dose ou dose única − e que está em 104 milhões no caso da primeira dose de reforço, despencando para 42 milhões na segunda dose do reforço, conforme dados do Vacinômetro do Ministério da Saúde. Ora, isso significa que dezenas de milhões de pessoas ainda correm riscos desnecessários. É um dado preocupante e desafiador.

Em boa hora, o Ministério da Saúde decidiu retomar as campanhas nacionais de vacinação que fizeram o País dar saltos de cobertura nas últimas décadas. A primeira terá início amanhã, com a aplicação da vacina bivalente, capaz de combater não só a cepa original do coronavírus, mas também variantes como a ômicron.

Tão importante quanto a campanha de vacinação em si, é fundamental que haja uma robusta campanha de esclarecimento, uma vez que o obscurantismo bolsonarista ainda faz seus estragos. Restabelecer a confiança plena nas vacinas é um dos maiores desafios que a sociedade brasileira deve enfrentar.l

 

Um comentário:

  1. Inteligência Artificial X Imbecilidade Automatizada
    Pena que não temos mais um Isaac Asimov para nos socorrer com um novo "Eu, Robô" atualizado...

    Aqui sobra imbecidades bolsonarizadas nos moldes das propostas do pulha Rogério Marinho...
    Nojo & Tristeza

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