Está na hora de rever os absurdos da Lei Eleitoral
O Globo
Depois de campanha marcada por reclamação
de excessos do TSE, é preciso revisar legislação anacrônica
A campanha eleitoral foi marcada por
reclamações de excessos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com o objetivo de
combater a desinformação, a Corte determinou suspensão de contas em redes
sociais ou exclusão de conteúdos. Chegou a conceder direito de resposta ao
então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, alvo de expressões e opiniões em
comentários da rede Jovem Pan, acusada de desrespeitar o princípio da Lei
Eleitoral que proíbe tratamento privilegiado (a emissora ficou sujeita a multa
em caso de reincidência). A reação imediata foi tachar o TSE de censor.
Todas as ações do TSE foram tomadas com
base na lei eleitoral vigente, apesar de a Constituição, num antídoto contra a
censura, garantir a liberdade de expressão em termos quase absolutos. O início
da nova legislatura é um bom momento para o Congresso examiná-la e rever os
pontos estranhos a outras democracias — tanto naquilo que ela impõe quanto no
que omite.
As eleições são o único momento em que não existe liberdade plena de informação e expressão no Brasil, ao contrário do que manda a Constituição. Com base numa visão paternalista, os legisladores impõem que a Justiça Eleitoral tome decisões que limitam a cobertura jornalística. Como resultado, os veículos de comunicação não têm segurança jurídica para exercer seu papel editorial de forma livre, privando o eleitor de informações, análises e opiniões úteis. Haverá sempre o risco de veículos agirem de má-fé, deixando de praticar jornalismo para fazer propaganda política. Noutras democracias, cabe ao público separar o que presta. Talvez a nossa ainda seja jovem, mas legisladores deveriam evitar formas draconianas de combater o mau jornalismo.
Alguns pontos flagrantemente absurdos da
lei eleitoral foram declarados inconstitucionais quando o Supremo Tribunal
Federal (STF) julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) do Humor em
2018. É o caso da proibição do uso de montagens ou recursos de áudio e vídeo
para “ridicularizar” candidatos — termo vago, sujeito ao alvitre do juiz — e da
difusão de opiniões contra ou a favor de candidatos. Apesar disso, outros
pontos inaceitáveis continuam em vigor, como a imposição da também vaga
“isonomia” na cobertura do rádio e da TV. Na tentativa de equilibrar o
tratamento das candidaturas, os noticiários têm de dedicar esforço a uma agenda
burocrática de escasso interesse, sob pena de ficarem à mercê de interpretações
subjetivas.
A restrição mais prejudicial é a que
estabelece condições para promover debates. A imposição de que candidatos de
partidos com no mínimo cinco parlamentares tenham presença garantida dá
visibilidade a figuras bizarras ou inexpressivas, como Padre Kelmon na última
eleição. A submissão das regras aos partidos engessa o formato e impede
intervenções ágeis de jornalistas, comuns noutros países. Há ainda a vedação à
transmissão ao vivo de convenções partidárias no rádio e na TV, mas não nos
meios digitais — um cerceamento descabido ao direito de informação.
É também descabido vedar propaganda paga no
rádio e na TV, enquanto as plataformas digitais — focos de desinformação —
estão autorizadas a aceitá-la. Se as emissoras de rádio e TV são responsáveis
por aquilo que publicam, as plataformas digitais simplesmente lavam as mãos, e
a lei não pode alcançá-las. Devem ter liberdade, mas devem ter
responsabilidade. Nesse aspecto, fazer avançar o Projeto de Lei das Fake News é
fundamental.
A desinformação precisa ser combatida, mas
não faz sentido — e é inconstitucional — a lei tutelar o conteúdo que chega ao
eleitor de forma tão absoluta. Nas palavras do próprio presidente do TSE,
Alexandre de Moraes, em seu voto vencedor na ADI do Humor: “O direito
fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as
opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também
aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas,
bem como as não compartilhadas pelas maiorias”.
Papa Francisco se equilibra entre
modernidade e necessidade de união
O Globo
Declaração recente sobre gays traz
elementos para agradar aos setores progressistas e aos conservadores
O papa Francisco disse em entrevista
recente que “ser homossexual não é crime, é uma condição humana”. Foi sua
última e mais contundente declaração sobre a comunidade LGBTQIAP+. Em 2013,
pouco depois de ter sido escolhido para chefiar a Igreja Católica, ele
defendeu, no avião que o levava de volta a Roma depois de uma visita ao Brasil,
a integração de homossexuais na sociedade com a frase: “Se uma pessoa é gay,
procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu, por caridade, para julgá-la?”.
Num documentário de 2020, Francisco pareceu
apoiar a união de casais do mesmo sexo. Em seguida o Vaticano esclareceu que
ele acreditava que casais gays mereciam proteções legais, como direito a plano
de saúde. Na entrevista mais recente, foi mais longe ao se dirigir a famílias e
a países. Exortou pais que tenham filhos homossexuais a criar um ambiente para
que todos vivam em paz. Em seguida, condenou países que criminalizam a
homossexualidade. De acordo com a Human Dignity Trust, 67 têm leis contra gays,
bissexuais e transgêneros, a maioria na África e Ásia. Em 11, há pena de morte.
A entrevista do papa enfureceu alas mais
conservadoras da Igreja Católica. Mas, ao dizer que ser homossexual é um
pecado, comparável a não ter caridade com o próximo, também aborreceu quem
defende mudanças na doutrina. A lista de reivindicações dos setores
progressistas inclui, além do reconhecimento de casamentos gays — barrado em
2021 —, o fim do celibato e a ordenação de mulheres. O objetivo dos defensores
das medidas é modernizar a Igreja e evitar novos escândalos de abusos sexuais.
Na ponta mais liberal está a Igreja Católica da Alemanha. No outro extremo
estão representantes de populosos países da África, continente visitado por
Francisco na semana passada e onde o número de fiéis ainda cresce.
Está em curso uma consulta em que 1,4
bilhão de católicos têm direito a opinar sobre como enxergam a Igreja no século
XXI. O prazo final para respostas foi prorrogado de 2021 até 2024. No Brasil,
parte das reivindicações teve como alvo a maior participação dos leigos nos
serviços dentro da Igreja, com atenção à atuação de mulheres, jovens e
minorias. Os documentos nacionais são debatidos em painéis continentais, que
alimentarão o debate final no Vaticano.
Desde o começo do papado, Francisco tem
tentado se equilibrar entre a defesa da modernidade e a necessidade de reduzir
divisões na Igreja. Seu papel na História dependerá de quanto conseguirá
avançar sem provocar cisão.
Governo dá um tiro no pé com campanha
contra o BC
Valor Econômico
Descrédito do BC é inútil, prejudicial e
custa caro
Encabeçado pelo presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, o governo faz uma investida sistemática contra a taxa de juros
determinada pelo Banco Central e a independência da instituição recentemente
consagrada em lei. Os juros reais no Brasil são os mais altos do mundo, o que
dá às críticas de Lula a falsa aparência de bom senso e de realismo. Na
verdade, o presidente não gosta da independência do BC porque não pode nele
influir, caso precise, acha que a meta de inflação deveria ser maior e já
afirmou que quando Roberto Campos Neto, que comanda o BC, deixar o cargo em
dezembro de 2024, as coisas podem ser bem diferentes.
As falas do presidente deram sinal verde a
um processo de descrédito do BC que é inútil, prejudicial e caro - os juros de
mercado têm subido quando Lula, por exemplo, sequer menciona mais o nome do
presidente da instituição e o chama de “esse cidadão”. A esperança de
consolidação de valorização do real na semana passada, quando a taxa de câmbio
por alguns momentos caiu abaixo de R$ 5, está indo para o espaço com as
declarações de Lula sobre metas de inflação e autoridade monetária. A
apreciação do real é uma ajuda decisiva para derrubar mais a inflação.
Lula conhece de longa data o comportamento
dos investidores e sabe da importância de suas orientações sobre os preços dos
ativos. Tanto que no 22º dia de seu primeiro mandato, em 2003, o BC aumentou os
juros de 25% para 25,5% e, na reunião seguinte, para 26,5%. A inflação de 2002
foi de 12,53% e a do primeiro ano de governo, 9,3%, para uma Selic média de
23%. O Brasil teve então taxa de juros real semelhante ou maior que a de agora,
sob Lula. A variação dos preços era maior, e o aumento da Selic e, poucos meses
depois, seu corte foram acertados e limparam o terreno para o período de
crescimento posterior.
As expectativas para o IPCA, no entanto,
estão subindo, depois de o índice fechar em 5,79% em 2022. Desde agosto, a
Selic está parada em 13,75%. Não é fácil, porém, colar na imagem do presidente
do BC a de amigo dos “rentistas”. Em agosto de 2020, o Copom diminuiu os juros
básicos a 2%, na prática taxa zero ou negativa, e testou, não sem críticas
posteriores dos investidores, o limite de baixa a um nível que nenhuma outra
autoridade monetária houvera conseguido desde 1997.
No Planalto, confecciona-se a versão de que
houve “traição” de Campos Neto quando, logo na reunião do primeiro mês de
governo, o Copom acenou com juro alto por mais tempo, tida uma quebra ingrata
de “confiança” (Folha de S. Paulo, ontem). Lula esquece que começou a governar
antes da posse e conseguiu com a “PEC de Transição” obter R$ 163 bilhões em
gastos sem cobertura para sua gestão, ainda em dezembro. As declarações do
presidente e de seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, espalharam a
desconfiança de que a dívida pública subirá bastante, elevando juros e
inflação. O BC soou então o sinal de alerta.
O que quer Lula, afinal? Pelo que tem
declarado, quer o crescimento da economia para já, acionando as ferramentas que
no passado fizeram isso, mesmo que tenham destruído a expansão depois. Haddad
está preocupado com a retração de crédito, consequência óbvia do aperto
monetário. Para Lula, o mais importante é que o juro caia e a roda da economia
gire mais forte. Não há condições de se fazer isso agora, porque o BC e seu
presidente não estão subordinados ao presidente da República. Resta a Lula
esbravejar e, talvez, planejar mais gastos que, já se sabe, redundarão em juros
mais altos.
O BC independente deve ser julgado pelos
resultados que apresenta. A inflação brasileira passou mais de 12 meses acima
dos 10%. Caiu e, com aperto monetário, programa fiscal consistente e boa
reforma tributária, a inflação cederá mais, ajudada por valorização do real. De
nada adianta dizer o que Campos Neto é - bolsonarista, um fato -, mas, sim, o
que ele faz. Alan Greenspan era republicano e foi reconduzido por governos
democratas. Jerome Powell é um republicano indicado por Donald Trump e
reconduzido por Joe Biden. É raro o Federal Reserve ser criticado por suas
decisões terem viés partidário.
Pode-se sempre discutir com calma e profundidade a revisão das metas de inflação, prós e contras de um BC independente no Brasil, a relação entre a carga de juros e o montante da dívida pública - são temas assíduos de debate global. O que não dá certo, e pode levar a desastres, é o presidente Lula ficar aborrecido com a taxa Selic, achar que é preciso gastar mais já e dissociar ainda mais a política monetária da fiscal. Com isso colherá os resultados que Dilma Rousseff colheu: um salto da dívida e uma enorme recessão.
Pazuello, sigilo e PEC
Folha de S. Paulo
Processo contra general expõe necessidade
de vetar militares da ativa no governo
A Controladoria-Geral da União anunciou que
irá analisar a
quebra de sigilos impostos pelo governo Jair Bolsonaro (PL) a 234 processos,
entre os quais o que envolve a transgressão disciplinar do general Eduardo
Pazuello.
A indicação do oficial, então na ativa,
para a pasta da Saúde durante a pandemia de Covid-19 foi um dos casos mais
aberrantes da militarização da máquina governamental promovida pelo
ex-presidente.
Depois de seguidas crises com a cúpula do
ministério, o mandatário escalou o general para cumprir suas ordens, que
contrariavam, como se sabe, recomendações sanitárias, propagavam mentiras sobre
a doença e desacreditavam a eficácia da vacinação.
O indicado não decepcionou seu chefe.
"Um manda, outro obedece", declarou Pazuello após ter sido obrigado a
cancelar um protocolo de intenção de compra de 46 milhões de doses da vacina
Coronavac, produzida pelo Instituto Butantã de São Paulo, estado então
governado por João Doria.
Após uma sequência de descalabros, o
general deixou o Ministério da Saúde sob forte pressão de lideranças do chamado
centrão, mas continuou na ativa e a serviço de Bolsonaro. Foi nessa condição
que participou de um comício político no Rio de Janeiro em apoio à reeleição do
então presidente.
Ao subir no palanque, Pazuello tornou-se
alvo de um processo disciplinar do Exército, cujo código de conduta veta a
participação de militares da ativa em atos político-partidários. Bolsonaro
interveio e levou o Exército a impor sigilo sobre o processo, no qual o aliado
escapou de punição.
A possível suspensão do segredo, por
constrangedora que seja para setores da cúpula militar, ajudará a esclarecer o
episódio, que além de suas particularidades suscita questões relevantes para o
bom andamento da democracia.
A presença de militares da ativa em cargos
da administração pública é uma insensatez que pode causar danos às Forças
Armadas e gerar ruídos desnecessários no sistema democrático. Esta Folha tem
defendido restrições legais rígidas a essa participação.
Em 2021, foi apresentada no Congresso uma
proposta de emenda constitucional (PEC) que impede a nomeação de militares da
ativa para funções governamentais. Não por acaso apelidada de PEC do Pazuello,
a proposta, atualmente parada na Câmara, encontra, com
a mudança de governo, condições mais favoráveis para prosperar.
Sua aprovação representaria, sem dúvida,
aperfeiçoamento do arcabouço institucional brasileiro.
Preços sem fundo
Folha de S. Paulo
Usar dinheiro público contra combustível
caro implica riscos fiscais e sociais
Com a confirmação
do petista Jean Paul Prates no comando da Petrobras, anunciam-se
mudanças no plano estratégico da empresa, rumo a mais investimentos e corte no
pagamento de dividendos.
Prates dá sinais de prudência quando afirma
que não haverá artificialismo na política de preços de combustíveis, que
continuam a refletir condições de mercado. É um alento ante os temores de um
retorno às maléficas práticas do governo Dilma Rousseff (PT).
Pairam dúvidas, contudo, quanto à intenção
de criar de um fundo alimentado com recursos públicos para estabilizar os
custos dos derivados de petróleo para o consumidor. A ideia é cara ao
dirigente, que relatou projeto nesse sentido aprovado pelo Senado em 2022.
O texto fixa bandas de referência para os
preços em torno de cotações médias internacionais, com parâmetros a serem
definidos pelo Executivo com suporte da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Quando as cotações externas estiverem fora das bandas, haveria compensação pelo fundo —a chamada Conta de Estabilização de Preços de Combustíveis, que acumulará recursos quando o preço domestico definido pelo governo estiverem acima das cotações internacionais e os desembolsaria na situação oposta.
A conta também se valeria de dinheiro
público, oriundo da participação governamental nos contratos de partilha e
concessão e outras receitas não recorrentes do setor, além de dividendos da
Petrobras.
Há dificuldades conceituais e práticas na
tese de que um fundo de estabilização seja capaz de resolver o problema
político de custos salgados para os consumidores.
As cotações externas hoje estão altas, o
que impõe o uso imediato do Orçamento para que o fundo possa bancar preços
locais menores —o que elevará o já imenso déficit esperado nas contas do
Tesouro, agravado, aliás, pelo corte de impostos sobre derivados.
Ademais, a experiência não recomenda
acreditar que governos estarão dispostos a manter os preços domésticos mais
elevados nos períodos de baixa no mercado global. Mais provável é a recorrência
de rombos no fundo que, cedo ou tarde, chegarão ao contribuinte.
Por fim, não faz sentido subsidiar o
consumo de combustíveis de forma generalizada, o que significaria direcionar
recursos de toda a sociedade a seus estratos mais ricos.
O melhor é limitar eventuais subsídios à população de baixa renda, além de conduzir uma política econômica responsável que ajude a valorizar o real, um dos fatores críticos para os preços na bomba.
O necessário silêncio dos juízesO Estado de S. Paulo.
Juiz fala apenas nos autos. O País precisa
de um STF eficiente e discreto.
Em evento empresarial do qual participaram
mais três integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Alexandre
de Moraes voltou a falar de casos sob sua jurisdição, alguns deles que correm
em segredo de Justiça. “As investigações da Polícia Federal continuarão e vamos
analisar a responsabilidade de todos aqueles que se envolveram na tentativa de
golpe (de 8 de janeiro). Temos informações adiantadíssimas sobre os
financiadores, desde o ano passado”, disse o magistrado.
No evento, Alexandre de Moraes comentou sobre
a história contada pelo senador Marcos do Val, a respeito de suposta
articulação golpista envolvendo o ex-deputado Daniel Silveira e o ex-presidente
Jair Bolsonaro. “A ideia genial que tiveram foi colocar escuta no senador.
(...) Para que o senador pudesse me gravar e, a partir dessa gravação, pudesse
solicitar a minha retirada da presidência dos inquéritos”, disse. “Foi
exatamente esta a tentativa de uma operação Tabajara que mostra o quão ridículo
nós chegamos à tentativa de um golpe no Brasil.”
É absolutamente inconveniente, para dizer o
mínimo, que um ministro do STF se considere autorizado a tecer comentários a
respeito de casos sob sua jurisdição, avaliando se a manobra golpista era
factível, se estava bem estruturada, se foi bem pensada. Ao que se sabe, as
investigações ainda estão em andamento. No entanto, o relator considera-se
habilitado a manifestar publicamente sua visão dos fatos.
Esse protagonismo fora dos autos de
ministros do Supremo não faz bem ao País. Fora dos limites da lei não há caminho
saudável. Não há construção de soluções. A Lei Orgânica da Magistratura é
cristalina. “É vedado ao magistrado manifestar, por qualquer meio de
comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem,
ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais,
ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do
magistério” (art. 36, III).
A necessária defesa da democracia por parte
do Judiciário é feita nos autos. Isso não é uma limitação ocasional, fruto de
circunstâncias excepcionais. Trata-se do reconhecimento do papel e do âmbito de
funcionamento da Justiça: a magistratura exerce sua função nos autos. Não há
outro modo de atuar. Como afirmou o próprio Alexandre de Moraes, ao falar de
uma suposta acusação que o senador Marcos do Val lhe teria feito oralmente –
mas que não a colocou por escrito –, “o que não é oficial, para mim, não
existe”.
A contribuição do Judiciário não se dá por
meio de entrevistas, muito menos com participação em eventos de empresários. É
claro que, como quaisquer cidadãos, os ministros do Supremo têm direito à
própria opinião, mas, enquanto integrantes do tribunal que dá a última palavra
no Judiciário, esses magistrados fazem bem quando guardam suas opiniões para si
mesmos ou as compartilham somente com amigos e parentes. O País não precisa que
ministros debatam publicamente sobre a vida nacional; precisa, sim, que eles
exerçam seu trabalho de modo silencioso, eficiente, dentro dos prazos e
cumprindo as regras de competência.
Ademais, não é prudente que ministros do
Supremo aceitem participar de eventos privados em que figuram como estrelas, de
quem se espera, justamente por isso, ouvir informações e comentários que
forneçam pistas sobre suas inclinações no julgamento de casos de grande
repercussão. E não só isso: é igualmente imprudente participar de eventos com
empresários que não raro têm interesse em processos que tramitam no Supremo.
Não se trata aqui de duvidar do caráter deste ou daquele ministro; trata-se de
lembrar das razões pelas quais a Justiça é retratada como uma senhora vendada.
É tempo de maturidade. Assim como a
liberdade de crítica não dá direito de ameaçar os integrantes do Supremo, o
reconhecimento de eventuais equívocos por parte de ministros, com a consequente
e necessária mudança de atitude pública, não significa anuência com os
detratores do STF. É antes a melhor defesa da Corte. O compromisso é com a Constituição,
não com os erros.
Entre o desequilíbrio e o descalabro
O Estado de S. Paulo.
Agenda econômica no Congresso é instável,
com ciclos recorrentes de avanços e retrocessos após um breve período de lua de
mel entre o governo e os parlamentares recém-eleitos
Projetos de lei ligados à agenda econômica
dominaram a pauta legislativa nos últimos quatro anos. De acordo com
levantamento do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), 931 propostas
voltadas à área foram apresentadas ao longo dos últimos quatro anos no
Congresso, das quais 49 foram aprovadas e se transformaram em norma jurídica, uma
conversão de 5,26%. Dos 2.823 textos sobre finanças públicas e orçamento
propostos no mesmo período, 112 foram aprovados, ou 3,97% do total. O índice
supera facilmente a quantidade de textos convertidos em lei em áreas como
saúde, meio ambiente e educação.
Lidos de forma superficial, os números do
levantamento fortaleceriam o discurso do presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), segundo o qual a maioria dos parlamentares tem um perfil reformista e
liberal. Mas uma análise mais aprofundada sobre o conteúdo das propostas
efetivamente aprovadas revela a distância entre o discurso e a prática
legislativa.
É bem verdade que o Congresso deu aval, nos
últimos anos, à reforma da Previdência, à autonomia do Banco Central e ao novo
marco do saneamento, mas a segunda metade do mandato do então presidente Jair
Bolsonaro foi marcada por uma profunda reversão nesse movimento. Até propostas
pretensamente liberais, como a privatização da Eletrobras, geraram forte alta
de despesas para a União, enquanto as frequentes exceções criadas para desviar
dos limites do teto de gastos acabaram por desmoralizar o arcabouço fiscal.
Não foi algo pontual. Marcos Lisboa,
presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da
Fazenda entre 2003 e 2005, e Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e
autor do livro Por que é Difícil Fazer Reformas Econômicas no
Brasil, já haviam elencado, em um artigo
publicado no site Brazil Journal, 40 projetos aprovados pelo Legislativo nos
últimos dois anos que resultaram em renúncia de receitas e aumento de despesas
– todos com apoio do Executivo, explícito ou velado.
A lista evidenciou o quão ciclotímica é a
agenda econômica no País. Passado um breve período de lua de mel entre o
governo e o Congresso recém-eleitos, ela vive ciclos recorrentes de avanços e
retrocessos, descrevem Lisboa e Mendes. “A cada ciclo político recebemos a
herança do que foi construído no governo anterior. Os momentos de crise têm
induzido a adoção de medidas que aperfeiçoam as políticas públicas e colaborado
para a retomada do crescimento nos anos que se seguem. Superadas as
dificuldades mais graves, contudo, a agenda de captura do Estado por grupos de
interesse é retomada com vigor, para prejuízo das contas públicas e do
crescimento econômico do País”, afirmaram.
Os deputados e senadores que acabam de
assumir o mandato têm agora a chance de dar fim a esse ciclo e mostrar um
renovado entendimento do exercício de seus mandatos. Diferentemente do que
fizeram nos últimos anos, é preciso que os parlamentares analisem cada projeto
com muita responsabilidade, a partir de um levantamento prévio sobre seus
custos e benefícios. O quadro fiscal não deixa dúvidas de que o espaço para
criar um novo legado de aumento de gastos no médio e longo prazos está
esgotado.
Ciente da polarização que dividiu e ainda
divide a sociedade, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem feito esforços
no fortalecimento das relações institucionais entre os Poderes. O presidente
não pode abrir mão da liderança do governo na definição da agenda legislativa,
como fez seu antecessor. Por outro lado, em vez de gastar sua governabilidade
recém-construída com projetos que fracassaram no passado, precisa aproveitar a
janela de oportunidades do primeiro ano de mandato com muito pragmatismo e
motivar o Congresso a aprovar a reforma tributária e a nova âncora fiscal.
O momento é de reconstrução de pontes entre
o Legislativo e o Executivo, mas o País precisa que essas pontes sejam erguidas
sobre bases mais modernas. Somente essa união de esforços poderá reverter um
cenário que, nos últimos anos, tem variado entre mero desequilíbrio e profundo
descalabro fiscal.
Risco de retrocesso no saneamento
O Estado de S. Paulo.
Estatais estaduais querem mais tempo para atingir metas de cobertura de água e esgoto que não cumpriram em décadas
Com inúmeros problemas de ordem política,
econômica e social a serem enfrentados depois de quatro anos de bolsonarismo, o
governo de Lula da Silva decidiu ressuscitar uma discussão já superada sobre
uma das pouquíssimas áreas em que houve notável progresso nos últimos anos.
Segundo uma reportagem do Estadão, o Executivo estuda mudar um dos principais
dispositivos do marco do saneamento para permitir que estatais estaduais possam
prorrogar contratos com prefeituras – tudo à revelia da Constituição, que tem a
licitação como regra na administração pública.
O pedido foi feito pela Associação
Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), e a secretária
executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, disse que propostas concretas serão
discutidas na próxima semana. Como o marco do saneamento foi aprovado por ampla
maioria no Legislativo em 2020, é improvável, passado tão pouco tempo, que haja
clima para mudá-lo. A estratégia, portanto, é contornar a legislação por meio
de decretos.
Desde que o marco do saneamento entrou em
vigor, as licitações ampliaram a participação da iniciativa privada no setor.
Para participar delas, é preciso comprovar prévia capacidade
econômico-financeira para realizar investimentos. Sem caixa, muitas estatais
não conseguem participar dos leilões, que dirá vencê-los. Por isso, as empresas
públicas pleiteiam que o governo inverta o processo: querem estender os
contratos que já possuem e obter um prazo maior para cumprir metas que nunca
cumpriram; em paralelo, postulam acesso facilitado a financiamentos de bancos
públicos para realizar as mesmas obras que já deveriam ter feito há décadas.
Quando há dúvidas sobre fatos, nada como os
números para apontar quem tem a razão. O marco do saneamento tem como meta a
cobertura de 99% da população com água potável e de 90% com esgoto até 2033.
Para atingir esses objetivos, segundo estima a consultoria KPMG, são
necessários R$ 750 bilhões em investimentos. Com o domínio histórico das
estatais estaduais no setor, a cobertura de água potável atingiu 84,2% da
população; 44,2% dos brasileiros vivem sem acesso à rede de esgoto; e, dos
sistemas existentes, somente 50,3% recebem tratamento adequado.
Há um longo caminho a ser percorrido para
dar fim a essa mazela social. Mais do que boas intenções, o setor privado tem
demonstrado ter um fôlego financeiro para resolvê-la, algo que as estatais já
provaram não ter. Entre 2010 e 2017, de acordo com o governo federal, 15
estatais de saneamento realizaram investimentos médios de R$ 7,4 bilhões por
ano, menos da metade dos R$ 20 bilhões mínimos estipulados pelo Plano Nacional
de Saneamento Básico.
Em dois anos de vigência do marco, 21
leilões foram realizados, com investimentos estimados em R$ 82,6 bilhões em 244
municípios das Regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, segundo a
Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços
Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindcon). Os números falam por si sós. O que
impressiona é a capacidade do governo de ignorá-los.
O espiritismo,que também é cristão,não condena a homossexualidade,Allan Kardec tinha pena.O que eu já passei só eu sei,e o sofrimento maior nem passa pelo preconceito.
ResponderExcluirCampos Neto tem todo o direito de ser de direita,mas bolsonarista...
ResponderExcluirO PT nem aprendeu nada nem esqueceu nada.
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