quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Reunião com Biden abre oportunidade para governo Lula

O Globo

Além da defesa da democracia, agenda deveria abranger Amazônia, armas, OCDE e até vistos de entrada

O principal tema do encontro entre Luiz Inácio Lula da Silva e Joe Biden amanhã em Washington serão os ataques violentos da extrema direita no Brasil e nos Estados Unidos. Ambos os presidentes simbolizam a vitória de forças democráticas ameaçadas pelo populismo e pelo autoritarismo. Seria também uma excelente oportunidade para Lula deixar de lado o antiamericanismo e aprofundar a agenda comum entre as duas maiores democracias das Américas. Os dois países só teriam a ganhar.

São esperados avanços em três áreas: cooperação na defesa da democracia, no combate às mudanças climáticas e em questões militares. Lula não deveria esquecer também dois outros assuntos. Primeiro, o apoio dos Estados Unidos para o Brasil ser aceito na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne economias avançadas e dissemina boas práticas no serviço público. Segundo, a isenção de vistos nas viagens de brasileiros ao país — tema há anos na agenda bilateral, congelado depois que o Brasil liberou a entrada de americanos sem exigir reciprocidade.

Para os Estados Unidos, a democracia no Brasil é crucial. Desde que Biden assumiu a Casa Branca, autoridades americanas têm defendido o sistema eleitoral brasileiro e, depois do anúncio do resultado das eleições, ele reconheceu imediatamente a vitória de Lula. A agenda comum pró-democracia depende da regulação eficaz das redes sociais, mantidas por empresas americanas. A iniciativa no Brasil foi assumida pelo Judiciário. Mas, depois do 8 de Janeiro, a nova lei de combate à desinformação voltou a ser prioritária no Congresso. O Brasil tem chance de adotar uma legislação moderna que poderia servir de exemplo aos americanos.

Outra área de interesse comum é o combate ao aquecimento global. Para preservar seus biomas, o Brasil precisará de tecnologia e investimento. Daí a presença da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na comitiva presidencial. A nova lei ambiental americana é protecionista, e setores do governo brasileiro pretendem partir para o confronto. É importante não perder de vista o objetivo principal: preservar a Amazônia é bom para todos.

Também há espaço para avanço em temas militares. O Brasil quer acesso a novas tecnologias e armas, e os americanos querem limitar a influência chinesa na América Latina. Lula e Biden poderiam aproveitar um legado positivo da relação entre Donald Trump e Jair Bolsonaro: em 2019, os Estados Unidos classificaram o Brasil como aliado preferencial fora da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), status que deveria ser mantido.

Outro legado positivo da gestão Bolsonaro foi a garantia de empenho americano para a entrada do Brasil na OCDE. Embora ela não mobilize a atenção do PT, é muito mais importante para o futuro do Brasil que a proposta ingênua, feita por Lula, de criar um G20 revigorado para chegar à paz entre Rússia e Ucrânia — a ideia desagrada a americanos e europeus. O encontro com Biden oferece a Lula a oportunidade de rever suas declarações desastradas sobre o conflito russo-ucraniano.

Brasil e Estados Unidos têm vários motivos para estreitar relações. É evidente que há enormes assimetrias, e nem sempre um quer o que o outro deseja. Mas isso não significa que o mundo deva ser visto como um eterno embate Norte-Sul. Essa visão simplória impediu avanços por muito tempo.

Relatório revela situação preocupante da cobertura jornalística no Brasil

O Globo

Levantamento descreve 45 casos de cerceamento ao trabalho da imprensa nos três dias depois de 8 de janeiro

O livre exercício do trabalho da imprensa é um dos pilares de qualquer regime democrático. Por isso são preocupantes as informações do relatório entregue ontem ao governo pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e outras organizações nacionais e internacionais de defesa da liberdade de imprensa. O estudo faz um alerta sobre “a grave situação de insegurança para cobertura jornalística no Brasil”, agravada pelos atos golpistas do 8 de Janeiro, e cobra providências do governo.

No curto intervalo de 8 a 11 de janeiro, depois da invasão das sedes dos Três Poderes por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, as organizações relacionaram 45 episódios de agressões físicas, ameaças, confisco de material de trabalho, furtos e ofensas com o objetivo de impedir a divulgação dos fatos pela imprensa. Considerado o período desde o segundo turno das eleições, em 30 de outubro, os números são ainda mais expressivos. Houve mais de cem casos envolvendo o cerceamento do trabalho da imprensa na cobertura dos bloqueios de estradas e acampamentos diante de quartéis do Exército. Os relatos dão detalhes do ocorrido, preservando o nome das vítimas.

Trama golpista: Marcos do Val diz ter 'manipulado' noticiário com informações desencontradas de forma intencional

Entre os pedidos ao Ministério da Justiça e à Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), estão a garantia de segurança de jornalistas e veículos de imprensa na cobertura de manifestações públicas, em especial os atos antidemocráticos; espaços próprios para que profissionais vítimas de agressões possam prestar depoimento em segurança; investigações céleres e responsabilização dos autores; implantação do Observatório da Violência contra os Jornalistas (em conjunto com as organizações do setor e a sociedade civil). As entidades pedem ainda que haja condenação pública da violência e que autoridades se abstenham de proferir discursos ofensivos, estigmatizantes ou que instiguem atos contra jornalistas ou veículos de imprensa.

Um mês depois dos atos golpistas, Policia Federal e Ministério Público reúnem investigações robustas sobre participantes, financiadores e incentivadores das violência. Há até agora 965 detidos e 653 denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Na terça-feira, foram encarcerados quatro oficiais da PM do Distrito Federal. Espera-se que o mesmo empenho seja dado às agressões cometidas contra profissionais que exerciam seu dever de informar.

Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito tendo como uma de suas bandeiras a defesa da democracia. Não há democracia sem imprensa independente, com liberdade para trabalhar. A garantia ao trabalho da imprensa independe de ideologia ou governo. Embora os acampamentos em frente aos quartéis tenham sido desmobilizados, extremistas de lado a lado continuam à espreita. O governo tem o dever de garantir que jornalistas possam fazer o seu trabalho, protegido pela Constituição.

Estado e governo

Folha de S. Paulo

É saudável que haja medidas públicas protegidas do desejo do presidente de turno

Para os lulistas mais exaltados, é inadmissível que a diretoria não eleita do Banco Central, ao insistir em manter a taxa Selic em 13,75% anuais, crie embaraços ao desejo do presidente legitimamente escolhido pela população.

Esses mesmos lulistas, porém, provavelmente aplaudiram decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em janeiro de 2021, de autorizar a aplicação emergencial das vacinas Coronavac e AstraZeneca contra a Covid-19.

Não há dúvida de que aquela foi uma medida fundamental para o Brasil começar a controlar a pandemia, mas, tecnicamente, também se tratava de um grupo não eleito de especialistas —aprovados, no entanto, pelo Legislativo— contrapondo-se aos desejos do então presidente legitimamente eleito.

Goste-se ou não do teor de cada decisão tomada por agência reguladora e outras autarquias, o fato é que essas entidades se tornaram peça-chave na administração de Estados modernos. Elas trazem algumas vantagens importantes.

Por serem compostas por colegiados que não buscam o aplauso de eleitores, têm mais independência do que governantes para implementar políticas de Estado, perseguindo objetivos de longo prazo, em especial quando estes exigem algum tipo de sacrifício no presente. É bem esse o caso do BC.

Há ainda assuntos que são técnicos demais para ficar a cargo dos Poderes eleitos, como a regulação médicas. Numa das vezes em que o Parlamento se embrenhou por esse terreno, aprovou uma lei que liberava, sem o aval da Anvisa, o uso da fosfoetanolamina, mais conhecida como "pílula do câncer" —que não trata a doença.

Foi só por intervenção do Supremo Tribunal Federal, um Poder não eleito, que norma foi revogada.

O grau de autonomia de cada autarquia pode variar. Há desde os conselhos e diretorias cujos membros podem ser demitidos a qualquer momento até aqueles com mandatos fixos e não coincidentes com os de políticos eleitos.

O grau de blindagem varia, mas o importante é que essas entidades não fiquem totalmente sujeitas aos impulsos de governantes de turno. Elas fazem parte do sistema de freios e contrapesos que caracteriza as democracias.

Esse desenho não deixa de trazer riscos. Um problema, para o qual ainda não há solução a contento, é a proximidade entre reguladores e regulados. As quarentenas, pelas quais dirigentes que saem do cargo precisam passar algum tempo sem trabalhar no setor, atenuam, mas não resolvem a questão.

Não surpreende que seja assim. A democracia é o regime do aperfeiçoamento incremental. Quando não há soluções ótimas, fica-se com as menos ruins.

Ubatuba mais limpa

Folha de S. Paulo

Taxa para turistas alivia pressão ambiental, mas falta melhorar coleta de esgoto

A cidade de Ubatuba, um dos destinos mais procurados no litoral norte paulista, começou a cobrar de turistas a Taxa de Preservação Ambiental (TPA). É um ônus justificável, no interesse até do próprio visitante —se de fato a receita adicional for destinada para tornar ruas e praias mais asseadas.

Os valores diários não se mostram proibitivos. Variam entre R$ 3,50, para motocicletas, e R$ 92 para ônibus. A taxa de carros é de R$ 13, o que corresponde a R$ 52 para uma família que passe todo o Carnaval no balneário.

Ficarão isentos da cobrança moradores e proprietários de casas de veraneio. Tampouco pagarão a TPA habitantes do litoral norte (Ilhabela, São Sebastião e Caraguatatuba) e de outros municípios vizinhos (São Luiz do Paraitinga, Cunha, Natividade da Serra e Paraty).

Ubatuba não é a primeira localidade praiana a instituir a taxa, uma aplicação do princípio do poluidor pagador. Em São Paulo, ela já ocorre em Ilhabela. Fernando de Noronha (PE), Jericoacoara (CE), Morro de São Paulo (BA) e Bombinhas (SC) também têm as suas, assim como Gramado (RS) e Jalapão (TO) no interior do país.

Locais de alto valor paisagístico e ecossistemas frágeis sofrem pressão ambiental com o afluxo sazonal de visitantes. Em Ubatuba, a população sobe de 93 mil pessoas para cerca de 500 mil na virada do ano; um quarto das 42 mil toneladas anuais de lixo é coletado apenas em dezembro e janeiro.

A prefeitura arca com R$ 36 milhões anuais (7% da receita) para tratar os resíduos, mas só R$ 16 milhões são cobertos por uma taxa cobrada dos munícipes. Estima-se que a TAP acrescentará R$ 15 milhões aos cofres de Ubatuba.

Caso o valor adicional seja efetivamente investido na melhoria do serviço, espera-se que não se repitam as lamentáveis cenas de monturos acumulados em vias e orlas. Seria um avanço, longe, porém, de resolver todos os problemas ambientais da cidade —cujo índice de coleta de esgoto é o mais baixo do litoral paulista (54%).

Parece improvável, portanto, que a taxa, que nem chega a cobrir todo o custo dos resíduos sólidos, possa reverter a deficiência inaceitável no saneamento básico.

Uma coisa é certa: ao pagar pela permanência no balneário, turistas estarão ainda mais propensos a se queixar. E, no limite, a deixar de visitar Ubatuba, em especial se suas águas continuarem impróprias para banho.

O rebanho de bodes expiatórios do PT

O Estado de S. Paulo.

O PT governou o Brasil por 14 dos últimos 20 anos. Mas, para Lula, que fez juras de unir a Nação numa frente ampla, todas as mazelas que assolam o País são culpa dos outros

É um locus classicus: o Brasil não é fustigado por catástrofes naturais, não tem histórico de guerras internacionais nem guerras civis, e, em que pesem as cicatrizes de seu passado escravocrata, é uma democracia multiétnica e multicultural enriquecida por imigrantes de todo o mundo, que tem à disposição abundantes recursos naturais para prosperar.

Mas, apesar disso, os índices de crescimento econômico, de saúde ou educação são cronicamente medíocres. O Estado, paquidérmico e ineficiente, é um sorvedouro de recursos saqueados dia e noite por legiões de políticos patrimonialistas, clientelistas e corporativistas. A sociedade, uma das mais desiguais do mundo, está unida pelo medo à violência e dividida pela radicalização política. Refletindo as causas e sintomas desse persistente mal-estar, as últimas eleições – mesmo num cenário de desemprego elevado, indústria estagnada, inflação acelerada e contas públicas desancoradas – foram uma batalha campal cujo rastro foi um deserto de propostas jamais visto desde a redemocratização. E, em tudo isso, qual é a parcela de responsabilidade do partido que governou o País por 14 dos últimos 20 anos? Segundo seu líder máximo, nenhuma. Ao contrário, se o Brasil não é o céu na terra, é porque o inferno são os outros.

Mal esquentou a cadeira presidencial, Lula já soou o apito para que seu rebanho militante arrebanhasse seus surrados bodes expiatórios. Segundo levantamento do Estado, em um mês Lula já apelou ao menos oito vezes ao antagonismo entre ricos e pobres. A invasão às sedes dos Três Poderes, por exemplo, “foi uma revolta dos ricos que perderam as eleições”. A bola da vez é o Banco Central, acusado de perseguir uma meta da inflação que não é o padrão “brasileiro”, seja lá o que isso queira dizer.

Na mitologia lulopetista, o Brasil vivia uma espiral virtuosa até o “golpe” destruir tudo. “Essa é a explicação que encontrei para o impeachment da presidente Dilma Rousseff, minha prisão e as várias mentiras fabricadas contra o PT”, disse Lula a um jornal chinês. “A única explicação que posso encontrar é esta. Os Estados Unidos estão sempre intervindo na política latinoamericana.”

Assim Lula estima as instituições nacionais: a imprensa, que denunciou escândalos de corrupção como o mensalão e o petrolão; a polícia, que os investigou; o Judiciário, que os condenou; o Congresso, que num processo presidido pela Suprema Corte destituiu sua criatura por crimes de responsabilidade, todos são fantoches de um grande complô do “imperialismo estadunidense”, do “capital”, das “elites” contra o “povo”, obviamente encarnado em Lula.

O PT se escandaliza com a miséria e a desigualdade, como se suas políticas econômicas negacionistas não tivessem nada a ver com a pior recessão da história recente; escandaliza-se com a corrupção, como se ela nada tivesse a ver com o sistemático aparelhamento do Estado para servir aos interesses do partido; escandaliza-se com a radicalização, como se ela nada tivesse a ver com a renitente demonização de seus adversários e críticos.

Questionado duas vezes em entrevista à RedeTV! sobre o que teria a dizer a todos que o rejeitaram nas urnas – que, somados os votos ao adversário, nulos, brancos e ausentes, representam quase 60% do eleitorado –, Lula só aludiu à “indústria de mentiras criada nesse país”. Ou seja, toda essa gente é mera massa de manobra ludibriada pela conspiração contra o PT. Logo, suas opiniões não são passíveis de conciliação, só de retificação ou retaliação.

Na verdade, o que Lula não tolera não é o empresariado, o Banco Central, a imprensa, o Judiciário, o Congresso, as massas que protestaram inúmeras vezes nas ruas; o que Lula não tolera é a insubmissão. Quaisquer parcelas da sociedade civil ou das instituições públicas que não sejam submissas ao projeto de poder hegemônico do PT já foram julgadas e condenadas pelo “tribunal da História”. Elas são culpadas de não rezar o credo petista, de não prestar genuflexão ao grande líder, e devem ser sacrificadas no altar erguido ao seu culto, como irredimíveis bodes expiatórios.

Inteligência artificial desafia a educação

O Estado de S. Paulo.

Avaliação tradicional de alunos será colocada em xeque por sistemas que elaboram textos; proibir o uso do programa ou fazer prova oral são paliativos ante revolução que se avizinha

Universidades e escolas estão diante de um novo desafio: avaliar seus alunos em tempos de enormes avanços e popularização da inteligência artificial (IA). Como noticiou o Estadão, a necessidade de rever métodos de avaliação ficou evidente após o lançamento do chamado ChatGPT, um sistema de inteligência artificial capaz de responder a perguntas e criar textos sobre assuntos variados, com explicações aprofundadas e informações de contexto. Disponível na internet, o novo sistema é simples de usar e, até o momento, gratuito. Na área da educação, cresce a preocupação com o eventual uso indevido por parte de estudantes − um risco que certamente exigirá mudanças nas avaliações.

O debate é recente: o ChatGPT foi lançado no fim de novembro e logo provocou reações nos Estados Unidos, onde o ano letivo estava em pleno andamento. Como informou o New York Times, já houve escolas públicas em Nova York e Seattle que proibiram o acesso ao dispositivo, uma medida de difícil controle. Universidades norteamericanas, por sua vez, têm agido para alterar o formato das avaliações, buscando adaptar-se à nova realidade. Exames com consulta e tarefas de casa cedem lugar a testes realizados na sala de aula, a provas orais ou a textos escritos à mão.

São medidas paliativas, que apenas tangenciam a revolução que se insinua. No Brasil, a comunidade acadêmica mal começou a discutir como encarar o problema. Conforme noticiou o Estadão, a página da nova ferramenta está em inglês, mas o sistema entende e fornece respostas em português. Uma das saídas apontadas por professores é a elaboração de questões mais complexas, que exijam capacidade de análise dos estudantes e fujam do repertório à disposição da inteligência artificial. O professor Carlos Rafael, que leciona no curso de Sistemas de Informação da ESPM, afirmou que o banco de dados do ChatGPT vai até 2021. Ou seja, fatos mais recentes estariam fora do alcance da máquina − pelo menos por enquanto.

Transformações provocadas por avanços tecnológicos fazem parte da história humana. Vale lembrar que a inteligência artificial já foi capaz de derrotar campeões de xadrez e está presente em atividades tão variadas como o controle de estoques, o reconhecimento facial ou o atendimento ao público em serviços digitais. Não surpreende, portanto, que chegue às salas de aulas. Assim como em outras áreas, cabe a professores e estudantes tirar proveito da tecnologia sem incorrer em plágio nem adotar condutas antiéticas.

Uma das tantas possibilidades de uso do ChatGPT, por exemplo, é ajudar estudantes na revisão de conteúdos e na preparação para testes. O sistema, se bem orientado, elabora resumos e roteiros que podem facilitar a vida de qualquer aluno. Tal funcionalidade pode servir também a docentes na hora de planejar aulas. Nesse sentido, porém, recomenda-se cautela dupla. Embora útil para selecionar informações e apresentar temas complexos de maneira simplificada, a ferramenta é, por enquanto, incapaz de substituir a figura do professor, além de estar sujeita a erros e limitações − algo que o próprio ChatGPT admite com transparência. Sua contribuição, portanto, não pode ser mais que um ponto de partida para o trabalho docente.

O mesmo raciocínio se aplica a pesquisadores e estudantes de pós-graduação: o uso da inteligência artificial é bem-vindo na medida em que acelere e amplie a geração de conhecimentos. Nunca para pular etapas indispensáveis à validade do método científico. Quanto a isso, será bem-vindo um ChatGPT que contribua para aperfeiçoar as ferramentas que detectam casos de plágio, identificando textos produzidos por inteligência artificial − algo que está no radar de universidades e revistas científicas.

Se a inteligência artificial será capaz de substituir a mente humana, ainda é uma questão em aberto. O fato, contudo, é que a IA já é uma realidade, e pode servir tanto ao estudante preguiçoso quanto aos profissionais que precisam poupar tempo gasto em atividades cotidianas para se dedicar integralmente à criação – a verdadeira vocação da inteligência humana.

Mesmo no carnaval, as leis valem

O Estado de S. Paulo.

Moradores tentam fazer valer direitos básicos, cassados por gente autoritária que acha que a folia valida tudo

O Ministério Público de São Paulo (MPSP), por meio da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, instaurou inquérito civil para apurar violações da ordem pública durante a passagem de blocos de rua pelo distrito de Pinheiros, normalmente um dos mais movimentados da capital paulista.

Várias associações de moradores e associações comerciais da região procuraram o MP-SP para alertar que o desfile de blocos improvisados, além da realização de outros eventos fora do planejamento e controle da Prefeitura, tem causado barulho excessivo, deixado um rastro de sujeira e impedido a livre circulação.

Um grupo de bagunceiros não pode decidir tomar o espaço público com truculência, a pretexto de exercer a “liberdade de manifestação”, apenas porque se autodenomina “bloco de rua”. Só porque é carnaval, ora vejam, sentem-se no direito de dispor das ruas como bem entenderem, impedindo o trânsito de pessoas e veículos e, pior, prejudicando o bem-estar de moradores e trabalhadores da região.

O carnaval é a festa da subversão temporária da ordem estabelecida e das convenções sociais. Padrões que valem durante quase o ano todo deixam de valer nos dias de folia. Qualquer brasileiro sabe disso; afinal, pular carnaval é um dos traços distintivos da identidade nacional. É evidente, no entanto, que essa subversão só é divertida no plano simbólico. O bonachão Rei Momo acumula muitos poderes nessa época do ano, mas não os de suspender a vigência das leis da República nem de abolir as normas do bom convívio em sociedade. Seus súditos não são agraciados com direitos absolutos.

Como justificativa para o inquérito civil, o MP-SP afirmou, com toda razão, que “o fechamento de vias públicas para prática de eventos carnavalescos de grande porte, em ocorrendo deficiência em seu planejamento, pode ocasionar prejuízo ao deslocamento nos eixos fundamentais da cidade, bem como aos acessos aos estabelecimentos estratégicos e aos serviços essenciais como hospitais”.

O MP-SP recomendou ao prefeito Ricardo Nunes (MDB) que exerça “o devido controle e a devida fiscalização com relação ao uso e à ocupação de áreas públicas e de uso comum para que se evite a prática de atividades irregularidades”, além de acionar a Polícia Militar e a Secretaria Municipal de Mobilidade e Trânsito para que promovam a segurança e a organização dos eventos autorizados pelo poder público.

Ninguém há de negar a importância dos festejos de carnaval para São Paulo, que só crescem ano após ano e atraem milhões de turistas brasileiros e estrangeiros para a capital paulista. Mas, justamente por seu gigantismo e sua relevância, a folia tem de ser planejada e fiscalizada pela Prefeitura.

Onde não estão presentes os requisitos para a realização de uma festa segura, organizada e respeitosa aos direitos dos cidadãos que só querem seguir suas rotinas e nem sequer tomar conhecimento do carnaval, os eventos não devem ser autorizados; se realizados à margem da lei, que sejam interrompidos pela polícia. Carnaval não é vale-tudo, não é sinônimo de caos.

Justiça fecha o cerco aos golpistas de 8 de janeiro

Valor Econômico

Evidências apontam para o que pareceu claro desde o início - o apagão intencional da segurança do Distrito Federal, do GSI e demais órgãos envolvidos na proteção do STF, Palácio do Planalto e Congresso

Um mês após os execráveis atos de vandalismo na praça dos Três Poderes, em Brasília, as autoridades avançaram na identificação dos baderneiros, lotaram cadeias com 925 pessoas presas preventivamente - fração das cerca de 1.400 detidas -, progrediram na averiguação da cadeia de responsabilidades e do financiamento dos atos, mas não chegaram muito perto no esclarecimento dos mandantes da tentativa mambembe de golpe. O presidente da Câmara, Arthur Lira, por exemplo, que apoiou Jair Bolsonaro durante todo seu mandato, fez pouco caso dos pedidos de cassação de mandatos de três parlamentares que incitaram a fuzarca.

As evidências apontam para o que pareceu claro desde o início - o apagão intencional da segurança do Distrito Federal, do GSI e demais órgãos envolvidos na proteção do Supremo Tribunal Federal, Palácio do Planalto e Congresso. Há dúvidas sobre se o governador do DF, Ibaneis Rocha, sabia de tudo ou foi também enganado, mas há a certeza de que ele nomeou o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres, para o comando da segurança, a mesma personagem em cuja casa foi encontrada uma minuta de decreto para intervir no Tribunal Superior Eleitoral e com isso mudar o resultado das eleições. Anderson tirou férias estratégicas antes da arruaça começar e, ao que parece, deixou todo o esquema de proteção desmobilizado, quando as ameaças de atos violentos eram mais que conhecidas pelos órgãos de inteligência.

À bem-vinda incompetência e falta de rumos dos vândalos acrescentou-se a participação bizarra do senador Marcos do Val (Podemos-ES), que em suas mutantes cinco versões dos fatos, deixou claro que buscava-se comprometer com escutas o ministro Alexandre de Moraes, que o objetivo era impedir a posse de Lula e que o então presidente Jair Bolsonaro sabia delas - como participante ativo, ou testemunha interessada ou um silente obsequioso. A participação de Bolsonaro na incitação à desconfiança nas urnas e nos resultados é conhecida e objeto de outros processos no STF. Sua ligação direta com o ato de 8 de janeiro carece de comprovação, mas tanto o documento apócrifo com um aliado íntimo como Anderson Torres, como alguns movimentos após a derrota no segundo turno, indicam que ele não se comportou como um conformado perdedor.

Há inquéritos para apurar a participação de militares nos atos de rebelião e na proteção de ativistas ilegais em acampamentos cujo objetivo era o pedido de golpe de Estado, e a ação de proibir a PM de entrar no local no dia das invasões para prender suspeitos. Até agora eles não chegaram a nenhuma conclusão. Lula demitiu o comandante do Exército, Júlio César de Arruda, e demitiu mais de 50 militares lotados no Planalto e no GSI.

As 653 ações penais movidas pela PGR congestionaram a Justiça e não há boa solução para isso, porque o encaminhamento a instâncias nos Estados pode permitir decisões desiguais para crimes idênticos. É preciso separar o joio do trigo, pela gravidade das infrações. A menos que haja alguma evidência firme, a prisão preventiva até agora de 925 pessoas parece exagerada.

As soluções para evitar episódios como os de 8 de janeiro oscilam, ainda não são consensuais e algumas, sequer recomendáveis. Para remediar a falta de confiança nas diversas instâncias de segurança das instituições, o governo se inclina pela criação de mais uma, a Guarda Nacional, federalizando a proteção com uma tropa sem militares. É mais fácil buscar que cessem as desconfianças. Se um presidente da República não pode confiar nos militares, uma Guarda Nacional é de pouca valia.

A ideia de exigir que as redes sociais retirem por conta própria conteúdos que preguem a derrubada violenta da democracia merece discussão e por isso não deveria ser feita por Medida Provisória, como quer o governo. Há um projeto sobre liberdade, responsabilidade e transparência na internet sob relatoria do deputado federal Orlando Silva que poderá estar pronto para ir ao voto em abril. O presidente da Câmara, Arthur Lira, pretende agilizar o trâmite, pois também é contrário a uma MP de vigência imediata.

A criação pelo Estado de uma Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia, por seu lado, é um ato perigoso. Seu objetivo é coibir “desinformação e atentados à eficácia de políticas públicas”, como diz o procurador da Fazenda, Jorge Messias, um escopo amplo e aberto demais que pode vir a justificar a perseguição política a opositores.

 

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